Tony Goes

Série 'Deus Me Adicionou' aborda a espiritualidade com leveza e humor

Sem pregação religiosa, roteiro evita controvérsias para não ofender ninguém

Cena da série 'Deus Me Adicionou'

Cena da série 'Deus Me Adicionou' Jonathan Wenk/CBS

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Dá para fazer piada com religião? A questão, velha feito as pirâmides do Egito, voltou à ordem do dia com o novo especial de Natal do Porta dos Fundos. E pode ser ampliada: dá para fazer dramaturgia com religião, de uma maneira que não provoque a ira de ninguém?

Claro que não faltam filmes, séries e novelas de temática religiosa. As tramas espíritas são frequentes na faixa das 18 horas da Globo. A Record nunca escondeu que um dos objetivos de seus folhetins bíblicos é atrair fiéis para a Igreja Universal do Reino de Deus. E, volta e meia, algum programa causa polêmica ao propor um olhar novo sobre a fé: a série "Messiah", que acaba de ser disponibilizada na Netflix, é só o exemplo mais recente.

"Deus Me Adicionou" consegue caminhar por este campo minado sem explodir nenhuma bomba. A série americana, que nos EUA já está na segunda temporada, estreou por aqui no canal pago Warner nesta segunda (6), em um horário meio ingrato: Às 13h, de segunda a sexta.

A premissa é simpática. Miles, um ateu militante (Brandon Micheal Hall), recebe um pedido de amizade no Facebook enviado por alguém que se diz Deus. Ele não aceita, mas Deus insiste em reenviar o pedido várias vezes e até sugere outras amizades. Miles rapidamente descobre que são pessoas precisando de ajuda, em cujas vidas ele pode fazer diferença.

Intrigado, Miles coloca um colega nerd para descobrir quem é que está por trás do perfil divino. Ao mesmo tempo, recebe uma proposta para levar seu podcast ateísta para a grade de uma grande corporação. Seus novos patrões querem que ele reforce no ar a convicção de que não há nenhum Deus e que todas as religiões são farsas. O problema é que Miles não está mais tão convicto assim.

Enquanto isto, ele vai se envolvendo com os dramas pessoais dos amigos que o suposto Deus lhe enviou. Especialmente com os de Cara (Violett Beane), uma jornalista em crise profissional, que tenta se reconectar à mãe que a abandonou quando criança.

Miles também tem seus próprios dilemas. Seu pai é um pastor protestante, com quem o rapaz nunca se deu muito bem. Deus conseguirá reaproximá-los? Todos esses ingredientes poderiam ter se transformado em um xarope intragável.

Felizmente, em nenhum momento "Deus Me Adicionou" resvala para a pregação religiosa. É claro que um espectador que acredita em algum poder superior será mais aberto à série do que um incrédulo, mas este não tem com que se irritar.

A série traz elementos contemporâneos como redes sociais e aplicativos de namoro para uma questão ainda mais antiga que as pirâmides: a existência (ou não) de algo transcendental.

Mas "Deus Me Adicionou" também tem outro aspecto agradável. Seu tema central não é propriamente a fé, mas a bondade, a generosidade e a solidariedade. E ainda consegue falar de tudo isso sem enfiar o dedo na cara do público. Acaba funcionado como um oásis de delicadeza, em meio a tantas produções que revelam o lado mais sombrio do ser humano.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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