Filme que Bolsonaro assistiu é uma peça de propaganda religiosa
Presidente viu pré-estreia de 'Superação - Milagre da Fé' nesta terça (26)
Em meio a uma crise entre o Executivo e o Legislativo que ameaça tragar a reforma da Previdência, o presidente Jair Bolsonaro tirou a manhã desta terça-feira (26) para ir ao cinema. Ele e a primeira-dama Michelle foram a uma pré-estreia só para convidados do filme “Superação – O Milagre da Fé”, em um shopping de Brasília.
Trata-se de um exemplar do chamado “cinema gospel”, um termo usado pelos próprios evangélicos. Uma vertente da sétima arte surgida há alguns anos nos Estados Unidos, que transpõe para as telas casos de milagres supostamente reais, ou as próprias crenças evangélicas, como o Arrebatamento –o desaparecimento súbito dos verdadeiros cristãos, pouco antes do Juízo Final.
“Superação – O Milagre da Fé” se enquadra na primeira categoria. O filme é baseado no livro de “The Impossible”, escrito por Joyce Smith em parceria com Ginger Kolbaba. Joyce conta o que aconteceu com seu filho adotivo, John, que caiu nas águas sob um lago congelado nos arredores da cidade de St. Louis, em janeiro de 2015.
John Smith ficou embaixo d’água por 15 minutos, e sem pulso durante 45. Foi dado como morto pelos membros da equipe de salvamento que o retirou do lago. Mas Joyce não se deu por vencida: rogou pela intervenção do Espírito Santo, e conseguiu que toda sua comunidade rezasse pela vida do rapaz. Ele praticamente ressuscitou e hoje leva uma vida normal, sem nenhuma sequela.
Na época, o caso repercutiu fortemente na mídia americana. Agora atingirá o mundo inteiro: “Superação – O Milagre da Fé” é uma produção caprichada da Fox, que será distribuída globalmente pela Disney (as duas empresas acabaram de se fundir em uma só). No papel de Joyce Smith está a ótima Chrissy Metz, a Kate Pierson da série “This Us”.
A estreia nos EUA está marcada para o dia 18 de abril, a quinta-feira que antecede a Páscoa. Aqui no Brasil, segundo o site FilmeB, será uma semana antes, no dia 11. Talvez devesse até ser antecipada: a presença de Jair Bolsonaro em uma pré-estreia deu a “Superação” a melhor campanha de marketing possível, e a distribuidora faria bem em aproveitar a comoção.
Só que não faz muito sentido um presidente da República servir de garoto-propaganda para um filme. É por isto que raramente é divulgada a programação da sala de cinema do Palácio da Alvorada. O endosso presidencial é algo que deve ser reservado para os produtos brasileiros de exportação.
Mas Bolsonaro não é um presidente comum, e a guerra cultural é sua tática favorita. Toda vez que ele sente sua popularidade fraquejar, recorre a expedientes como o infame tuíte sobre o “golden shower”, divulgado logo após o Carnaval.
Agora, quando até membros de seu próprio partido questionam sua competência, Bolsonaro tirou a manhã de folga para assistir a uma obra de pregação religiosa.
Apesar de não se filiar a nenhuma denominação específica (ao contrário, por exemplo, de “Nada a Perder”, a cinebiografia de Edir Macedo, ostensivamente ligada à Igreja Universal do Reino de Deus), “Superação – O Milagre da Fé” quer reforçar o fervor dos fiéis, e até conquistar alguns novos.
Segundo a Constituição ainda em vigor, o Brasil é um estado laico. Isto quer dizer que o governo é neutro quanto às religiões: não pode perseguir nenhuma delas, mas tampouco pode favorecer uma em detrimento das outras. Se levássemos a sério esta norma, as repartições públicas não teriam crucifixos nas paredes.
Por isto, a ida de Jair Bolsonaro durante o expediente de trabalho à pré-estreia de um filme escancaradamente religioso também não deve surtir reclamações. Afinal, ele se elegeu com o slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
Não vi “Superação – O Milagre da Fé”, mas o trailer praticamente entrega a história inteira (que, aliás, já era conhecida). Parece um filme bem-feito, agradável, com uma simpática mensagem de esperança. Tomara que Jair Bolsonaro tenha se deixado enternecer, e que tempere com valores verdadeiramente cristãos a maneira como exerce o poder.
Oremos.
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