Resultado da novela 'Jesus' fica aquém de sua ambição
Folhetim da Record estreou com capítulo confuso e audiência decepcionante
Era inevitável que, mais cedo ou mais tarde, a Record transformasse a história de Jesus Cristo em novela. Afinal, a Bíblia é imensa, mas é finita –e boa parte do Antigo Testamento já foi adaptada pela emissora. Além disso, o fracasso da recém-terminada “Apocalipse” fez com que, para recuperar a audiência perdida, a produção de “Jesus” se tornasse urgente.
Pelo menos na estreia, esse objetivo não foi alcançado. Segundo os dados preliminares do Ibope, “Jesus” terminou em terceiro lugar na Grande São Paulo, com 12,7 pontos de média e pico de 14,5 pontos. Deu o azar de enfrentar uma concorrência fortíssima: tanto “As Aventuras de Poliana” (SBT) quanto “Segundo Sol” (Globo) já são sucessos estabelecidos, com públicos cativos.
Mas parte desse relativo fracasso pode ser creditado à narrativa confusa do primeiro capítulo. “Jesus” começou logo com um spoiler daqueles: a crucificação. Mas, depois da abertura, a trama retrocedeu ao jardim do Éden, de maneira gratuita, com Adão e Eva do jeito mais clichê possível: brancos, sorridentes, parecendo saídos de um comercial de sabonete. Talvez seja um trailer da próxima ocupante do horário, a novela “Gênesis”, prevista para 2019?
Em seguida, caímos no ano 1 a. C., em uma Jerusalém curiosamente despovoada. Há um sacerdote (com o ator Paulo César Pereio, que consegue transmitir sacanagem até com textos sagrados) contando antigas profecias para um grupo de meninos; uma dupla de sacerdotes corruptos; Herodes (Paulo Gorgulho) padecendo em seu palácio.
Mais interessante é o entrecho na vila de Nazaré, onde Maria (Juliana Xavier) e José (Guilherme Dellorto) aparecem namorando. Contrariando algumas interpretações da Bíblia, ele não é muito mais velho do que ela: aparentam a mesma idade.
Maria ajuda um soldado romano ferido, e é vítima da maledicência de outras mulheres da aldeia. Seu noivado com José corre perigo. Nada disso está em nenhum dos Evangelhos, mas os roteiristas fazem bem em imaginar os detalhes da vida pregressa do casal.
Pena que todas essas tramas sofreram com o ritmo lento e pomposo imposto pela direção. Nem mesmo uma cena de batalha serviu para dar agilidade ao capítulo. Sem falar no defeito mais renitente dos folhetins bíblicos da Record: a canastrice dos atores, que parece ser contagiosa. Nem os mais tarimbados escapam, e ninguém está pior do que Maurício Mattar (Joaquim, o pai de Maria). Já passa da hora da Casablanca, a produtora da novela, contratar um preparador de elenco.
Em entrevista à Folha desta terça (24), Paula Richard, a autora principal, prometeu algumas ousadias que contrariam a tradição. Maria Madalena, por exemplo, não será mostrada como uma prostituta (o que, aliás, a Bíblia nunca disse que ela foi). Também aparecerão os meios-irmãos de Jesus, filhos de Maria e José – igualmente citados no texto bíblico, mas “abafados” pelo catolicismo.
Mas, pelo menos por enquanto, o que se viu foi bastante convencional, como o louríssimo anjo Gabriel, de Raphael Sander.
Paula Richard também disse que não haverá pregação em “Jesus”, só uma história bem contada. Tomara, mas é difícil acreditar. A supervisão de texto está com Cristiane Cardoso, filha do bispo Edir Macedo e principal responsável pelo descarrilamento de “Apocalipse”.
Mesmo adaptando os quatro Evangelhos oficiais, há muitas lacunas para os autores preencherem e transformarem a história mais conhecida do mundo em uma novela interessante.
No entanto, o capítulo de estreia atirou para vários lados ao mesmo tempo e não se fixou em nenhum. Frustrou quem esperava uma narrativa mais linear, sem ser de fato inovador.
Será que “Jesus” tem salvação?
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