Tony Goes

O close errado de Nego do Borel

Depois de posar para foto ao lado de Bolsonaro, cantor beija outro homem em novo clipe

No clipe "Me Solta", Nego do Borel beija o modelo Jonathan Dobal
No clipe "Me Solta", Nego do Borel beija o modelo Jonathan Dobal - Reprodução
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A semana começou bem para Nego do Borel. No domingo (8), dia em que completou 26 anos, ele recuperou seu carro, avaliado em meio milhão de reais, roubado algumas horas antes.
 
Nesta segunda (9), o cantor recebeu celebridades de todos os matizes para festejar seu aniversário em um restaurante da zona sul carioca. E ainda lançou o ambicioso clipe da música “Me Solta”, um funk frenético que já vinha sendo muito tocado nas plataformas de streaming. Aí, o caldo entornou.
 
O vídeo foi gravado no próprio morro do Borel, onde Nego nasceu e cresceu, e conta com dezenas de figurantes fazendo uma coreografia elaborada. Mas nada chama mais atenção do que o próprio Nego – ou melhor, Nega da Borelli, personagem travestida que já apareceu em shows do artista.
 
Nega da Borelli dança, rebola, pisa e tasca um beijão de língua no modelo Jonathan Dobal. Era de se esperar que a comunidade LGBT gostasse de tamanha lacração (embora um ou outro talvez reclamasse de que, por ser hétero na vida real, Nego do Borel estaria tomando o lugar de fala dos gays, etc. etc.).

Mas o exato oposto aconteceu, por uma singela razão: Nego do Borel tem se mostrado simpático a Jair Bolsonaro, pré-candidato à Presidência da República pelo PSL e notório por suas declarações homofóbicas, machistas e racistas.
 
Em junho passado, Nego do Borel divulgou uma foto onde aparece sorridente entre Bolsonaro e um dos filhos do deputado, Flávio, deputado estadual no Rio de Janeiro. Alguns dias depois, o funkeiro soltou um comentário engraçadinho no perfil do Instagram do presidenciável, ao lado de uma foto em que este aparece cortando o cabelo: “q isso, moleque tá sedutor mané (sic)”.
 
Foi o suficiente para que muitos internautas entendessem que Nego do Borel apoia Jair Bolsonaro na corrida presidencial. Note-se que não há nada além da foto e do comentário – mas, nestes tempos sem nuances, nem precisava.

Como, então, que Nego do Borel roda um clipe como “Me Solta”? Vou arriscar três hipóteses:

1. Ele não tem convicções políticas profundas. Talvez seja como boa parte dos eleitores de Bolsonaro, que votariam em Lula se o ex-presidente concorresse neste ano. O discurso autoritário convive numa boa, na cabeça de Nego do Borel, com a vontade de se libertar e se divertir. O cantor seria, portanto, um brasileiro típico, entre o atordoado e o desinteressado.

2. Nego do Borel fez de propósito, mas para provocar os apoiadores de Bolsonaro. Fingiu ser um deles, para depois se revelar um ativista da causa LGBT. Quase um cavalo de Troia. Que maquiavélico, não?
 
3. Nego do Borel fez de propósito, mas só para causar. Ele sabia que seu suposto apoio a Bolsonaro, combinado com a Nega do Borrelli, aumentaria o interesse pelo clipe. De fato, “Me Solta” está bombando: já tem mais de cinco milhões de visualizações no YouTube no momento em que escrevo este texto. Mas a quantidade de “dislikes” (cerca de um terço dos “likes”, o que é uma proporção anormalmente alta) e a repercussão negativa nas redes sociais levam a crer que o tiro saiu pela culatra.
 
Nenhum artista tem a obrigação de ser claro em seus propósitos. Uma obra de arte pode (e deve) se prestar a inúmeras interpretações. Mas Nego do Borel também tem uma obrigação para com seu público: afinal, ele é negro, nascido na favela, e tem muitos LGBT entre seus fãs. Apoiar alguém como Bolsonaro não é só contraditório: é prejudicial à sua carreira.
 
Nego do Borel ainda não veio a público esclarecer o imbróglio. Se demorar muito, corre o sério risco de se tornar uma espécie de Kanye West brasileiro. O rapper americano, como se sabe, já foi muito aclamado pelo talento, mas vem perdendo credibilidade desde que manifestou um confuso apoio a Donald Trump.
 
É ótimo surpreender expectativas e demonstrar complexidade. Mas, se não articular melhor o seu discurso, Nego do Borel tende à irrelevância.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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