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Tony Goes

Caso Júlio Cocielo abriu a temporada de caça na internet

Vlogueiros apagam postagens antigas, enquanto voam acusações por todos os lados

Da esq. para dir. Júlio Cocielo, Bruno Gagliasso e Whindersson Nunes
Da esq. para dir. Júlio Cocielo, Bruno Gagliasso e Whindersson Nunes - Reprodução/Instagram
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Depois que Júlio Cocielo caiu em desgraça por causa de seus tuítes preconceituosos, um tsunami está varrendo o mundo dos influenciadores digitais. Cauê Moura perdeu o contrato que tinha com a Warren, a startup de investimentos que patrocinava seu canal no YouTube. Rezende Evil apagou “sem querer” todas as 68 mil postagens em seu perfil no Twitter. Whindersson Nunes também deletou tuítes antigos, e jurou de pés juntos que não é mais o machista homofóbico que já foi um dia.
 
Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank, que têm uma filha negra, pediram que todas os anunciantes e internautas boicotem os racistas da internet. No instante seguinte, foram resgatadas piadas grosseiras que o ator soltou na rede alguns anos atrás. O MBL (Movimento Brasil Livre) chegou a pedir que os anunciantes que usam Gagliasso como garoto-propaganda também deixassem de trabalhar com ele.

As redes sociais brasileiras aproveitaram a deixa e se tornaram, mais uma vez, tribunais de inquisição. Youtubers, instagrammers, estrelas da TV, jogadores de futebol e celebridades em geral tiveram suas contas viradas pelo avesso, em busca de opiniões comprometedoras. Bobagens proferidas em 2009 tornaram-se provas irrefutáveis de culpa no cartório, cuja única punição possível é o fogo do inferno.
 
É a tal da ditadura do politicamente correto, de que tanto reclamam os humoristas e os políticos de extrema-direita? Sim, um pouco. Muitos desses neoinquisidores não conseguem esconder uma veia autoritária. Parece que só estavam esperando um alvo “aceitável” pelo resto da sociedade para cair em cima matando.
 
Mas o exagero é quase inevitável em um movimento que está abalando as estruturas da mentalidade ocidental. Estamos deixando – ou querendo deixar de ser – uma cultura onde o padrão (para não dizer o certo) é ser branco, homem, hétero, jovem, magro e cisgênero, sem nenhuma deficiência física. E onde quem não se encaixa em qualquer uma dessas categorias merece o escárnio generalizado.

No mundo inteiro, cresce a consciência de que o machismo, o racismo, a homofobia e outros males não se manifestam só através da violência física. Palavras, risadas e atitudes machucam tanto quanto uma lampadada na cabeça.
 
Mas há também o perigo de se cair no extremo oposto: tudo dói, tudo ofende, portanto tudo deve ser proibido. O desafio é saber distinguir as reclamações justificadas do mimimi causado pelo excesso de problematização. Só que não há um critério objetivo: o que para você é tiração de sarro, para mim pode ser uma facada nas costas.
 
É importantíssimo que essas discussões todas aconteçam, principalmente no Brasil. Fomos criados para acreditar que vivíamos num oásis de cordialidade, onde a simpatia e o jeitinho resolviam qualquer problema. A realidade é bem outra, como pode atestar qualquer pessoa que seja negra, gay, gorda, deficiente física ou do sexo feminino.
 
Esse processo de autocrítica não pode descambar para o nível de uma briga da sétima série. É preciso tolerância e sabedoria, duas coisas difíceis de exigir da garotada que domina o debate. Nem por isso ela tem passe livre para dizer besteira.
 
As ideias mudam, evoluem, amadurecem. Muitas das desculpas que vêm sendo pedidas me parecem sinceras. As pessoas só podem ser avaliadas pelo seu comportamento atual, não pelo que fizeram ou falaram no passado.
 
É uma negociação que ainda vai demorar. Mas, pelo menos, já começou.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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