Tony Goes

Vitória de Walcyr Carrasco contra o Pânico faz mal à democracia

Autor ganhou processo contra o personagem Walcyr Churrasco

O autor de novelas Walcyr Carrasco e o personagem de Evandro Santos baseado nele, o Walcyr Churrasco
O autor de novelas Walcyr Carrasco e o personagem de Evandro Santos baseado nele, o Walcyr Churrasco - Fotomontagem
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Não faço ideia do que seja ser ridicularizado na televisão. Virar motivo de chacota a nível nacional e depois ouvir gracinhas de desconhecidos na rua. Ou pior: ser perseguido em locais públicos pelos próprios humoristas que me vilipendiaram. 

Conheço alguns famosos que passaram por isto, e me solidarizo com eles. Foram vítimas do Pânico, o programa que, em suas encarnações na Band e na RedeTV!, infernizou a vida de muitas celebridades —algumas vezes sem nem ter razão para isto. E, várias vezes, sem ter a menor graça. Repetiam a mesma piada até além da exaustão, feito crianças pirracentas. Foram perdendo patrocinadores e audiência: não é por acaso que a atração saiu do ar no final de 2017

Dito isto, quero dizer que acho injusto o ganho de causa de Walcyr Carrasco no processo que o autor de “O Outro Lado do Paraíso” moveu contra a Band. A emissora foi condenada a pagar R$ 100 mil a Carrasco, por causa do personagem satírico Walcyr Churrasco, que Evandro Santo encarnava no Pânico. 

Walcyr Churrasco pegava pesado, como todas as paródias do extinto programa. Destacava a homossexualidade como se esta fosse uma característica risível e execrável. O autor tinha motivos de sobra para se sentir magoado e ultrajado. Mas daí, entrar na Justiça e calar a boca dos humoristas exigindo uma pesada indenização? É mais do que um exagero: é um atentado contra a democracia. 

Nós, brasileiros, somos um povo esquisito. Dizemos ao mundo que somos bem-humorados, descontraídos, que levamos a vida numa boa. Rimos de tudo e de todos. Mas ficamos furiosos quando riem da gente. Por aqui nunca existiu a cultura anglo-saxônica da livre expressão, que impera nos Estados Unidos e no Reino Unido. Lá, é possível tirar sarro de praticamente qualquer coisa, sem sofrer a menor represália por isto. 

É esta cultura que permite ao cantor WeirdAlYankovic gravar paródias de grandes sucessos com letras que, muitas vezes, traem o sentido original. É a mesma cultura que gerou programas como Saturday Night Live, onde a bola da vez é Donald Trump. O presidente dos EUA odeia ser imitado pelo ator Alec Baldwin e sempre vai ao Twitter reclamar. Mas não vai à Justiça. Eis a diferença. De norte a sul do Brasil, há milhares de processos em que políticos, artistas e até anônimos investem contra seus críticos, sejam eles humoristas ou jornalistas. 

Chegamos ao absurdo de Sílvio Santos autorizar a paródia que Ceará faz dele, como se ninguém mais pudesse imitar o dono do SBT (Marcelo Adnet, no programa no Ar, da Globo, ignora essa proibição esdrúxula). Deve doer muito, mas muito mesmo, ser alvo de piadas na TV. Mas calar à força essas piadas faz mal para toda a sociedade. Pensa nisso, Walcyr.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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