'Orgulho e Paixão' faz comédia a partir de Jane Austen
É uma mistura desavergonhada de tramas e personagens transplantados para o Brasil de cem anos atrás
A obra da escritora Jane Austen (1775-1817) é um manancial inesgotável para o cinema e a televisão produzidos em inglês. É raro o ano em que não é lançado um filme ou um programa baseado em algum livro seu.
Podem ser fiéis ao original, como o longa “Razão e Sensibilidade” (1995); adaptações para os dias de hoje, como “As Patricinhas de Beverly Hills” (que virou filme em 1995 e série de TV em 1996); ou até mesmo variantes bizarras como o “mash-up” “Orgulho, Preconceito e Zumbis” (2016).
Uma das razões é que a literatura de Austen se baseia nas relações humanas, que não mudaram tanto assim nos últimos 200 anos. A outra, é claro, é que seus romances caíram em domínio público faz tempo. Não é preciso pagar direitos autorais, nem se preocupar com as reclamações de nenhum herdeiro.
Por tudo isso, é até de se espantar que Jane Austen tenha demorado tanto para chegar às novelas brasileiras. Mas finalmente chegou, e em grande estilo: “Orgulho e Paixão”, a novela da faixa das 18h que estreou na Globo na última terça (20), é uma mistura desavergonhada de tramas e personagens de Austen, transplantados para o Brasil de cem anos atrás.
Escrita por uma equipe comandada por Marcos Bernstein, “Orgulho e Paixão” não se mantém fiel sequer ao período histórico em que se passa sua história. O fictício Vale do Café é uma versão romantizada da região cafeeira do Vale do Paraíba, entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Nomes como Jane, Elisabeta e Darcy remetem aos livros de Austen, mas eram raríssimos por aqui no começo do século 20.
Além do mais, títulos como “Orgulho e Preconceito” ou “Emma”, que servem de base à novela, têm momentos de leveza e ironia, mas não são exatamente de humor. Já “Orgulho e Paixão”, pelo menos em seus primeiros capítulos, optou pela comédia rasgada, beirando o pastelão.
O resultado é divertido de se ver, e muito bem-vindo depois da dramática “Tempo de Amar”. Dá até para descontar que o casal de protagonistas Nathália Dill (que tem 32 anos na vida real) e Thiago Lacerda (que tem 40) são bem crescidos para interpretar jovens que ainda não conhecem o amor.
Nathália, em especial, tem revelado uma pronunciada veia cômica, além da capacidade de dizer com naturalidade os diálogos mais rebuscados. Ela faz a espevitada Elisabeta, a mais velha das cinco irmãs Benedito, e a única que não tem pressa de encontrar marido.
Mais engraçada ainda é a dupla formada por Alessandra Negrini (como Susana, sua enésima vilã consecutiva) e Grace Giannoukas (como a criada Petúlia), digna de um desenho animado.
Há também um congestionamento de mocinhas e galãs, que podem gerar subtramas a perder de vista. E ainda veteranos como Vera Holtz e Ary Fontoura, em caracterizações esmeradas.
“Orgulho e Paixão” não se propõe a discutir as mazelas da época, nem refletir as atuais. É entretenimento em estado puro, sofisticado e despretensioso ao mesmo tempo.
E, se interessar a algum espectador os livros de Jane Austen, terá ultrapassado seus objetivos.
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