Tony Goes

Cancelar Netflix por causa de 'O Mecanismo' beira a fanatismo religioso

Série foi criada por José Padilha com roteiro de Elena Soarez

 

Selton Mello e Carol Abras na pré-estreia de "O Mecanismo"
Selton Mello e Carol Abras na pré-estreia de "O Mecanismo" - Gabriel Cabral-21.mar.2018/Folhapress

 

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Segunda série de ficção produzida pela Netflix no Brasil, "O Mecanismo", está com sua primeira temporada disponível na plataforma desde sexta (23).
 
Trata-se de uma ficção baseada na Operação Lava Jato, como não cansa de explicar seu criador, o diretor José Padilha ("Tropa de Elite"). Inclusive antes de cada episódio há um aviso esclarecendo que "personagens e situações foram alterados para efeito dramático".
 
Mesmo assim, apesar de uma boa dose de invenção --o protagonista Marco Ruffo (Selton Mello), por exemplo, nunca existiu, nem é baseado em uma pessoa de carne e osso --não é difícil identificar a maioria das figuras a quem o roteiro se refere.


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Lula virou "Higino", Dilma virou "Janete", Alberto Youssef virou "Roberto Ibrahim". Soam até exageradas as mudanças de Petrobras para "Petrobrasil" e de Polícia Federal para "Polícia Federativa". Só a Lava Jato continua com o mesmo nome.

 

Padilha também está cansando de repetir que "O Mecanismo" não é sobre um único partido, mas, como o próprio título indica, sobre o mecanismo de corrupção que percorre toda a sociedade brasileira (e não só a política). Quem assistir a primeira temporada até o final vai se fartar de ouvir isso.
 
Mas bastou o ex-presidente "Higino" aparecer como, no mínimo, conivente com o mecanismo, para a esquerda da internet se ouriçar toda.
 
O crítico Pablo Villaça, do site da revista Carta Capital (sempre alinhada com o PT), declarou no Twitter que não só que cancelou sua assinatura da Netflix, como também baniu todas as produções do serviço em sua coluna "Cinema em Streaming".
 
Villaça tem, é claro, todo o direito de cancelar o que quiser. Eu mesmo já me livrei de assinaturas por motivos muito mais banais. Mas é curioso que um crítico profissional escolha ignorar o gigante do streaming em suas resenhas. É como escrever sobre a televisão brasileira e fingir que a Globo não existe.
 
Como ele, vários outros internautas foram às redes sociais pregar contra a Netflix, insuflados pelos sites de esquerda. Provavelmente, dará tão certo quanto o boicote ao filme "Polícia Federal - A Lei É para Todos", a maior bilheteria do cinema nacional em 2017.
 
É preciso ser muito fanático por Lula para achar que "O Mecanismo" é um crime de lesa-majestade. A série, inclusive, pega até mais pesado com "Lúcio Lemes" (ou do peessedebista Aécio Neves), chamando-o de bandido com todas as letras.

 

"O Mecanismo" não é perfeito. Há um excesso de locuções em off, e de vez em quando Selton Mello descamba para aquele estilo Selton-genérico, de fala tão mansa que chega a ser ininteligível.
 
Além do mais, colocar a expressão "estancar essa sangria" na boca de "Higino" gerou um ruído desnecessário (na vida real, ela foi eternizada pelo senador Romero Jucá, MDB-RR), propício às acusações de "fake news". Ou "fake fiction", a formidável contribuição do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad para o nosso vocabulário.
 
Mas achar que a Netflix esteja atentando contra o Brasil ao produzir essa série é paranoia sem fundamento. A plataforma disponibiliza programas para todos os gostos e tendências: há inúmeros filmes de pregação evangélica, além de séries moderninhas como "Dear White People".
 
Ficar sem Netflix, hoje em dia, é se afastar um pouco do que milhões de pessoas no mundo inteiro estão assistindo e comentando. Mas não será a primeira vez (e nem a última) em que setores de esquerda preferem se desconectar da realidade.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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