Tony Goes

Tiago Leifert está enganado: evento esportivo é, sim, lugar de política

Apresentador disse que entretenimento seria um momento sagrado, de desligamento da realidade

Tiago Leifert mostra detalhe da casa do 'BBB 18'
Tiago Leifert mostra detalhe da casa do 'BBB 18' - Divulgação/Globo
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Na manhã desta segunda-feira (26), Tiago Leifert publicou, em sua coluna no site da revista "GQ", um texto com o título de "Evento esportivo não é lugar de manifestação política".

O apresentador do "BBB 18" —e que, antes de se bandear para a área de entretenimento, acumulou anos de experiência como jornalista esportivo— defendeu, de maneira clara e sucinta, que, a seu entender, política e esporte não se misturam.

"Não acho justo [o atleta]hackear esse momento, pelo qual está sendo pago, para levar adiante causas pessoais. É para isso que existe a rede social: ali, o jogador faz o que quiser", escreveu Leifert. "No campo? Ele está para entreter e representar até mesmo os torcedores que votam e pensam diferente."

Leifert prossegue, alegando que o entretenimento seria um momento sagrado, de "desligamento da realidade". "Precisamos imunizar o pouco espaço que ainda temos de diversão", conclui ele. Que lindo, não é mesmo? Pena que, na prática, ninguém imunize este "pouco espaço".

Se o lazer fosse mesmo sagrado, os estádios de futebol não exibiriam anúncios nas laterais do campo. Tampouco os jogadores ostentariam os logos dos patrocinadores em suas camisetas. Menos ainda, os locutores intermeariam a transmissão da partida com chamadas para programas da própria emissora: "logo mais, depois de 'O Outro Lado do Paraíso'".

Tudo isso interfere com o "desligamento da realidade", não? E a mesma coisa acontece nas novelas, quando um personagem vai a um banco abrir conta, ou até nas mais bem-intencionadas ações de merchandising social.

A propaganda raramente se faz de rogada. Invade todos os espaços, e o interesse comercial do veículo sempre fala mais alto que o desfrute do espectador.

Por que a política não faria o mesmo? Por que suas manifestações partem dos indivíduos, e não das corporações que produzem ou exibem o evento?

Claro que há limites para tudo. A maioria das empresas impõe regras bastante razoáveis para as manifestações pessoais de seus funcionários (inclusive a Folha, que dedica muitas páginas ao assunto no novo Manual da Redação).

Só que, nas sociedades abertas, qualquer lugar é lugar para falar de política. Nem mesmo as missas ou os cultos religiosos escapam. Aliás, a política nunca se fez ausente das igrejas e templos.

Costumamos ser contrários às manifestações que se opõem às nossas próprias opiniões. Mas uma democracia só é verdadeira se permitir que elas se expressem a qualquer hora, em qualquer lugar, sem medo de represálias.

Jogadores aproveitam as câmeras para mandar mensagens religiosas ou de amor à família. Por que não usariam essa oportunidade para "lacrar" (termo usado por Tiago) politicamente? No mais, algum jogo já melou por causa de uma manifestação política? O placar foi alterado? Pensa bem, Tiago.

Prefiro uma democracia imperfeita, que permita manifestações até mesmo desagradáveis, do que um regime que controle o horário e a pertinência delas. Por isto, esporte e política se misturam. Gostemos ou não.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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