Inovação de 'A Força do Querer' é a ausência de trama principal
O showbiz americano inventou uma ferramenta que inferniza os roteiristas, mas facilita a vida dos produtores: o "logline", ou o resumo de uma obra em apenas uma frase.
Quase todos os filmes e séries de sucesso podem ser sintetizados em "loglines". Tanto que nem é preciso citar os títulos para que os exemplos a seguir sejam reconhecidos: "Moça rica e rapaz pobre se apaixonam a bordo de um navio que afunda"; "Professor de química falido fabrica e vende drogas para sustentar a família"; e assim por diante.
As novelas brasileiras também cabem em 'loglines", apesar de contarem com uma infinidade de histórias paralelas. Veja como é fácil identificá-las: "Menina abandonada no lixão pela madrasta procura vingança depois de adulta"; "Mãe honesta e trabalhadora é prejudica pelas armações da filha mau-caráter"; e por aí vai.
"A Força do Querer", atual ocupante da faixa das 21h na Globo, quebra essa regra. O folhetim de Glória Perez está longe de ser uma revolução no gênero, mas conseguiu se tornar um sucesso de público e crítica seguindo uma estratégia arriscada: não tem uma trama central.
Ou melhor, tem várias. Umas quatro ou cinco, sem que o espectador consiga dizer qual delas é a mais importante. No momento é a de Bibi (Juliana Paes), que se torna traficante por amor a Rubinho (Emílio Dantas). Mas já foi a de Ritinha (Ísis Valverde), dividida entre Zeca (Marco Pigossi) e Ruy (Fiuk). E em breve pode ser a de Ivana (Carol Duarte), que acabou de se descobrir transexual.
A própria autora avisou, antes da estreia, que "A Força do Querer" teria diversos protagonistas simultâneos. Eles se alternariam em primeiro plano, deixando os demais com menor destaque. Tanto que, nos créditos de abertura, os nomes de cinco atrizes aparecem ao mesmo tempo.
Parecia que ia dar errado. Eu mesmo, ao assistir ao primeiro capítulo, tive a sensação de estar vendo uma novela desconjuntada, com núcleos de personagens sem muita relação entre si.
Mas "A Força do Querer" logo superou esta impressão. E ainda alcançou uma façanha notável: não tem "barriga", aquele período de encheção de linguiça comum a quase todas as novelas. Todo dia acontece alguma coisa.
Palmas para Glória Perez, que se livrou de alguns defeitos que vinham prejudicando seus trabalhos. Ela, que sempre defendeu o direito de "voar", está mais comedida, sem os exageros que marcaram "Salve Jorge" (2012). Também maneirou no número de personagens. Ainda há alguns que correm o risco de ficar inúteis, mas sem os excessos do passado.
Elenco e direção também ajudam, claro. Juliana Paes e Paolla de Oliveira (Jeiza) estão tendo os melhores desempenhos de suas carreiras. E é uma delícia ver veteranas como Elizângela, Betty Faria ou Fafá de Belém brilhando em papéis coadjuvantes.
Ainda é cedo para dizer se "A Força do Querer" vai se tornar um clássico. Mas a novela não só recuperou os bons índices de audiência do horário, como inovou com sua estrutura multifacetada. Não é pouco.
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