Por causa da radicalização política, agora vamos boicotar artistas?
Até quando vamos ter a desculpa de sermos uma democracia “jovem”? A primeira eleição presidencial depois do regime militar foi em 1989, lá se vão quase 30 anos. Já existem algumas gerações de brasileiros que cresceram em plena vigência do estado de direito. E, no entanto, ainda não aprendemos a nos comportar de maneira democrática.
Entre outras coisas, não aceitamos que artistas possam ter opiniões políticas diferentes das nossas. Ainda nos chocamos quando algum ator de TV se manifesta nas redes sociais, ou apoia abertamente um candidato ou uma causa. Cobramos deles uma imparcialidade simplesmente impossível.
Se estão a favor do governo, achamos que é porque dependem das verbas estatais. Se estão contra, é porque a emissora onde trabalham exige que assim estejam. Vemos conspirações onde elas não existem, especialmente entre aqueles que discordam de nós.
Alguns mais exaltados propõem até o boicote a certos nomes, com a ligeireza com que bloqueamos um desafeto no Facebook. Claro que, quando se trata de gastar dinheiro e atenção com entretenimento, cada um de nós tem todo o direito de decidir com quem fazê-lo.
Mas as generalizações cheiram a caça às bruxas. Resvalam no macarthismo, o movimento que perseguiu comunistas, reais ou imaginários, no showbiz americano dos anos 1950. Não são só carreiras que podem ser prejudicadas: a cultura sofre como um todo, ficando mais pobre e mais burra.
Circula pela internet uma lista de supostos “petralhas cúmplices dos golpistas”, elencada pelo jornalista Rodrigo Constantino. O que começou como uma “boutade” já tem quase 800 nomes, e não para de crescer. Muitos desses nomes não são conhecidos do grande público: quem quiser realmente levar o boicote a sério, vai ter que ler com extremada atenção as fichas técnicas dos espetáculos e as orelhas de livros.
Também não vai mais poder ver novela nenhuma, inclusive as da Globo, já que inúmeros autores e atores foram listados. Na música, devem sobrar alguns sertanejos e olhe lá (até porque vários deles já fizeram showmícios para muitos partidos).
A lista é imensa, mas muita gente está reclamando que ficou de fora. Virou piada, e até questão de honra: dezenas de artistas estão em plena campanha nas redes sociais para serem incluídos na lista de Constantino.
Esta é a atitude correta. Há que se levar no bom humor, para não inflamar os ânimos ainda mais. Fora que é um despautério chamar de “cúmplice” e coisas ainda piores quem acredita em ideias diferentes. Como quase todo boicote, esse também tem tudo para não pegar.
Dito isto, talvez nossa adolescência política não passe jamais. Basta olhar para o que acontece agora nos Estados Unidos, onde a democracia funciona há 240 anos ininterruptos. O eleitorado de lá também está dividido, e se xingando mutuamente. Faz parte?
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