"Zorra Total" e "Intocáveis" mostram negros estereotipados?
Driss é alto, forte, bonitão. É boa praça e bem-humorado. Acha um absurdo que um quadro composto por borrões (no entender dele) custe milhares de euros. Sim, chegou a ser preso por pequenos delitos, mas demonstra responsabilidade em seu emprego de cuidador. E dança o funk como nenhum branco é capaz.
Adelaide é horrenda. Desdentada, cheia de fivelas no cabelo, andrajosa - "a cara da riqueza". Achaca os passageiros do metrô atrás de 50 "centarro" para comprar "reite" para sua filha "Cráudia". Tem sempre uma tragédia para contar, provavelmente falsa. Apesar do português errado, exibe senso de ironia.
O que eles têm em comum? Um vive na França, a outra no Brasil. Um tem fama de bacana, a outra espanta quem estiver por perto. Ambos são negros. E ambos são acusados de perpetuar estereótipos raciais.
Driss é o protagonista de "Intocáveis", um dos maiores fenômenos de bilheteria da história do cinema francês. O filme estreou no Brasil semana passada e já está repetindo por aqui o sucesso estrondoso que alcançou em outros países.
Menos nos Estados Unidos. Lá, "Intocáveis" foi acusado de abusar do clichê do "magic negro": o crioulo abobalhado que devolve ao branco amargurado a alegria de viver, apesar do primeiro ter sido oprimido a vida inteira pela sociedade dominada pelo segundo.
"Intocáveis" é baseado na história real de um milionário paraplégico que desenvolveu uma amizade profunda com seu enfermeiro argelino. O fato do árabe ter se transformado num senegalês no cinema foi apontado pelos críticos americanos como prova de um certo racismo. Afinal, negros irreverentes "rendem" mais na telona. São sensuais, desbocados e dançam o funk como ninguém.
Essa visão é contestada na França, onde o filme foi recebido como uma ponte entre setores da população que sempre se estranharam. Chegou-se a dizer que era uma metáfora para a situação econômica do país: os brancos paralisados, dependendo cada vez mais dos braços e pernas dos imigrantes.
Enquanto isto, no Brasil, diversas ONGs e espectadores denunciam o racismo implícito na caracterização de Adelaide, atual estrela do "Zorra Total". É o novo personagem de Rodrigo Sant'anna, também criador da transsexual Valéria --que igualmente foi alvo de reclamações.
Muito já foi dito sobre o efeito nefasto do politicamente correto sobre o humor brasileiro. Estaríamos nos policiando demais e deixando de rir do que sempre rimos: dos negros, dos pobres, das bichas, dos excluídos em geral.
Se Adelaide fosse branca, estaria incomodando tanto? Continuaria maltrapilha, asquerosa, ferina e --para o meu gosto-- medianamente engraçada. Será que o fato de ser negra sinaliza, de maneira perversa, que todos os negros são assim?
O fato é que tanto Adelaide quanto Driss reforçam, sim, alguns estereótipos que os brancos têm em relação aos negros (ainda que no caso do francês este estereótipo penda para o positivo).
Acontece que o humor depende dos estereótipos para ser rapidamente compreendido. Rimos mais fácil do que já conhecemos. Mas temos que rir. Repito o que já disse outras vezes neste espaço: o humor pode tudo, menos não ser engraçado. Mas cada vez menos gente concorda comigo.
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