Aviso
Este conteúdo é para maiores de 18 anos. Se tem menos de 18 anos, é inapropriado para você. Clique aqui para continuar.

Thiago Stivaletti
Descrição de chapéu Filmes Oscar 2025

O blackface de Fernanda Torres e a guerra sangrenta do Oscar

Criado para consagrar talentos, prêmio agora serve mais para derrubar reputações

Fernanda Torres em cena de 'Ainda Estou Aqui' - Divulgação/Sony Pictures
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Em menos de uma semana, Fernanda Torres viveu o céu e o inferno do Oscar. Tornou-se a segunda atriz brasileira a ser indicada em sua categoria, mas poucos dias depois começou a ser apedrejada. O motivo: alguém (sempre anônimo na internet) resgatou um esquete de comédia do Fantástico em 2008 em que ela fazia blackface.

É difícil dialogar com a histeria das redes. A impressão é a de que o fato em si basta: Fernanda fez blackface, e isso é altamente condenável. Não importa se foi ontem ou há 17 anos. E condenar Fernanda significa o quê? Ela não merece mais o Oscar por uma breve cena que fez há tanto tempo? É estranho, mas há menos de duas décadas ainda não tínhamos um amplo debate sobre racismo e representação racial na nossa cultura –aqui, nos Estados Unidos ou em qualquer outro lugar.

Da condenação, vamos à paranoia. Segundo uma das threads (correntes de posts sobre o mesmo assunto), o vídeo escandaloso de Fernanda teria sido postado por uma fã de Selena Gomez. Ela estaria decepcionada com a não indicação da diva pop e os ataques crescentes ao seu filme, "Emilia Perez", recordista com 13 indicações. As críticas ao filme vão da má representação do México como quintal do tráfico ao mau retrato de uma personagem trans como dúbia, imoral e violenta.

FOGO CRUZADO

Aí vem o exército brasileiro de "Ainda Estou Aqui" e, como contra-ataque, lembra que Zoe Saldaña, indicada a coadjuvante por "Emilia", também fez blackface em "Nina" para viver a diva do jazz Nina Simone –isso em 2016, oito anos depois da brasileira. E criticam Fernanda por ter "caído na armadilha" de defender sua rival no Oscar, Karla Sofía Gascón, pedindo a seus fãs que não a ataquem nas redes.

E eis que, de repente, um prêmio que foi criado para promover filmes e deixar muita gente feliz com suas indicações se torna uma batalha sangrenta entre fãs de diferentes nacionalidades partindo pro pau nas redes. A polarização tomou mesmo conta de tudo.

Fernanda correu para se desculpar publicamente pelo blackface ressurgido do passado no site Deadline, um dos mais lidos em Hollywood. Mas a verdade é que episódios como esse se criam em cima de uma grande falácia: a de que atores e atrizes têm total liberdade de escolha em seus trabalhos e projetos durante toda a carreira. Em outras palavras, só fazem o que querem.

Esse mito é alimentado pela primeira pergunta mais comum das entrevistas: "O que te levou a escolher esse filme ou personagem?". Às vezes, a resposta é simplesmente "porque preciso trabalhar" ou "porque estou sob contrato da Globo", como nós, os reles mortais.

E ainda tem as acusações a "Emilia Perez" e outro indicado, "O Brutalista", pelo uso de inteligência artificial nas vozes –o primeiro por mudar a voz da protagonista trans, o segundo para aprimorar o sotaque húngaro de atores americanos. A "Conclave", a acusação é de ofender seriamente os princípios da Igreja Católica.

Se depender da internet, não sobra pedra sobre pedra até o dia 2 de março, quando os Oscars serão entregues. Todo mundo é pecador, e ninguém merece levar o prêmio pra casa.

Thiago Stivaletti

Thiago Stivaletti é jornalista e crítico de cinema, TV e streaming. Foi repórter na Folha de S.Paulo e colunista do UOL. Como roteirista, escreveu para o Vídeo Show (Globo) e o TVZ (Multishow).

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem