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Thiago Stivaletti

Autor de 'Beleza Fatal' se inspira na própria mãe para criar vilã interpretada por Camila Pitanga

Criador de 'Bom Dia, Verônica', Raphael Montes estreia no Max sua primeira novela, um olhar ácido sobre a obsessão do brasileiro por cirurgias estéticas

Uma mulher com cabelo cacheado e solto, vestindo um blazer branco e uma blusa de renda, está em uma escada com os braços abertos, sorrindo. Ao fundo, há um ambiente decorado com um tapete e uma mesa redonda. O piso é de mármore e há uma planta em cima da mesa.
Camila Pitanga no papel da vilã Lola, de 'Beleza Fatal' - Fabio Braga/Pivô Audiovisual
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Quem conhece Raphael Montes dos livros policiais ou da série "Bom Dia, Verônica", da Netflix, não imagina que ali bate um antigo coração de noveleiro. Seu gosto por suspense foi aguçado ainda criança por personagens de novela como o Cadeirudo, figura misteriosa que atacava as mulheres em "A Indomada" (1997); Bia Falcão, a vilã que desaparecia num acidente em "Belíssima" (2005); e mais tarde Flora, a vilã duas caras de "A Favorita" (2008).

Ele estreia agora como autor de novelas em "Beleza Fatal", que estreia no próximo dia 27 no streaming da Max. A história é uma ácida crítica à obsessão dos brasileiros por cirurgias estéticas, botox, preenchimentos e afins, retratando os profissionais de formação duvidosa cujos erros podem gerar vítimas que vão parar na mídia quase toda semana.

É a história da vingança de Sofia (Camila Queiroz), que ainda criança viu sua tia, a ambiciosa Lola (Camila Pitanga) fazer sua mãe (Vanessa Giácomo) pagar por um crime que não cometeu. Ela cresce na casa da batalhadora Elvira (Giovanna Antonelli), mulher que também tem contas a acertar com os patrões de Lola, os cirurgiões mau-caráter Doutor Rog (Marcelo Serrado), conhecido como "Doutor Peitão", e Benjamin Argento (Caio Blat), herdeiro de uma tradicional clínica de estética.

Para criar Lola, uma vilã ambiciosa e desbocada, Raphael conta que se inspirou em celebridades sem filtro, que dizem o que vem à cabeça sem pensar muito nas consequências, como Susana Vieira.

Outra inspiração para Lola veio de dentro de casa: sua própria mãe, uma advogada que sempre teve a ambição de subir na vida e fala o que pensa —ele ouviu dentro de casa alguns bordões que jogou na boca de Lola.

Com os 40 capítulos de "Beleza Fatal" já escritos e gravados, Raphael toca os futuros projetos. Um de seus livros, "Dias Perfeitos", estreia como série no Globoplay até o final do ano. É a história de um estudante de medicina que sequestra uma garota, aspirante a roteirista, por quem está apaixonado. Ele ainda prepara uma nova série e um novo livro, sem data de lançamento.

Por que, entre tantos temas, falar do universo da beleza e das cirurgias estéticas? Eu tive a ideia de "Beleza Fatal" há uns três anos. Desde então, fico impressionado como tem acontecido cada vez mais os casos de procedimentos estéticos que dão errado. Quase toda semana tem alguém que fez uma lipo, preenchimento de bumbum ou de peito e morre na mesa de cirurgia.

Sou pouco ligado a questões estéticas, mal passo creme na cara. Um dia, cheguei em casa e meu marido estava com uma máscara de LED no rosto, com aquelas luzes acesas. Aquilo me impressionou. Poucos dias depois, passei numa galeria de lojas aqui no Rio e vi uma placa que dizia "Faça o seu botox em 10 dias".

O Brasil é conhecido mundialmente pela cirurgia plástica e tem vários médicos prestigiados, desde a época do Ivo Pitanguy. E ao mesmo tempo tem um crescimento de biomédicos, enfermeiros, esteticistas, alguns fazendo cursos de final de semana e já começando a mexer na cara dos outros.

Quando fui pesquisar, descobri que existe uma guerra entre os cirurgiões plásticos tradicionais e esses profissionais que não são médicos e também operam. Na novela, temos esses dois mundos: a clínica do Átila Argento (Herson Capri), um grande cirurgião, como o Ivo Pitanguy, que nem tem rede social; e a Lolaland, uma clínica rosa e cafona que parcela o botox em dez vezes.

Dentro desse universo, como surgiram suas protagonistas, Sofia, Elvira e Lola? Eu amo novela, sou um noveleiro raiz. Queria fazer uma história de vingança clássica. Mas numa novela grande, a mocinha passa a novela inteira falando: "Eu vou me vingar!" e nunca se vinga.

Para mim, o interessante é justamente o que acontece depois da vingança. Em "Beleza Fatal", a vingança acontece logo. O que me interessa são as consequências.

A Sofia se vinga rápido da Lola então? Sim. É só esperar o capítulo 10.

Que tipo de vilã é a Lola (Camila Pitanga)? A Lola foi sem dúvida a personagem que eu mais gostei de escrever. É horrível dizer isso, mas ela é muito inspirada na minha própria mãe (risos), uma mulher de origem humilde que sempre foi muito ambiciosa, sempre teve essa garra muito brasileira de querer crescer na vida.

Claro que, ao contrário da minha mãe, a Lola passa por cima de um monte de gente. É uma ambição desmedida. A Lola não se contenta com a vidinha que leva, quer ser a rainha da beleza, ter a sua própria clínica.

Eu não gosto de vilão que é apenas louco, que não tem razão de ser. O vilão nada mais é do que alguém que quer muito alguma coisa, assim como o herói, só que ele está disposto a ir mais longe. A Lola é inteligente, bonita e sabe que pode chegar lá.

E assim como a minha mãe, a Lola é tão apaixonante que não pensa antes de dizer as coisas. E quando fala uma besteira, algo que possa levar ao cancelamento, não tem problema, ela se vira, ela tem seu charme. A gente tem essas figuras públicas. A Lola tem um quê de Susana Vieira.

Até alguns bordões da Lola vêm da minha mãe, como "Se eu não fosse eu, eu teria inveja de mim". Olha que frase! É uma autoestima absoluta.

A trama da mocinha que se infiltra com outra identidade na casa da vilã para se vingar lembra muito a de "Avenida Brasil". É uma influência declarada? Sim. "Beleza Fatal" é uma história de vingança. Amei "Avenida Brasil", adoro o João Emanuel Carneiro [Raphael fez parte da equipe de João na novela "A Regra do Jogo", de 2015]. Mas perceba: quando "Avenida Brasil" saiu, falaram que era igual à série "Revenge".

E a origem de tudo é o "O Conde de Monte Cristo" [clássico do francês Alexandre Dumas escrito em 1844] –que é basicamente uma história de injustiça, e essa pessoa injustiçada decide que vai se vingar. Simples assim.

Mas a minha história é tão diferente que, quando você assiste a "Beleza Fatal", você nem pensa nisso, honestamente. Há até outras referências mais fortes: "Parasita", "Succession". Tem um quê de thriller erótico dos anos 90, uma atmosfera de filmes do Brian De Palma –até pelo título, que lembra "Instinto Selvagem". É um kitsch proposital, não é sem querer. O próprio doutor Rog (Marcelo Serrado) é propositalmente cafona, muito calcado na figura do Doutor Hollywood.

Você diria que tem uma diferença entre escrever para a TV aberta e para o streaming? Para escrever "Beleza Fatal", eu tive uma liberdade absoluta que nunca mais vou ter. Não só por ser no streaming, mas por ser a primeira novela do Max —e por ser a primeira novela, não havia regras.

O Silvio de Abreu, meu supervisor, me dizia o que eu não podia fazer. E nesse sentido eu fui querendo desafiá-lo. Um dia, ele me disse que deixou eu fazer coisas que na Globo ele não deixaria passar.

Um exemplo: o casal da vilã é um casal aberto, e eles vivem isso normalmente. Não é um drama, não tem cena de ciúmes, cena de briga, nada disso. Cada um encontra outras pessoas, volta para casa e dorme com o outro.

Que dicas o Silvio de Abreu deu para a sua primeira novela? O Silvio me fez entender que o espectador tem que saber para que par romântico deve torcer. Não dá para botar a mocinha com um primeiro namorado, fazer ela terminar e esperar que o público torça pelo segundo que vem depois.

Eu fiz uma Bíblia com os personagens e eventos da novela, armando o tabuleiro da trama. Para mim, tudo o que eu tinha planejado renderia os primeiros 30 capítulos. Só que, quando comecei a escrever pra valer, o meu planejamento se esgotou já no capítulo 15! (risos).

Fiquei com medo, não sabia o que fazer. O Silvio me perguntou: "você gosta dos seus personagens? Eles são tão divertidos que você pode fazer mais cem capítulos com eles. Não faz diferença". Ele tinha razão.

No fim, o resultado é que a história vai melhorando a cada bloco [de 5 capítulos]. E quando chega na parte que não estava na minha Bíblia, fica melhor ainda.

Você concorda com uma frase muito dita hoje em dia, de que não se fazem mais novelas como antigamente? Concordo (risos). Na verdade tem um lado bom nisso. Hoje nós, autores, temos mais responsabilidade sobre aquilo que escrevemos. O tempo de consumo das pessoas mudou; a paciência do espectador para esperar o ritmo de uma novela antiga não é o mesmo.

Mas ao mesmo tempo, sinto que as novelas estão didáticas ou moralistas, o que não combina com o drama. Não é papel da novela dar lição de moral ou ser politicamente correta. O papel é provocar reflexões; mostrar, através da dramaturgia, como é comum existir uma mulher trans, um casal gay. A novela pode mudar a cabeça das pessoas, mas não apontando o dedo ou lacrando. Isso não é só tendência da novela hoje —é do cinema, da literatura, de todo lugar.

A Lola é uma personagem que brinca com isso. Na segunda fase da novela, ela vira uma influenciadora digital. Nas redes, ela é politicamente correta, ama os animais, os gays... Mas quando ela desliga a câmera, é homofóbica, racista, errada. A novela é sobre esse mundo de aparências, não só do botox, mas de como você mostra nas redes sociais e como você realmente é.

Então "Beleza Fatal" não é uma novela moralista? Deus me livre e guarde! (risos)

Você tem vontade de escrever uma novela do tamanho padrão da TV aberta, com mais de 150 capítulos? Ou isso dá um certo medo? Não me dá medo não. Sempre gostei de novela. Quando trabalhei na Globo, eu já dizia que queria ser autor de novelas, elas foram minha influência muito antes da literatura. A novela da TV tem a delícia de ser uma obra aberta, em que você pode mexer na história de acordo com a sensação do público.

Por ser uma novela fechada [toda gravada antes de ser lançada], "Beleza Fatal" teve outras vantagens. Os atores e as atrizes podiam saber a curva dos personagens, como eles chegariam no capítulo 40. Assim, no primeiro capítulo, eu já consegui colocar pistas de onde a história vai terminar.

"Beleza Fatal": Estreia na próxima segunda (27) no Max
Cinco novos capítulos por semana

Thiago Stivaletti

Thiago Stivaletti é jornalista e crítico de cinema, TV e streaming. Foi repórter na Folha de S.Paulo e colunista do UOL. Como roteirista, escreveu para o Vídeo Show (Globo) e o TVZ (Multishow).

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