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Thiago Stivaletti

Acompanhar a cobertura das eleições americanas requer uma caixa de ansiolítico

Canais abertos e pagos falaram o dia inteiro do pleito, mas só Deus sabia quando finalmente sairia o resultado

William Bonner na cobertura das eleições americanas
William Bonner na cobertura das eleições americanas - Reprodução/Globo
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Desde a manhã desta terça (5), os canais pagos de jornalismo concentraram sua cobertura nas eleições americanas. Foi preciso tomar uma boa dose de ansiolítico para "aguardar" o início dos fechamentos das urnas e um resultado que não viria ao longo do dia inteiro. Mais fácil esperar Godot, o personagem da peça de Samuel Beckett que nunca chega.

A primeira curiosidade (ou bizarrice) alardeada em vários canais foi a primeira urna apurada em Dixville Notch, New Hampshire, com apenas seis votos: três para Trump e três para Kamala. Uma urna que não quer dizer absolutamente nada sobre o resultado do pleito, mas que ajudou a turbinar a ansiedade geral.

Na Globonews, no final da tarde, dois mapas trouxeram uma comparação bizarra: o estado da Pensilvânia é como Minas Gerais, ou seja, costuma definir eleições; e a Califórnia é como São Paulo, com o maior número de delegados.

Com uma diferença fundamental: no Brasil ficamos sabendo do resultado poucas horas depois do final da votação, enquanto lá... Tem eleitor que precisa votar num papel e depois escaneá-lo. No final da tarde, a CNN relatou que um scanner deu pau na Pensilvânia (justo um dos estados-pêndulo) e já causou polêmica. "Depois dizem que o nosso sistema é que é enrolado", ironizou o apresentador do Jornal da Band, Eduardo Oinegue, no início da noite.

A CNN optou por uma cobertura de repórteres brasileiros nos EUA um pouco atrapalhada, como a da repórter em Orlando informando que lá houve longas filas para votar, mas entrando ao vivo depois que não havia mais fila nenhuma. No meio-tempo, entravam imagens da CNN americana em tradução simultânea, com pesquisas de boca de urna e entrevistas com cidadãos comuns saindo de seus colégios eleitorais. Um dos entrevistados contou ter votado em Trump pela primeira vez, porque passou as últimas três eleições sem votar, e na última que o fez foi... em Obama. Pois é, as contradições ambulantes não são um privilégio do Brasil.

Quando as coisas já iam do nada a lugar nenhum, às 19h40 a Record News soltou uma previsão de que o resultado final das eleições pode sair apenas... no domingo (!). Haja coração.

A Globo tentou vender que as eleições nos EUA eram sua prioridade, mas, como ocorre cada vez mais, o Jornal Nacional entrou 40 minutos mais cedo por conta do jogo São Paulo x Bahia mais tarde, deixando mais fria a cobertura eleitoral do horário nobre.

Mas o JN fez bonito com a maior equipe do dia: além de William Bonner, mais três repórteres em Washington e correspondentes na Flórida, Geórgia e Pensilvânia. Escaldado pela barulheira da véspera, quando deu o que falar nas redes, Bonner preveniu os espectadores de que poderia haver barulho de música, pregação religiosa e do alto volume de uma colega italiana no puxadinho ao lado do seu. Mas tudo correu bem.

Se a ideia era fazer uma cobertura imparcial, o JN logo pendeu para os democratas, quando Felipe Santana, ao lado de Bonner, disse que "a chama do sonho americano está no imigrante". Em seguida, ele apresentou uma longa reportagem sobre um imigrante hondurenho que chegou nos EUA em 2021 fugindo da realidade do narcotráfico em seu país. Hoje, o rapaz vive em Chicago consertando telhados e aguarda seu visto de permanência. Para terminar, a reportagem informou que os imigrantes ilegais pagam cerca de US$ 100 bilhões ao ano em impostos ao governo americano, sem ter direitos em contrapartida. Kamala certamente teria curtido.

Com o tempo apertado, Renata Vasconcellos teve que dar conta de um dia atribulado em pequenos tuítes curtos: Netanyahu demite seu Ministro da Defesa; um brasileiro é eleito o novo secretário-geral da Interpol; Bruno Henrique, do Flamengo, é suspeito de manipulação de bets.

Para não deixar cair a peteca da ansiedade, um gráfico mostrava por volta das 20h40 o início das apurações, ainda restritas a três estados, dando 63% dos votos a Trump e 35% a Kamala. "Calma, é só o começo". Mas como não se apavorar?

Por fim, Bonner entregou a Renata Lo Prete, que prometeu ficar acordada até as 4h da manhã acompanhando as apurações. Ninguém mandou ela reclamar do Jogo da Discórdia do Big Brother, que atrasava o Jornal da Globo em horas e mais horas. A discórdia americana consegue ser ainda mais lenta.

Thiago Stivaletti

Thiago Stivaletti é jornalista e crítico de cinema, TV e streaming. Foi repórter na Folha de S.Paulo e colunista do UOL. Como roteirista, escreveu para o Vídeo Show (Globo) e o TVZ (Multishow).

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