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Rosana Hermann

Obrigada, Rebeca, pelas lágrimas verdes e amarelas

Ginasta trouxe de volta nosso hino, nossa bandeira e o orgulho de ser brasileiro

Mulher negra com roupa verde e bandeira verde e amarela sorri
Rebeca Andrade festeja medalha de ouro nas Olimpíadas de Paris - Reuters
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São Paulo

Os Jogos Olímpicos de Paris começaram no dia do meu aniversário. Por causa disso, eu sabia que não iria ver as festividades de abertura. E, considerando que meu presente foi uma viagem de duas semanas, todo o acompanhamento dos Jogos ficaria um tanto comprometido. Em outras palavras, eu iria torcer pelo Brasil, mas sem muita dedicação.

Até porque, como tantos outros brasileiros, eu estava sem muita animação para vestir as cores da bandeira, tão maltratadas nos últimos anos e que ficaram associadas a um dos dias mais deprimentes da história da nossa democracia, o 8 de janeiro de 2023. Ver milhares de golpistas de verde e amarelo tentando derrubar um governo legitimamente eleito pelo voto popular deixou cicatrizes profundas. E nossas cores perderam um pouco o brilho.

Assim, comecei minha viagem muito mais como aniversariante do que como torcedora.

Mas, sabe como é, Olimpíadas é algo mundial, envolve muitos países, muita gente, ocupa todo o espaço na mídia, não tem como ficar alheia. E comecei a torcer um pouquinho daqui, um pouquinho dali, a sentir aquela emoção bacana que o esporte traz e o coração começou a amarelar, no bom sentido. Vi alguns jogos de futebol feminino, torci pela nossa fadinha no skate, acompanhei o Medina e sua prancha voadora no surfe.

E, em pouco tempo, eu já estava trocando praia para ver ping-pong, mudando o horário do almoço e do jantar para dar uma espiadinha num arco e flecha e acompanhar os memes da Ana Sátila onipresente no caiaque. Quando me dei conta, eu já estava arrebatada e berrando de orgulho por causa da primeira medalha de ouro do Brasil conquistada pela Bia Souza no judô e me debulhando em lágrimas por dedicar sua vitória à sua falecida avó.

Não tem jeito, brasileiro é emotivo mesmo, pensei. Continuei minha viagem exatamente como planejei por quatro meses, depois de sonhar em conhecer a Croácia por 13 anos. E aí vieram as meninas da ginástica. E o fator Rebeca Andrade. Logo ela, a Rebeca, que é de Guarulhos, como eu. Sim, eu nasci numa maternidade da zona norte de São Paulo, mas passei quase toda a infância e adolescência em Guarulhos, onde minha mãe mora até hoje.

Comecei a torcer de verdade por Rebeca. Eu e meu marido adaptando os passeios aos horários das apresentações, comendo sanduíche e olhando a telinha do celular em cima da toalha. Ele dirigindo entre uma cidade e outra e a rádio do Brasil ao vivo pela internet.

O coração brasileiro foi batendo mais forte até que chegou a segunda-feira, 5 de agosto. Aqui na Croácia, é feriado nacional, em comemoração à vitória da Croácia na Operação Tempestade, durante a Guerra de Independência da Croácia. Logo pensamos que seria um bom sinal para a apresentação de Rebeca Andrade no solo, ainda mais depois de ela ter ficado fora do pódio (injustamente!) na trave.

Fiz as contas do horário, considerando o fuso de cinco horas, e Rebeca competiria com Simone Biles e todas as outras ginastas na hora do nosso almoço. Planejamos comer mais cedo, achar um lugar numa sombra e acompanhar pelo celular.

E assim fizemos. Comemos, fomos para a beira de uma praia de pedras (quase não tem praia de areia em Dubrovnik), estendemos a canga, apoiamos o celular na bolsinha e ligamos na Cazé TV. Meu marido viu que a bateria do meu telefone estava acabando, mas, né, eu levei o cabo e uma bateria extra.

Rebeca foi a primeira a se apresentar. Começamos a vibrar, gritar, feito dois malucos. As pessoas à nossa volta só viravam o pescoço para olhar. Não ligamos. Aplaudimos e nos abraçamos quando a nota saiu. 14.166. Rebeca foi super bem!

As competidoras foram se apresentando uma a uma. E a gente, de dedos cruzados, urrando, torcendo para que cada uma pisasse fora da linha. A essa altura, já éramos a atração do nosso cantinho embaixo dos pinheiros.

As notas foram saindo. Todas menores que a de Rebeca. De repente, o pódio já estava garantido. Bronze já era certo. A torcida continuava, o sol batendo na tela do celular, a gente com a cara em cima para fazer sombra e não perder nada. E veio o momento da prata garantida! A essa altura, o celular já estava na mão, nossas caras grudadas.

Até que... Rebeca Andrade é ouro! Ouro do Brasil!

Os arrepios tomaram conta da pele, os olhos começaram a marejar, a gente chorava de alegria, berrando em português. Ninguém entendia nada, mas nem precisava. A linguagem da torcida pelo país da gente é universal. Todo mundo sabe.

Mas foi quando a bandeira brasileira subiu e o hino nacional tocou que a ficha caiu. Voltou tudo. Voltou o verde das matas, da esperança, dos louros dessa flâmula. Veio o ouro da Rebeca e voltou o amor pelo amarelo das pessoas ensolaradas do nosso Brasil. Voltou o azul que faz ficar tudo bem, o branco da paz que a gente tanto quer. As lágrimas escorreram, a garganta fechou, a mão foi sozinha para o lado esquerdo do peito.

Rebeca trouxe mais do que seis medalhas, mais do que o ouro. Rebeca trouxe nosso hino, trouxe nossa bandeira, trouxe de volta o orgulho de ser brasileira. Rebeca, a menina que tem mais sete irmãos, filha de mãe solo. Rebeca, que ganhou no solo, fez a gente cantar, chorando lágrimas verdes e amarelas: "dos filhos deste SOLO és mãe gentil, Pátria amada, Brasil!"

Rosana Hermann

Rosana Hermann é jornalista, roteirista de TV desde 1983 e produtora de conteúdo.

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