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Rosana Hermann

Ostentação é 'trauma de pobre', como disse Adriane Galisteu

Discussão está servida no espeto e recoberta de ouro na grande churrascaria das redes sociais

Carne banhada a ouro foi consumida por jogadores da seleção brasileira
Carne banhada a ouro foi consumida por jogadores da seleção brasileira no Qatar - Reprodução/Saltbae
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A ostentação está em pauta, ou melhor, está servida no espeto e recoberta de ouro nessa grande churrascaria de notícias das redes sociais. Está também nas farofas nababescas que fretam jatos para que seus convidados cheguem até o reino das atenções, em busca de views, likes, críticas e comentários de quem ficou de fora.

E quem ficou de fora tem mesmo comentários a fazer, inclusive em forma de pergunta: mesmo que gastem o dinheiro que ganharam com seu trabalho, essa ostentação de alguns famosos tem cabimento, num Brasil com mais de trinta milhões de pessoas passando fome? Afinal, ostentar é cafonice sem noção ou desejo consumista que funciona como inspiração?

Ronaldo Fenômeno escolhe a segunda opção. Ele acha que comer bife com ouro a R$ 9.000 pode servir de inspiração para quem quer subir na vida. Gkay, conhecida por exibir suas aquisições de luxo, também alega que ninguém a ajudou quando ela distribuía folheto no sol e que, agora que tem dinheiro, ela o gasta como quiser. O capitalismo está aí para apoiá-la.

Mas uma celebridade parece ter meditado sobre o assunto e chegado a uma conclusão: Adriane Galisteu.

No ano passado, durante uma entrevista para o canal de Leda Nagle no YouTube, Galisteu admitiu que tinha uma vida "bem de estrela, de artista". E emendou: "Eu tinha um monte de gente atrás de mim. Gastava um dinheiro louco. Saía dinheiro pela janela, saía dinheiro pelo ralo, ia saindo dinheiro e eu não contava dinheiro. E a coisa ia indo".

Verdade. Trabalhei algumas vezes com Adriane, e ela andava com uma verdadeira entourage e bancava todo mundo. Uma vez fui jantar com ela e, quando cheguei, tinha umas vinte pessoas numa refeição normal, do dia a dia. O mesmo acontecia em viagens, como ela revelou.

"Eu viajava assim: ‘Tenho três dias. Mãe, vamos para Londres?’. E levava mais quatro comigo, e ia todo mundo de primeira classe… Eu fazia essas coisas. Eu ia jantar em Paris e voltava."

Hoje casada com Alexandre Iódice, Galisteu diz levar uma vida muito mais normal e consciente no que diz respeito ao dinheiro. E confessou algo que quase nenhum famoso perdulário confessa: "Era meio trauma de pobre também. Porque quando você foi muito pobre, você tem vontade de fazer as coisas".

E é aqui que as coisas começam a fazer sentido. O Brasil é um dos países mais injustos do mundo, socialmente falando. Dados de 2019 do Laboratório das Desigualdades Mundiais, indicavam que 10% mais ricos do Brasil detinham quase 60% de toda, TODA a renda nacional. Pensa. Mais da metade de toda a riqueza de um país, nas mãos de 10% da população.

Os outros 90% também têm desejos, sonhos, vontades e querem comprar bens, ter acesso a serviços, viajar pelo mundo, experimentar prazeres, desfrutar da vida. Mas não podem. E aí, os que escapam da pobreza e ficam ricos usam o dinheiro para superar esse trauma, como disse Galisteu, essa avalanche de desejos reprimidos durante uma vida e que, muitas vezes, levam a pessoa a ser perdulária, comprar o mais caro, mesmo quando não é o melhor, quase como se fosse uma vingança, uma desforra. É compreensível, num primeiro momento.

Mas depois que o "trauma de pobre passa", vem a consciência. Ou deveria. Hoje, os maiores bilionários do mundo doam parte de suas fortunas para fundações, ONGs e entidades que trabalham por causas sociais, porque sabem quem é dinheiro demais para gastar em cinco gerações. Sabem que certas fortunas são quase aberrações de um sistema capitalista baseado na exploração dos mais mais pobres.

Entendo que a carne com ouro custe R$ 9.000, mas será que todos os garçons do tal restaurante ganham bem, na mesma proporção do preço dos pratos? Será que as pessoas que podem pagar por essas despesas investem num mundo melhor? Tratam bem seus colaboradores? Não sei. Mas desejo que, um dia, todos os famosos que ostentam suas aquisições façam a jornada de sabedoria de Galisteu, que foi da pobreza à riqueza, com escala no deslumbramento e na ostentação, mas que chegou à maturidade pessoal e financeira.

Por enquanto fica a reflexão: tem gente que tem pouco dinheiro e muito valor. E tem gente que tem fortunas, mas não vale nada.

Rosana Hermann

Rosana Hermann é jornalista, roteirista de TV desde 1983 e produtora de conteúdo.

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