O pior papel de Cassia Kis
Manifestar fé, ideologia e opiniões livremente não é crime, mas homofobia, sim
O que está acontecendo com Cassia Kis? Ela sempre foi preconceituosa ou mudou de comportamento recentemente? Como uma atriz consagrada se mostra tão retrógrada e joga sua biografia no lixo de uma hora para a outra?
E, não, não estou falando sobre as posições políticas ou religiosas da artista, porque estamos numa democracia e todos têm direito a manifestar sua fé, ideologia e opiniões livremente. É um direito garantido pela nossa Constituição. Se ela quiser cantar o hino nacional para um pneu, se quiser ajoelhar no asfalto e professar sua fé religiosa, fazer jogral infantil com colegas ou se lamentar num muro de quartel, ela pode. Não é crime nenhum.
Já homofobia é crime, sim.
E Cassia pode ter cometido crime nas falas de cunho homofóbico que proferiu em sua entrevista para o canal da jornalista Leda Nagle no YouTube, no final de outubro, quando fez várias acusações sem provas, preconceituosas e ligou "ideologia de gênero" em escolas à intenção de "destruir a família".
Foi a partir dessas colocações LGBTfóbicas que o ator José de Abreu entrou com uma notícia-crime contra a atriz no Ministério Público Federal, que vai fazer as apurações cabíveis. O ator, aliás, integra três processos contra Cassia Kis.
A repercussão dessa entrevista teve desdobramentos também na Ecovila onde Cássia tem uma casa, perto da cidade de Piracaia (interior de São Paulo). Os 45 condôminos emitiram uma nota conjunta de repúdio às colocações da atriz e decidiram, democraticamente, por bani-la do grupo de WhatsApp dos moradores. Dependendo do rumo que as coisas tomarem, existe a chance de ela ser expulsa do condomínio também.
Em sua defesa, ela alega que não é homofóbica, que está sofrendo perseguições, e se defende dizendo que é "mentirofóbica".
O passado parece demonstrar o contrário. Um vídeo de 1998 do programa De Frente com Gabi (SBT), em que a jornalista entrevista Rogéria parece provar o contrário, que Cassia é "mentirofílica". Durante o "bate-bola" final, Gabi pede que Rogéria lembre de uma boa briga, e a entrevistada responde: "eu com Cassia Kis". E explica que quando o apresentador Faustão perguntou a Cassia como reagiria se tivesse um filho homossexual ela declarou que "não saberia onde teria errado", o que teria deflagrado uma briga entre a atriz e Rogéria.
Outros colegas de profissão também se manifestaram. Paulo Betti disse que Cassia se transformou numa chacota da classe artística, e Lúcia Veríssimo postou uma foto antiga beijando Cassia na boca e falou em "hipocrisia e falso moralismo".
Cassia ainda tem muitos fãs, especialmente entre os apoiadores do candidato derrotado nas eleições presidenciais que participam das manifestações antidemocráticas em diversas capitais do país. Mas, nas redes, é comum encontrar pessoas decepcionadas que chamam a atriz por apelidos como "mofo humano", "Perpétua", "caso perdido" e "lixo de pessoa". O tempo vai dizer qual será o lugar dela na história. A lei vai analisar se houve crime em suas palavras. Mas, por enquanto, eu tenho duas certezas:
- Que cada pessoa tem o direito inalienável de viver e amar quem quiser sem ser discriminada por isso;
- Que Cassia Kis está vivendo seu pior papel, a versão mais lamentável de si mesma.
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