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Rosana Hermann

Não! Klara Castanho não tem que 'pagar' por ser famosa!

Indústria da violação de intimidade tem milhões de envolvidos, inclusive a gente

A atriz Klara Castanho - @klarafgcastanho no Instagram
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Os dias passam e eu não me conformo com o crime que cometeram com Klara Castanho, invadindo sua intimidade sem a menor ética, expondo sua vida sem nenhuma empatia e violando não apenas as regras básicas do jornalismo, mas os preceitos mínimos de humanidade.

Já revirei a internet, a memória cache dos buscadores, os sites que arquivam páginas antigas, tudo. Eu vi os primeiros posts de fofoqueiros de TV, os textos tirados do ar por jornalistas, os comentários de tweets deletados, as entrevistas em talk shows, em podcasts. Troquei mensagens diretas com profissionais que conhecem e convivem com os que participaram desse horror. A gente vê as digitais de cada um dos "atores" desse circo de horrores.

Busquei o corpo médico do hospital onde ela foi internada e continuo tentando me controlar para não nutrir o ódio que sinto pelos autores do vazamento, no caso a enfermeira e o marido. Como dizemos na internet, eles despertam em mim o desejo de perder o "réu primário".

Sei que, por mais completa que seja a lista de (ir)responsáveis envolvidos nesse caso horroroso, com nomes de especialistas, colunistas, jornalistas e oportunistas, nunca vamos dar conta de todos. Porque nessa indústria poderosa da violação de intimidade de toda pessoa famosa há milhões de pessoas envolvidas —inclusive a gente, que acaba consumindo por curiosidade irracional.

Mas, para impedir que esses erros inaceitáveis se repitam, temos que rever nossos conceitos, começando com a maldita frase: "A fama tem seu preço".

Por que precisa ter um preço? Por que a pessoa que faz sucesso com seu talento, seu trabalho, sua sorte, precisa pagar uma multa por ser famoso? Uma atriz que passou a vida investindo em sua carreira e conquistou uma posição de destaque tem que pagar um imposto por sua fama? E paga como? Com seu sangue? Sendo imolada em praça pública? Tendo sua vida esmiuçada?

E, mais, paga para quem? Para os invejosos, a título de indenização? Aos fiscais da vida alheia, para que se enquadrem em sua moral?

É aí que entra a antiga "bio" do Twitter do colunista Leo Dias, que ele mudou há muitos anos, mas ainda pode ser vista em arquivo. Eram duas linhas que diziam: "A fama tem seu preço. Estou aqui para cobrar!".

Sério, pensa comigo: a pessoa pode ser o que quiser na vida. Pode ser famoso, pode ser livre, pode conhecer o mundo, pode ajudar pessoas, pode aprender, ensinar, tudo... Ela pode rodar pela estrada da vida cantando canções no carro com a janela aberta e sendo feliz, mas ela escolhe ser o cara que fica preso numa cabine de pedágio, sem sair do lugar, para "cobrar" o pedágio da fama alheia.

Até hoje eu falo disso em palestras, comento com amigos, de tanto que essas duas linhas me fazem refletir.

A ideia de que a pessoa que fica famosa na TV tem um débito com o público está errada. Ninguém tem que pagar por sua notoriedade. Klara começou sua carreira ainda criança, são anos de TV, cinema, audiovisual. Sim, ela tem fãs que a amam, é conhecida do Brasil, mas também é uma pessoa, filha, cidadã e não deve satisfações para ninguém, não merece ser exposta, nem julgada. Nem ela nem ninguém, seja anônimo ou famoso.

É diferente quando se é uma autoridade paga pela dinheiro público, ou eleita por voto. Aí, sim. Temos que fiscalizar quem vive dos impostos que pagamos, mas não se pode querer ser o fiscal de um sucesso legítimo que, afinal, nos beneficia com seu trabalho, sua arte!

Espero que Klara fique bem, porque é uma pessoa grandiosa, em todos os sentidos.

Quanto a nós, chegou a hora de fazer faxina nos nossos conceitos antigos, nas máximas das redes sociais, nos provérbios que nossa avó dizia. Porque não é verdade que manga com leite faz mal (se não nem existiria sorvete de manga), não é verdade que "Quem lacra não lucra" (rima besta e tonta, tem mil exemplos de lacradores ricos), e acreditar na frase criminosa "Pagando bem, que mal tem?" é um convite à corrupção.

A fama não tem preço. A ética também não.

Tem muita coisa errada no fundo do nosso cérebro reptiliano. Manter coisas erradas apenas porque nos são familiares só vai nos levar para o mesmo destino que os dinossauros: a extinção.

Rosana Hermann

Rosana Hermann é jornalista, roteirista de TV desde 1983 e produtora de conteúdo.

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