Mariliz Pereira Jorge

Por que sentimos prazer em humilhar os outros?

O mais interessante é perceber o quanto contribuímos para o linchamento

Patrícia, sétima eliminada do BBB 18 (Globo)
Patrícia, sétima eliminada do BBB 18 (Globo) - Paulo Belote/Globo
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No livro “Humilhado", o jornalista Jon Ronson mostra como a era da internet mudou o julgamento público. Hoje, ninguém mais é apedrejado ou enforcado numa praça em frente à multidão, mas as humilhações às quais as pessoas são submetidas podem ter efeito psicológico tão ou mais danoso que uma surra.

Não bastasse a rejeição enorme que os últimos participantes do BBB sofreram, ao chegar aqui fora deram de cara com uma realidade diferente da que esperavam. Em vez de louros e glória, foram achincalhados virtualmente, alguns com requinte de crueldade.

Patricia, a última "sister" a ser defenestrada, teve de enfrentar a ira provocada por seu comportamento. Considerada fofoqueira, falsa, machista, além de passar boa parte do tempo tramando a eliminação dos rivais, o que provocou grande antipatia no telespectador, virou alvo de comentários gordofóbicos e misóginos. Nem seu filho, um garoto de 11 anos, escapou da fúria do público.

Tanto Patrícia quanto Ana Paula, que também saiu com forte rejeição, me lembraram do episódio relatado no livro de Jon Ronson, sobre a americana Justine Sacco. Antes de embarcar num avião com destino à África do Sul, a garota tuitou o seguinte: "Indo para a África. Espero não pegar Aids. Brincadeira. Sou branca!"

Justine desligou o celular e durante as mais de dez horas em que ficou desconectada não fazia ideia do linchamento virtual que iria enfrentar assim que desembarcasse no destino. Ela foi demitida, entrou em depressão, e passou mais de um ano sem sair de casa.

É óbvio que Justine deveria arcar com as consequências da barbaridade dita, mas era preciso tanto? A mesma pergunta faço em relação aos participantes do BBB. Eu mesma acho que exagerei nas críticas a Ana Paula, autointitulada “bruxa” e que tinha um comportamento para lá de controverso. Ela e Patrícia, aliadas no jogo, não faziam ideia do ódio que conseguiram despertar no público aqui fora.  

O mesmo vale para Diego e Caruso, que continuam na disputa, alheios ao que as pessoas pensam deles, sem imaginar que são os próximos a enfrentar o tribunal impiedoso da internet.

Jon Ronson fala que todo mundo hoje já foi humilhado virtualmente de alguma forma ou participou de uma humilhação pública. O que vemos é que fazer o outro passar vergonha é uma forma de punição, a surra pública do século 21. Nos falta empatia para perceber que pessoas ficam destruídas, acabam enfrentando depressão, ansiedade, insônia. Nos piores casos, há pensamentos recorrentes de suicídio.

O mais interessante é perceber que sempre achamos que apenas os outros, apenas as pessoas más fazem isso, sem perceber o quanto contribuímos para que o linchamento ganhe volume com likes em comentários perversos, quando compartilhamos memes ofensivos.

Não são apenas os idiotas misóginos, racistas, preconceituosos, os protagonistas dessas fogueiras virtuais. Mas aquela tia fofa que faz o seu bolo preferido, o seu primo prestativo que jamais ergue a voz dentro de casa na frente dos pais. Quando se postam atrás de um computador sentem-se à vontade para dizer coisas terríveis, com o único intuito de humilhar uma pessoa e ter seu sentimento de vingança saciado.

Arruinamos vidas com comentários, likes e memes. E logo escolhemos outro desafeto, passamos para o próximo post, sem nos importar com o estrago feito. É claro que os participantes do BBB sabem que estão sendo avaliados, mas e quem avalia o comportamento que o público tem tido?

Mariliz Pereira Jorge

É jornalista e roteirista.

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