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Krishna Mahon
Descrição de chapéu Sexo tecnologia

iFode

Entre a piranhagem e a solidão dos aplicativos de relacionamentos

Obra da artista visual Adrianna.Eu - @adrianna.eu no Instagram
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Enquanto citava Bauman no camarim, reclamando da minha falta de fé no homem hétero (tema da última coluna), o maquiador da Band me falava que as relações gays são ainda mais supersônicas. Rapidamente ele abriu o Grindr e mostrou os nomes naquele cardápio de iFode: "mamo no sigilo", "com local", "passivona Santa Cecília", "23cm". Numa fração de segundos invejei a possibilidade de piranhagem. Quem determinou que a gente não pode ser tão promíscua?

Mas depois fiquei pensando… Será que a piranhagem condiz de fato com as mil maravilhas que eu imaginei e invejei? Me lembrei de parte de uma letra do Jards Macalé que o Zé vive cantando: "Existe muita tristeza na rua da alegria/ Existe muita desordem na rua da harmonia". Talvez exista muita solidão na rua da piranhagem, muita relação rasa na rua das relações rápidas. E, apesar dos prazeres e volúpias, como disse a Pabllo Vittar: "Piranha também ama, piranha também sofre".

Com tantas formas novas de conexão, com tantos aplicativos para facilitar esses encontros, como a gente pode estar mais sozinho? É o mau uso dos apps ou é esse iFode que está tornando a distância entre o coração e o rabo maior mesmo?

Com tanto amor no mundo, com tanta coisa dentro da gente, quem foi o primeiro idiota que achou legal fingir que não sentia nada? E desconectar o pau do coração e da cabeça? Tem que ser muito jumento pra achar que seria melhor ou mais fácil assim. Desapego uma pinoia.

Esses dias, resolvi perguntar para algumas pessoas solteiras sobre ter contatinhos. Quase sempre envolve mais de um (apesar de existir o ficante turbo-master-plus), e a "vida útil" de cada costuma não ser longa, porque cortar relações com um contatinho não tem o mesmo peso de terminar um namoro.

Inclusive, uma das formas comuns de cortar relações no mundo dos contatinhos é o sumiço —que pode assumir a forma do ghosting—, mas tem um em específico que tem uma peculiaridade. Em condições normais de temperatura e pressão, a tendência é ir mantendo os contatinhos, porque a pessoa não vai simplesmente abrir mão de todos assim de graça. É muito confortável seguir ciscando aqui e ali; porém, de repente, acaba aparecendo alguém tão incrível que há uma unanimidade entre cabeça, coração e rabo de que aquela pessoa é "A Pessoa", e, no meio desse redemoinho de emoções e afetos, os outros contatinhos são jogados ao mar e ficam à deriva, torcendo pra maré mudar.

Não sei se é a minha vivência anterior aos apps que faz perguntas velhas e monogâmicas demais, mas será que toda essa aceleração da maré dos contatinhos consegue dar vazão ao bom e velho cineminha junto? E assistir aquela série debaixo das cobertas? E cozinhar? Há pouco tempo venho entendendo que, pra mim, quantidade não é sinônimo de qualidade. Tem zilhões de fãs no meu Instagram, mas quantos deles veem as imagens sem ler os textos, sem ler esta coluna, sem entender as piadas, sem a menor possibilidade de troca intelectual (cabeça), afetiva (coração), e com foco único e exclusivamente no fogo no rabo?

Preguiça mor. Se me perguntarem entre ter um monte desses, cujo foco é só no rabo, ou unzinho, quiça dois (rs), com a possibilidade de conexão de cabeça, coração e rabo, não titubeio. Porque não dá pra estar inteiro em muitos lugares, em tantos afetos. Talvez alguém muito à toa consiga, mas pra quem trabalha, lê, tem amigos e vive, sobra pouco tempo pra se dividir. E quão gostoso é estar inteiro onde quer que a gente esteja.

Enquanto luto para sair do círculo em que o ratinho corre incessantemente sem saber que não vai a lugar nenhum, tem gente aceleradaça, num ritmo longe de ser saudável, sem conseguir ver a vida fora dessa corrida maluca. Pior, tem sempre alguém entrando nessa corrida. Em meio a contas, boletos, responsabilidades, a gente vai sendo engolido. Cair nessa armadilha é fácil, sair nem tanto.

A Phoda Madrinha quer que você consiga ter presença, que solte a piranha interior nos iFodes da vida, mas que não tenha medo de mergulhar nas relações profundas quando aparecer aquela pessoa que vale a pena. Porque, como repito que nem mantra aqui: o bom é a conexão cabeça, coração e rabo.

Krishna Mahon

Jornalista e cineasta indicada ao Emmy, é apresentadora do SexPrivé Club da Band. Foi produtora da Discovery e diretora de conteúdo do History.

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