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Krishna Mahon
Descrição de chapéu Sexo casamento

Seu krush pode ser muito melhor do que imagina, ou não

A dor e a delícia de projetar no outro o que ele não é

O personagem que eu viro é sempre melhor (ou pior) do que eu jamais serei na realidade - Instagram/adrianna.eu
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O ex da minha irmã choramingou para uma amiga dizendo que ele não entende como não deram certo, "só tenho uma imagem idealizada dela na cabeça".

Ao invés de enxergar quem ela era, preferiu projetar. Que burro! Julguei e um segundo depois lembrei que, na real, eu projeto, tu projetas, ele projeta…

O roteiro que a gente cria na cabeça, seja para krush ou discussão no trabalho, sempre é melhor do que aquele que acontece na realidade.

Toda vez que um fã comenta no Instagram @krishnamahon um "estou apaixonado", "você é perfeita", "quero casar com você", explico que é projeção. Falo que a versão que criou de mim é perfeita, longe do real, mas que a Phoda Madrinha está torcendo para a pessoa encontrar alguém que mereça esse afeto.

Na cabeça do fã eu torço pro mesmo time, tenho sempre filtro ou maquiagem, as unhas feitas e a depilação em dia, rio de piada homofóbica, dou o fiofó, lavo louça, ando de salto, tenho os mesmos princípios e valores, voto no mesmo candidato e inclusive, odiamos aquele outro juntos.

O personagem que eu viro é sempre melhor (ou pior) do que eu jamais serei na realidade.

E é gostoso brincar de projetar, né? O siricutico e o fogo no rabo de quando a gente não conhece de fato o outro é phoda. Fora que, como disse Anais Nin, não vemos as coisas como são, mas como somos.

Há uns anos atrás tive meningite e a sequela foi não enxergar direito de longe. Eu que nunca usei óculos, e que em breve vou precisar para ler, ganhei um desfocado mágico. De um dia pro outro todo mundo que eu vejo nas minhas corridas no Ibira é lindo. E faço questão de flertar na minha cabeça e virar o rosto antes que o sujeito entre em foco, antes que a projeção vire realidade.

Mas a projeção está muito mais perto do que a gente imagina, às vezes ela tá dentro de casa. Em Minas a gente fala que só conhece alguém depois de um saco de sal, que quer dizer tempo pacaray, mas isso não garante que não haja projeção.

Um amigo falava da mulher dele como se fosse ciumenta e controladora, quando a conheci ela se revelou desconstruída, interessante e safada, basicamente o oposto. Enquanto ele se prendia a uma constelação do luar dela, eu me permiti estar aberta para contemplar outras de suas constelações.

A gente é um caleidoscópio com zilhões de lados, com coisa à beça para conhecer de si mesmo, imagina nos outros. E, se cada ponto de vista é a vista de um ponto, é mais interessante espantar-se com a pluralidade das pessoas do que criar uma projeção rígida e intacta que não muda por nada.

Então o legal não é a descoberta do outro pelo tempo, como no ditado mineiro, mas na curiosidade e no encantamento que a gente tem e que a gente gera. Inclusive, para Platão e Aristóteles, a filosofia começa no thaûma, isto é, no espanto, no maravilhamento, mas para isso temos de estar abertos ao espantar-se, de modo que ter uma projeção rígida da pessoa pode impedir-nos de nos maravilharmos com a maravilha que é sua existência.

O ex não via a minha irmã e, por mais tempo ainda, eu não vi também. Que sorte que tirei a venda, porque ela é muito melhor do que o personagem fictício que ele ou eu poderíamos criar.

Krishna Mahon

Jornalista e cineasta indicada ao Emmy, é apresentadora do SexPrivé Club da Band. Foi produtora da Discovery e diretora de conteúdo do History.

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