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Zapping - Cristina Padiglione
Descrição de chapéu Três Perguntas Para...

Larissa Nunes celebra papel de professora negra nos anos 1940

Novela 'Além da Ilusão' marca estreia da atriz na Globo

Atriz Larissa Nunes - Divulgação
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Campinas

Atriz e cantora natural de São Paulo, Larissa Nunes, 25, ​começou a atuar aos 14 anos. Em 2019 e 2020, a artista ficou mais conhecido por meio de seu trabalho em "Coisa Mais Linda", série da Netflix em que interpretou Ivone, irmã mais nova de Adélia, personagem de Pathy Dejesus.

Criativa e inquieta desde a infância, Larissa tem formação teatral paulistana. Também em 2020, ela se formou pela Escola de Arte Dramática (EAD) da Universidade de São Paulo (USP), onde, em 1975, Paulo Betti, 69, também recebeu seu diploma. Hoje, os dois trabalham lado a lado em "Além da Ilusão".

Na trama, Larissa interpreta Letícia, professora que busca uma vida melhor por meio da educação nos anos 1940 —época em que pouquíssimas pessoas como a artista, e como esta repórter, tinham acesso aos estudos.

Hoje, a atriz, que só teve duas professoras pretas ao longo de sua formação, constrói sua personagem a partir de indagações sobre os motivos de sua escolha. "Eu acho que a educação, de alguma maneira, faz com que a gente mude, mesmo, de vida. Tem um lugar de mudanças radicais que acontecem através da educação", expõe sua conclusão.

Bolsista em boa parte da vida, Larissa se identifica com sua personagem em mais aspectos do que Alessandra Poggi, autora da trama, poderia esperar.

"A educação foi a minha mobilidade social para conhecer novas culturas, pessoas de outros universos, e para me reconhecer como mulher negra. Todas, todas, as coisas que me fizeram reconhecer por gente vieram da educação, eu não tive outro acesso", explica a atriz.

Ela é entrevistada na seção "Três Perguntas Para...", por onde já passaram nomes como Cláudia Raia, Clara Duarte, Mariana Rios e João Côrtes. Confira:

'Além da Ilusão' é seu primeiro trabalho na Globo. O que isso significa para você?

É um passo muito importante para minha carreira e simboliza esse lugar de maturidade e de amadurecimento que é importante na vida do ator. A Globo sempre foi um norte para as pessoas —se eu não colocava ela no meu caminho, as pessoas colocavam, tipo: 'E aí, quando você vai para a Globo?'.

Essas perguntas sempre surgiram e eu sempre olhei para essa possibilidade, confesso, com uma certa distância. [Eu me perguntava:] 'Como chegar?' 'Eu quero, mas como chegar?' Quando eu tive o convite para fazer essa novela, eu estava saindo de uma outra oportunidade incrível para mim, que foi o streaming. Lá tive acesso ao audiovisual, e eu estava meio que: será que a TV vai vir? Quando?

A Globo sempre foi uma referência do que é fazer TV, e acho que vai sempre ser. Então, tem sido uma bênção, uma surpresa, e eu sinto que é um momento de mostrar o que eu posso fazer, para o que eu vim, e de ter contato com pessoas que são mais experientes do que eu.

Fale da sua relação com a música e a fotografia. Como uma mulher negra, como a arte a ajuda?

A arte é a minha maneira de dizer para o mundo muitas coisas que só falando eu não daria conta. E acho que escolhi ser atriz para falar coisas que talvez sozinha não falaria —não porque eu não tenha coragem, mas porque eu acho que não dá conta. Acredito que a beleza, quando você vê uma coisa bonita, quando você vê um filme bonito, uma foto bonita, você consegue encontrar ali coisas que não dá para serem ditas.

E eu acho que pessoas pretas muitas das vezes não conseguem mostrar a sensibilidade delas o tempo todo, porque o mundo exige que a gente seja durona o tempo todo. Então, a arte me faz escapar desses estereótipos: é com a arte que eu faço outras falas, é com arte que eu crio outros olhares.

Eu amo ver filme. Todos os meus trabalhos puxam referências de filmes, de histórias, de fotografias —às vezes eu preciso só de uma imagem para entrar em cena, eu sou muito alimentada por isso. E eu gosto de compartilhar também, porque esse olhar, essa beleza, essas coisas que a gente vê, precisam ser compartilhadas de algum jeito.

E para nós, mulheres pretas, eu acho que esse é um dos caminhos: a arte faz com que a gente mostre que nós somos sensíveis, que nós precisamos de cuidado, que a gente sabe olhar as coisas com um olhar estético, que a gente pode se alimentar de muitas referências, não somente das referências que nos dão.

Por isso que, enquanto as pessoas acham que eu vou só por um lugar, enquanto mulher negra —só assiste a um tipo de filme, vê só um tipo de coisa, ou se veste só de um determinado tipo—, eu tento sempre escapar desses lugares, não ser óbvia, e a arte me ajuda.

Você acredita que as produções de época têm se preocupado em falar sobre as nossas vivências, enquanto pessoas negras, de uma outra forma?

Eu acho que o gênero novela de época, e qualquer trabalho que seja sobre uma época, precisa de muitos cuidados, mas ao mesmo tempo de uma liberdade de acordo com o público para se entender que é uma visão sobre aquela época, um olhar sobre aquela época, já que, de fato, as pessoas não viveram ali e muitas coisas se perdem no meio do caminho.

Isso, a depender da obra, se é mais biográfica, mais fiel, ou se a época é mais pano de fundo, como a nossa novela. Eu acho que a nossa novela é ambientada nos anos 1940, com alguns contextos históricos, tipo a guerra, mas o intuito dela não é exatamente retratar o que foram os anos 1940.

Por outro lado, a falta que se tem de inclusão de pessoas pretas, de pessoas racializadas, na dramaturgia brasileira, é um dado que ultrapassa não somente a novela de época, mas qualquer outra novela e qualquer outra obra.

Acho que a inclusão precisa acontecer, não somente nas novelas de época, mas a gente precisa pensar: quais são as histórias que de fato queremos contar? E quais são as histórias a que o público quer assistir agora? Acredito que o público também consegue ajustar a própria lente e dar luz à importância das personagens que estão acontecendo ali.

Um elenco que tem um núcleo negro que ainda é visto como o coadjuvante é um lugar que precisa ser restaurado, que precisa ser revisto. Não somente por quem está produzindo, mas por quem está assistindo, também. Quem está assistindo precisa olhar para aquele núcleo com uma certa importância, para aí a gente destrinchar e ver o que está acontecendo, e começar a criar mais histórias em que possamos nos sentir mais presentes, mais protagonistas.

Mas eu sinto que é um problema que ultrapassa o gênero, é o problema estrutural. E a gente precisa começar a assumir, e ao mesmo tempo ir conseguindo abrir esses espaços. Eu acho que a novela traz muito isso: uma novela que fala sobre o casal de jovens pretos intelectualizados nos anos 1940 —alguma coisa está sendo dita ali.

Mas a gente precisa encontrar o público, ele precisa dar a mão e falar: eu vou comprar isso, eu vou acreditar nesse sonho e isso está acontecendo. E isso motiva os atores pretos a fazerem mais histórias, a viverem mais histórias, e também motiva criadores e pessoas que têm o poder de incluir personagens pretos nas histórias, motiva todo mundo a mudar esse cenário.

Zapping - Cristina Padiglione

Cristina Padiglione é jornalista e escreve sobre televisão. Cobre a área desde 1991, quando a TV paga ainda engatinhava. Passou pelas Redações dos jornais Folha da Tarde (1992-1995), Jornal da Tarde (1995-1997), Folha (1997-1999) e O Estado de S. Paulo (2000-2016). Também assina o blog Telepadi (telepadi.folha.com.br).

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