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Zapping - Cristina Padiglione

Acusada de racismo, 'Nos Tempos do Imperador' pode sofrer cortes na edição

Autora se desculpou por cena que sugeriu racismo reverso

Jorge / Samuel ( Michel Gomes ) e Pilar ( Gabriela Medvedovski )
Jorge / Samuel ( Michel Gomes ) e Pilar ( Gabriela Medvedovski ) - João Miguel Júnior/TVGlobo
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Uma sequência da novela "Nos Tempos do Imperador" vem sendo duramente criticada por sugerir racismo reverso, algo que só existe no imaginário de brancos que se sentem agredidos em razão da cor, o que não existe na história do Brasil, país que mais demorou a se livrar da escravidão.

Coautora da novela, Thereza Falcão reconheceu o erro e se desculpou nas redes sociais, mas ativistas negros e historiadores apontam equívocos no próprio conceito de escravidão abordado pelo folhetim das seis da Globo, escrito também por Alessandro Marson.

Como está quase toda gravada, a trama poderá ter sequências reeditadas, a fim de sanar outros erros históricos cometidos especialmente no que diz respeito à visão dos brancos em relação aos negros escravizados ou alforriados do contexto histórico referente a D. Pedro 2º.

Além disso, o próprio imperador, vivido por Selton Mello, vem sendo visto como alguém muito bacana para um mandatário que fechava os olhos para a escravidão.

Na cena que motivou as queixas, Jorge/Samuel (Michel Gomes) sugeriu que Pilar (Gabriela Medvedovski) sofreu racismo reverso ao não ser aceita como moradora da Pequena África, ambiente reservado a escravizados fugitivos ou alforriados. "Só porque você é branca, não pode morar na Pequena África? Como queremos ter os mesmos direitos, se fazemos com os brancos as mesmas coisas que eles fazem com a gente?", questiona o namorado.

Pilar diz entender a decisão de Dom Olu, líder da Pequena África, já que ela é branca e possui privilégios.

"Mas, gente, quem pensou essa cena? São cenas como essa que viram verdades para pessoas desinformadas sobre o período da escravidão", afirmou AD Júnior, ativista negro, influenciador e apresentador responsável pela chegada ao Brasil do Trace Trends e Trace Channel, de cultura afro.

"A fala de um homem negro no período da escravidão dessa forma seria tão bizarra que chega a assustar quem assiste a uma cena dessas. Quem foi o ser que escreveu esse texto?", conclui AD.

"Foi péssimo", reconheceu a autora. "Pedimos muitas desculpas. Eu mesma, quando vi a cena aqui em casa, falei: o que foi isso? Todos os capítulos que vão ao ar até o 24 foram escritos em 2018, gravados na ampla maioria em 2019. Na época não contávamos com uma assessoria especializada, o que só aconteceu no ano passado, com a entrada do [pesquisador de cultura afro-brasileira] Nei Lopes. Hoje assisto a muitas cenas com uma sensação muito longínqua. Mais uma vez pedimos desculpas por cometer um erro grosseiro como este."

Em seu Instagram, a jornalista e atriz Maíra Azevedo, a Tiamá, compartilhou a posição de AD e repostou as imagens da cena: "Eu li umas três vezes o diálogo e fiquei imaginando quem propôs o texto e a sensação do ator ao ter que falar o que estava no roteiro, e se por um segundo a equipe imaginou o quanto uma cena de alguns segundos pode colaborar para uma ideia equivocada", disse ela.

"Sim, a trama é ficção", continua, "mas passa em um período histórico, conta com personagens reais e tem como pano de fundo a gestão de Dom Pedro II, que na novela conta com o carisma e charme de @seltonmello, mas na 'vida real' não era tão legal assim. Ele não era abolicionista! Não esqueçam que o Brasil foi o último país do mundo a abolir a escravidão e, por conta de pressões externas."

Tiamá lembra ainda que "durante o período escravagista, mesmo os negros alforriados não podiam circular livremente pelas ruas". "E um homem preto JAMAIS poderia estar sentado sozinho com uma mulher branca no meio da rua. Ele seria preso, decapitado. Já tinha visto algumas coisas que me incomodavam! Vi também a personagem de @gabimedvedovski , quando o pai vai apresentar para seu noivo, ela se 'fantasia' de escrava, já que está sendo vendida. O subtexto, pra mim, soou como se fosse o aviso de que mulheres pretas e brancas tem 'valores' diferentes.

A jornalista ressalta que quer sempre acreditar "na boa vontade das pessoas, na intenção de fazer o melhor". "Por isso é fundamental ter um diálogo, conversar com quem estuda sobre o tema. 'Novela de época' tem muita responsabilidade, pois muita gente vai ter como referência para falar da história. E um discurso como esse, saindo inclusive da boca do personagem de @michelgome.s, se torna argumento na boca de quem quer dizer que nossas dores são 'vitimismo' e vira verdade absoluta."

"A gente precisa avançar mostrar a história com vários olhares, nossas lutas e colaborar para que as pessoas tenham um olhar mais consciente sobre a história do Brasil. Ainda hoje, pessoas pretas seguem ganhando menos, têm menos oportunidades, estão na base da pirâmide social, nos subempregos…Será mesmo que é possível fazer a mesma coisa com quem HISTORICAMENTE segue no poder? Aqui o poder segue sendo passado de geração a geração para as mesmas famílias, como NOS TEMPOS DO IMPERADOR", finaliza.

Zapping - Cristina Padiglione

Cristina Padiglione é jornalista e escreve sobre televisão. Cobre a área desde 1991, quando a TV paga ainda engatinhava. Passou pelas Redações dos jornais Folha da Tarde (1992-1995), Jornal da Tarde (1995-1997), Folha (1997-1999) e O Estado de S. Paulo (2000-2016). Também assina o blog Telepadi (telepadi.folha.com.br).

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