Aviso
Este conteúdo é para maiores de 18 anos. Se tem menos de 18 anos, é inapropriado para você. Clique aqui para continuar.

Colo de Mãe
Descrição de chapéu Família

Aborto é questão de saúde pública, mas Brasil não está preparado para debate

Mulheres fazem abortos clandestinos, mas só as pobres morrem; até quando fechar os olhos?

Bebê segura a mão de sua mãe - Folhapress
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A maternidade não está atrelada apenas ao fato de você parir e criar uma criança. Gerar um outro ser humano, mesmo que por poucas semanas, já te faz mãe, e mães pobres morrem diariamente em nosso país em abortos clandestinos de uma ponta a outra.

Precisamos parar de deixar mães morrerem. Enquanto nas periferias, sertões, rincões e interiores deste Brasil mulheres ainda introduzem objetos e medicamentos dentro de si para acabar com suas gravidezes, quem tem dinheiro vai a outro país, onde o aborto não é crime, fazer o procedimento.

A questão é urgente e precisa ser enfrentada, não como tema de debates religiosos, mas como saúde pública. Não dá para fechar os olhos para a morte de mães ou para as sequelas que os abortos clandestinos trazem, que vão de doenças psíquicas a infertilidade e infelicidade para o resto da vida.

​No entanto, qualquer um que levante o debate sobre uma questão sanitária e de saúde pública recebe as pedras que, em tempos bíblicos, a sociedade juntou para atirar em Maria Madalena. E estou eu aqui, esperando as minhas pedradas.

Eu sou contra o aborto, e creio que ninguém seja a favor da prática, mas ela existe e precisa ser tratada. Sou contra a morte e a favor de discutir o tema. Legalizar não significa dar aval a retirada mensal de fetos, como uma pílula do dia seguinte, muito pelo contrário, significa disciplinar o tema. Sou uma defensora da vida. E a vida da mãe importa.

Ainda mais se ela for uma menina de dez anos, estuprada pelo tio, vivendo uma gravidez de risco. Jamais aceitarei que uma criança seja chamada de assassina por tirar de si o que colocaram sem que ela entendesse totalmente o que se passa.

Colocar-se no lugar do outro é fundamental. Há quem defenda que a mulher tenha o filho e doe-o. Eu não gostaria de sofrer abuso sexual e ter que doar um filho indesejado. Acredito que nenhuma mulher se sinta confortável com isso.

Eu já fui uma menina jovem, que ia à Igreja Católica Apostólica Romana (religião com a qual eu me identifico ainda hoje) e defendia cegamente o não debate sobre o aborto. Era treinada e doutrinada para não entender nada que fosse além.

Até que eu entrei em contato com o mundo real, o mundo em que mulheres ricas abortam confortavelmente e as pobres arriscam suas vidas em abortos clandestinos, levando sequelas para o resto de suas vidas.

Depois disso, passei a entender a profundidade dos sentimentos e das relações humanas. E a respeitar temas espinhosos. E não me conforme que, em pleno século 21, ainda tenhamos que ouvir argumentos tirados da Idade Média.

Há um vídeo da cantora Elis Regina circulando nas redes que tem me resumido ultimamente. Tenho duas filhas para criar, o preço da gasolina está lá em cima, estamos em pleno século 21 e não é possível que as mulheres ainda defendam um sistema de vida arcaico para elas mesmas. Não enxerguem as questões de saúde pública.

Não estudam, não leem, não avançam o pensamento e defendem um sistema que domina seus corpos e suas mentes. Mas esse é outro tema sobre o qual a maioria também não está preparada para discutir.

Colo de Mãe

Cristiane Gercina, 42, é mãe de Luiza, 15, e Laura, 9. É apaixonada pelas filhas e por literatura. Graduada e pós-graduada pela Unesp, é jornalista de economia na Folha. Opiniões, críticas e sugestões podem ser enviadas para o email colodemae@grupofolha.com.br.

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem