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Colo de Mãe

As consequências da pandemia chegaram à escola de minhas filhas

Violências e questões psíquicas são 'heranças' da Covid-19

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São Paulo

Eram 11h30 de terça-feira (22) quando uma notícia me paralisou e quase me fez desmaiar: uma menina havia sido esfaqueada na escola onde minhas filhas estudam. Gelei, afinal, eu tenho duas meninas na escola e, naquele momento, sem informações precisas, qualquer uma delas podia ser a vítima.

Eu havia acabado de chegar ao trabalho para um dos dias de presencial na empresa. Liguei para o meu marido gritando, pedindo que ele fosse até a escola. As informações chegavam de forma desencontrada nos grupos de mães e pais do WhatsApp e eu não sabia como agir. Queria voltar para casa e ir até a escola, mas não tinha muito o que fazer.

Alunos estendem faixa de pais em solidariedade ao colégio onde menina de 12 anos foi esfaqueada - Danilo Verpa/Folhapress

O que se passou depois foram momentos de alívio e de horror. Nenhuma de minhas filhas havia sido vítima. A aluna ferida tinha levado de oito a dez facadas pelas costas, já tinha sido atendida e não corria risco de morrer, embora tivesse sido encaminhada para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva). O adolescente que a atingiu foi apreendido. A faca, levada para perícia. As salas de aula, trancadas e os alunos, liberados.

As aulas foram suspensas, o caso ganhou repercussão nacional e as notícias que se sucederam são de assustar qualquer pai: a violência nas escolas veio em escalada nesse 2022, ano no qual dispensamos as máscaras e tentamos voltar a uma quase normalidade, com aulas presenciais diárias e rotina de trabalho que nos obriga a ficar, mais uma vez, longe de casa e da família.

A situação é das mais duras que já passei na vida. Não há como o medo não tomar conta do coração. Não há como não segurar as lágrimas ao abraçar a mãe da garota ferida, ao abraçar pais e mães desesperados durante a reunião em que a escola fez conosco. Não dá para não pensar na mãe do garoto que cometeu o ato infracional. Não há como não se orgulhar junto das mães de dois garotos que impediram que o ataque fosse pior (a escola os homenageou).

Não tirei e não tirarei minhas filhas da escola. Não por isso. Confio de olhos fechados no trabalho profissional que tem sido feito, sei o quanto invisto tempo e dinheiro para que as meninas estejam em um ambiente em que se sintam bem. E elas se sentem. Acredito que educação é um caminhar de mãos unidas e não são fatos isolados que permeiam minhas decisões.

O que sei é que a sociedade adoeceu, e o maior reflexo disso está em nossos jovens, principalmente nos adolescentes. Nervos à flor da pele, hormônios pululando e mudanças bruscas de humor típicos da idade se somam, hoje, a um quadro que poucos querem enxergar: depressão, síndrome do pânico e ansiedade são apenas algumas das doenças psíquicas que tomam conta da juventude trancada, que vive o mundo na palma das mãos, pelas telas.

Eu achei que o desafio de ser uma mãe na era pós-moderna estava apenas em conseguir lidar com o ritmo desenfreado do trabalho, a quantidade de informações que chegam aos nossos filhos e a vida sendo retratada pela internet. Mas, não, os desafios passam, essencialmente, pelos sentimentos que permeiam o interior de nossos filhos. E como lidar com isso?

Em casa, não tenho receita. Estou aprendendo com elas, enquanto ensino. Luiza, de 15 anos, ajudou a acalmar os amigos desesperados no dia do incidente. Laura, nove anos, foi uma das alunas protegidas pelos professores, que ficou trancada em sala de aula e soube do ocorrido ao ser liberada.

Elas têm agido com maturidade e força que me surpreendem. Estão aprendendo sobre resiliência, amor, empatia e perdão na prática, com o correr dos dias, com a violência batendo à nossa porta, com desgovernos e escândalos da corrupção justamente na Educação. Têm se tornado seres humanos prontas para estar no mundo, entendendo, a duras penas que crescer dói.

E eu? Estou na luta por fazer do mundo um lugar melhor para elas e para os outros. O mais legal é saber que, na escola de minhas filhas, tirando os boçais (porque sempre tem alguns), há muita gente bacana querendo construir uma nova sociedade. Espero que consigamos se não fazer o melhor, ao menos passar por essa fase difícil e celebrar vitórias no final.

Colo de Mãe

Cristiane Gercina, 42, é mãe de Luiza, 15, e Laura, 9. É apaixonada pelas filhas e por literatura. Graduada e pós-graduada pela Unesp, é jornalista de economia na Folha. Opiniões, críticas e sugestões podem ser enviadas para o email colodemae@grupofolha.com.br.

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