Colo de Mãe

Eu vou me perdoar pela mãe que não fui

Fim do ano chegou e decidi que vou me libertar das culpas maternas

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Eu vou me perdoar pela mãe que não fui. Vou me perdoar por não ter dado salada, por ter perdido a paciência e porque me senti esgotada e não levei projetos pessoais para frente. Vou me perdoar por não ter conseguido emagrecer, por ter falhado na missão de comer melhor e por não ter tempo nenhum para ir à academia.

Vou me perdoar por ter tido vontade de chorar quando a situação exigia de mim postura firme e muitos sorrisos. Darei a mim o perdão por muito do que não fiz e por tudo o que fiz que estava fora do padrão da mãe perfeita. Vou deixar essa culpa ir embora e me libertar da obrigação de ser tudo aquilo que os outros esperavam de mim. 

Vou pirar, sair do eixo, mas defender a minha verdade. Vou me perdoar por não ter lido todos os livros que eu queria e por não ter conseguido fazer investimentos financeiros. Vou me perdoar pelos dias em que não usei maquiagem e pelas noites em que só peguei no sono quase de manhã.

Vou me perdoar por, em muitos finais de semana, parecer um zumbi de tanto cansaço. Vou me libertar da culpa por não ter sido forte o tempo todo, por escolher trabalhar em vez de ser dona de casa 24 horas por dia, por não conseguir ir nas reuniões da escola, simplesmente porque elas são no horário do trabalho.

Vou me perdoar pelas vezes que errei o horário do antibiótico, por levá-las pouco ao pediatra e por ter desistido do acompanhamento odontológico por um período. Vou me perdoar por atrasar as consultas periódicas ao endocrinologista e ao psiquiatra.

Vou me libertar da culpa pela terapia que não fiz, pelas sessões que faltei e por chorar baixinho, à noite, sozinha. Por chorar no chuveiro, no banho, na rua, no carro. Vou me perdoar por sentir tanto as mortes que passaram em mima vida neste ano o ponto de ficar paralisada, na cama, sem ter a alegria necessária para viver.

Vou me perdoar pelo tempo que perdi investindo amor em relacionamentos sociais que não dariam certo. Vou me perdoar por, muitas vezes, me sentir um lixo, por me autossabotar e por tentar ser quem eu não sou.

Vou me perdoar pelas vezes que explodi de raiva e de tristeza pelas injustiças. Vou me libertar da obrigação de agradar a todos, de dizer sempre muito obrigada, com licença, por favor e “não foi nada”, para gente que está sempre pisoteando em mim.

Vou me libertar da culpa por não ter tido coragem de romper barreiras e rotinas. Darei o perdão a mim por cada minuto que perdi tentando convencer os outros de que é preciso ter amor, paciência e empatia. Vou me libertar da sensação de fracasso por ter tentando mudar os rumos da vida e não ter conseguido.

Para 2020 eu quero ser mãe-passarinho. Não aquela que prende os filhos no ninho, mas a que os ensina a voar e voa junto. Quero ser uma mãe mais leve. Uma mãe que aceita e se diverte. Em 2020 eu quero ter outro caminho.

Vou torcer por outros ventos batendo no rosto, pela felicidade plena interna, que a gente sente mesmo que o mundo ao redor está desabando. Vou me perdoar, principalmente, por seguir na vida e continuar tentando.

Agora

Colo de Mãe

Cristiane Gercina, 42, é mãe de Luiza, 15, e Laura, 9. É apaixonada pelas filhas e por literatura. Graduada e pós-graduada pela Unesp, é jornalista de economia na Folha. Opiniões, críticas e sugestões podem ser enviadas para o email colodemae@grupofolha.com.br.

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