Pub na Barra Funda é pioneiro da rica cena de bares e restaurantes do bairro
Na zona oeste de São Paulo, Deep Bar tem sua própria versão de Guinness
O calor do sol de inverno faz estalar as caixas de papelão deixadas na calçada. Domingo nas ruas da Barra Funda tem um quê de cidade fantasma, daquelas de filmes norte-americanos. Vazio. Lixo voando sobre o asfalto. Apenas um morador ou outro se arrisca a sair de casa em busca de um frango assado para o almoço. O silêncio somente é interrompido pelo som alto de algum carro. Só que não é um domingo qualquer na vizinhança.
Quando o sol vai caindo, um grupo estranho ao cotidiano do bairro se aproxima da esquina da rua Barra Funda com a Conselheiro Brotero. Eles param diante de um conjunto de casarões do início do século passado. No número 611 da rua Barra Funda, a porta de correr, delicadamente grafitada, se escancara para esta gente. São todos músicos. Aos poucos eles vão entrando no local. Lá funciona o Deep Bar, um pub ao melhor estilo britânico.
A casa se mantém dentro na quietude da vizinhança. Não trabalha aos domingos. Mas abriu as portas e suas torneiras de cervejas para receber um inédito encontro de tocadores de gaitas de fole. O instrumento, incomum por nossas bandas, é parte da música folclórica celta. E o pub da Barra Funda já tem uma tradição de reunir em suas mesas um grupo de jovens que curte a música celta. Toda última quarta-feira de cada mês, essa galera leva suas flautas, tambores, violino, bandolins e foles ao pub e passa a noite toda tocando e se divertindo.
O Deep Bar abriu suas portas em setembro de 2010. O sonho do empresário Fernando Souza era exatamente criar um lugar que não fosse apenas um bar temático, mas um lugar que revivesse, em terras paulistanas, a cultura dos pubs europeus. “Quis trazer para cá a música, o ambiente e a baixa gastronomia típicas desses bares estrangeiros que vi na viagem na Europa”, conta Fernando.
A proposta era fugir daquelas casas que, de pubs, só têm os produtos, a decoração e os nomes em inglês. A vontade de montar o pub surgiu após um mochilão que o empresário fez pela Europa. Souza acabara de sair de uma sociedade num bar do Bixiga e decidiu conhecer o Velho Continente. Ao voltar ao Brasil, a ideia já estava configurada em sua cabeça. Junto do pai, Ricardo Souza, montou a estrutura do negócio: uma rica carta de cervejas e um menu com o melhor da comida botequeira internacional.
Do menu, eu destaco o “malostranska” (R$ 22), um dogão nervoso, inspirado nos cachorros-quentes típicos da região da estação de metrô Malostranská, na cidade de Praga, República Tcheca. Já para aquele grupo de amigos mortos de fome, a pedida é o “Jack Tex-Mex”, farta porção que leva onion rings, batatas rústicas, buffalo wings e pork ribs por R$ 65. Também não faltam os hambúrgueres artesanais. O meu predileto é o burger de fraldinha (R$ 25). Tenro e saboroso, é uma boa para quem está sozinho.
Como a ideia dos proprietários era trazer o melhor da baixa gastronomia gringa, o cardápio tem bons destaques com sotaque internacional: a França é “prestigiada” com o clássico “croque madame” (R$ 25), Portugal é representado por uma apetitosa “alheira” (R$ 25). Ainda não posso esquecer do autêntico “currywurst” alemão (R$ 25).
Na pilotagem dessa rangueba toda está o haitiano Biford Bristol. Sempre bem-humorado, “Monsieur Biford”, como é chamado pelos amigos, era turismólogo em seu país, além de músico de reggaeton. Mas veio ao Brasil tentar dias melhores. Logo aprendeu a dominar a cozinha e adicionou um acento caribenho à gastronomia do bar.
Como “fish and chips” é sinônimo de comida de pub britânico, a iguaria feita pela casa não poderia deixar de levar atenção especial. A receita para empanar o peixe segue a tradição da cozinha irlandesa, graças às dicas do renomado chef irlandês Ronan Commins, que vira e mexe aparece por lá. Eles colocam um bocado de cerveja na massa que envolve o pescado. Verdadeiro pulo do gato utilizado pelos irlandeses! Seria um cat jump? Brincadeiras à parte, a técnica propicia uma massa fina e deixa o peixe crocante. A porção é individual e sai por R$ 32.
Pioneiro
Na trajetória do Deep Bar, um aspecto interessante dá conta sobre a coragem de Fernando e Ricardo Souza em investir no bairro. Nove anos atrás havia apenas pequenos botequins e comércios. Mas a certeza da aposta na região começou no batismo do pub. Deep Bar é brincadeira com a tradução de Barra Funda para o inglês.
Conheci o pub desde o seu início. Nas primeiras vezes que me sentei ao balcão eu pensava com minha caneca: quem é que vai vir aqui neste lugar deserto para tomar cervejas e comer laricas diferentes? À noite, assim como aos domingos, as ruas da Barra Funda são desertas. Um bar aqui, outro acolá. Movimento apenas das faculdades instaladas no bairro.
“Quando saímos da sociedade do bar no Bixiga tínhamos em mente abrir algo numa região central, mas longe de locais já badalados. Queríamos construir uma cena nova”, diz Fernando.
Se hoje a Barra Funda está na crista da onda, quando eles abriram o pub, em 2010, a realidade da região era completamente diferente da atual. O tradicional bairro junto aos trilhos era um patinho feio da noite paulistana. Se agora a Barra Funda está cheia de casas alternativas e badaladas, dez anos atrás, a pequena freguesia jamais atrairia um aclamado chef, como o boliviano Checho González. “A noite na Barra Funda teve grandes fases, mas, quando chegamos aqui, realmente havia poucas opções”, conclui Souza.
Com o tempo, o Deep Bar mostrou que sua vocação ia além da gastronomia e da bebida. É certo que eles contaram com o crescimento de consumidores de cervejas alternativas em detrimento das “cervejas de milho”, fenômeno que ocorreu na última década. Mas foi o ambiente íntimo, típico dos bares de bairro britânicos, que gerou empatia pela casa. O educador físico Marcos Salazar frequenta o Deep Bar há nove anos: “Aqui as pessoas interagem. Tem um ambiente de impessoalidade muito bacana. Você conhece novas pessoas, estabelece novas relações pessoais. Há um clima diferente de todos os outros pubs da cidade”, relata Salazar.
O sucesso da casa desmistificou alguns preconceitos acerca do bairro, que passou a ser visto com outros olhos por investidores, chefs, empresários e botequeiros. Que pese o encerramento de atividades de notórios clubes noturnos como o “CB” e o “Clash Club”, uma nova onda de casas alternativas e restaurantes conceituais se espalhou pela Barra Funda nos últimos anos: “A Dama e os Vagabundos”, “Dali Daqui Bar”, “Central Caos”, “Mescla”, “Capivara” e “A Baianeira” são apenas alguns dos bons nomes que chegaram para ficar no bairro.
Guinness da Barra Funda
“Fernando, tem aquela Guinness da Barra Funda?” pergunta do balcão o administrador de empresas e cervejeiro caseiro Eduardo Pezinho. Ele é cliente do pub desde sua criação. Pezinho sai de sua casa na Vila Medeiros (zona norte) só para curtir as cervejas do local e se reunir com amigos. A cerveja pedida por Pezinho se chama na verdade Cirkus Monga (R$ 19 a caneca de 475 ml), e é do mesmo tipo da cultuada cerveja irlandesa, uma “irish dry stout”. Um dos grandes sucessos da casa, a “Guinness da Barra Funda” recebe elogios até de um grupo de irlandeses que frequenta a casa.
Fernando e Ricardo começaram a fabricar artesanalmente cerveja em 2012. Tudo experimental, apenas para os amigos. A brincadeira deu certo. A turma pediu para que colocassem as cervejas nas torneiras da casa. Assim passaram a produzir como “cervejaria cigana”, que consiste em alugar a linha de produção de uma cervejaria certificada e fabricar sua própria receita em larga escala e com os requisitos exigidos pelo governo para comercialização. Hoje, a Cirkus produz 400 litros de cervejas por mês, de vários tipos, e dá tom nas noites do Deep Bar.
Deep Bar - R. Barra Funda, 611, Barra Funda. Tel. (11) 4304 0611. De terça a sábado, das 18h30 às 1h.
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