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Bate-Papo na Web
Descrição de chapéu maternidade

Precisamos falar sobre a 'mãe narcisista'

Como diferenciar casos patológicos de relacionamentos simplesmente difíceis

scaliger - Fotolia
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Alessandra Kormann

Há uma onda na internet sobre a chamada "mãe narcisista". São milhares de posts com vídeos, textos e imagens com frases de apoio, além de inúmeros grupos em que se discute como sobreviver a uma mãe com esse transtorno de personalidade.

Catalogado no "Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais", o TPN (transtorno de personalidade narcisista) se caracteriza por um padrão persistente de sintomas, como uma sensação exagerada da própria importância, necessidade de admiração constante e falta de empatia.

Também estão presentes elementos como preocupação excessiva com aparências, inveja e manipulação dos outros para benefício pessoal, entre outros.

Fazendo uma busca por "mãe narcisista" nas redes, é impressionante a quantidade de pessoas que dizem ter identificado que a mãe sofre desse transtorno e como a vida é difícil por causa disso. Mas será que não está havendo uma banalização do termo? Como reconhecer se é um caso realmente patológico ou simplesmente um relacionamento familiar complicado?

"Qual mãe numa TPM, depois de uma briga com o marido, num dia ruim, não foi errada, equivocada, ‘mãe bruxa’? O que precisa lembrar é o seguinte: como qualquer patologia, você precisa de um conjunto de sintomas. Não vale a mãe estar ocupada com coisas dela num dia, irritada com coisas do filho em outro, alheia por qualquer motivo, pra ser chamada de mãe narcisista.

É um comportamento reincidente, toda essa soma de sintomas, maldades e vieses que são constantes, frequentes, para ser diagnosticada como algo patológico", explica Lúcia Rosenberg, psicoterapeuta junguiana e autora do livro "Cordão Mágico – Histórias de Mãe e Filhos" (Ed. Ofício das Palavras).

"Em psicanálise utilizamos o termo ‘patologias narcísicas’ quando nos referimos a pacientes muito regredidos psiquicamente, pessoas cujo desenvolvimento emocional foi prejudicado por falhas excessivas nos seus cuidados no início da vida", diz a psicanalista Marcia Bozon, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.

"Essa é uma questão muito complexa, não se pode simplesmente culpabilizar a mãe, como se ela não priorizasse a criança intencionalmente. Às vezes uma mulher não tem nenhum transtorno e, por alguma razão, naquele momento de vida em que ela engravida, está despreparada, desprotegida, e pode ter um desencontro com o bebê. E pode não ser só por ela, pois a criança também responde de determinada forma. A relação mãe-bebê é um encontro, que pode ou não ser bem-sucedido e depende de vários fatores."

O fato é que na internet se encontram verdadeiros check lists de "diagnóstico" da mãe narcisista, com listas incrivelmente extensas, com características como dona da verdade, perfeccionista, não pede desculpas, não cumpre o que promete, coloca suas necessidades em primeiro lugar, não respeita a privacidade, guarda rancor, autoestima frágil, provoca brigas etc. Quem é que não pode atribuir à própria mãe pelo menos algumas das "qualidades" dessa lista?

É claro que mães narcisistas existem e podem produzir danos graves no desenvolvimento da personalidade dos seus filhos. Há casos de abandono emocional, agressões físicas e morais constantes e até ameaças de morte.

Segundo o já citado "Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais", o transtorno pode atingir até 6,2% da população norte-americana (homens e mulheres, não só mães). Mas será que classificar a mãe nessa caixinha com base apenas em informações da internet não pode piorar ainda mais relações que são difíceis e podem não se enquadrar nesse transtorno?

Há até uma página no WikiHow sobre "Como sobreviver com uma mãe narcista", com dicas como "faça o que for necessário para obter cura, nem que isso signifique abandonar quase que completamente o contato com sua mãe sem olhar para trás".

Em casos extremos, pode realmente ser necessário. Mas como fica a cabeça de um adolescente, em conflitos naturais da idade com sua mãe, ao ler essas recomendações na internet?

"Tudo que um adolescente de 13, 14 anos quer é demonizar a mãe. Eles já culpam a mãe por tudo. Acho, sim, perigoso", afirma a terapeuta Lúcia, que deu a palestra "Em busca da intimidade familiar" no Tedx Talks. "Os rótulos dificultam a permeabilidade da transformação."

Em artigo recente na Folha, a psicanalista Vera Iaconelli aponta ainda um componente machista nessa classificação. "Elevar o termo ‘mãe narcisista’ a uma categoria pretensamente diagnóstica é a cereja do bolo da injustiça contra as mulheres. Fato, no entanto, bem compreensível, pois muitos pais sequer estão lá para receber algum adjetivo negativo", escreveu a doutora em psicologia pela USP.

Enfim, quem sofre com um relacionamento difícil com a mãe deve sim tentar procurar as causas, refletir sobre o assunto e buscar ajuda. Mas ajuda profissional, não apenas em grupos na internet e redes sociais.

Como todo mundo sabe (ou pelo menos deveria saber), automedicação é um perigo para a saúde física. Com a saúde mental é a mesma coisa, não é na internet que se faz diagnóstico e se encontra a cura.

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Alessandra Kormann é jornalista, tradutora e roteirista. Trabalhou sete anos na Folha.
Desde 2005, é colunista do Show!, do jornal Agora.

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