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Cinema e Séries
Descrição de chapéu The New York Times Filmes

Como George Clooney e Julia Roberts viraram Tracy e Hepburn da nossa era

'Ingresso para o Paraíso' e outros filmes usam o glamour e a química da dupla

George Clooney e Julia Roberts no filme

George Clooney e Julia Roberts no filme "Ingresso para o Paraíso" Divulgação

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Jason Bailey
The New York Times

Eles só dividem a tela 49 minutos depois do começo de seu primeiro filme juntos, e a conversa não é amigável. Ela está esperando seu namorado, mas a mão que toca seu ombro pertence a seu ex-marido, e as primeiras palavras que ela lhe diz ("o que você está fazendo aqui?") vêm carregadas de uma mistura de choque e raiva residual. A irritação não demora a aflorar; há fogo nos olhos dela, o suficiente para atenuar o brilho nos olhos dele. "Você não está usando a aliança", ele observa.

"Eu a vendi", ela rebate, feroz. "Não tenho marido, ou você não recebeu os papéis?"

"No meu último dia na prisão", ele retruca.

"Pois é, eu disse que escreveria".

A primeira cena de Julia Roberts e George Clooney juntos, na refilmagem de "Onze Homens e um Segredo" por Steven Soderbergh, em 2001, dura menos de cinco minutos no total, mas está repleta de farpas e pronunciamentos, insultos e recordações sarcásticas, retomadas de antigas discussões e (pelo menos para ele) lampejos de saudade. Tess (Roberts) é o motivo pelo qual Danny Ocean (Clooney) reuniu a equipe que dá título ao filme, a fim de roubar três cassinos de luxo em Las Vegas —todos os quais propriedade de Terry Benedict (Andy Garcia), o atual namorado de Tess. (Quando Danny é apresentado a Terry, ele mexe nervosamente em sua aliança, talvez por distração, talvez deliberadamente.) O lucro da operação é imenso, mas isso importa pouco para Danny; como ele diz à ex-mulher naquela primeira conversa irritadiça, "estou aqui por sua causa". Assim, Danny e Tess, e portanto Clooney e Roberts, precisam gerar calor e química suficientes, sob a superfície áspera de seu diálogo, para justificar tudo mais que acontece no filme. É uma pedida complicada. Mas os dois realizam a tarefa sem o menor esforço.

"Nossas cenas são realmente divertidas", explicou Clooney na época, "porque elas são como um velho filme de Howard Hawks, com os dois se atacando sem dó e nenhum dos dois saindo por cima. E é exatamente assim que deveria ser". Roberts concordou com a avaliação. "É um diálogo muito aguçado e exigente, como um filme da década de 1940".

Essas referências ao passado de Hollywood não surgem por acidente. Há anos, Clooney vem sendo descrito como um dos últimos astros de cinema da velha escola. Como disse Tom Carson na revista GQ, em 2007, "ele é astuto, viril, alegre, e a câmera o ama com a devoção de um garçom que corre para a mesa para acender o charuto de um bilionário".

Roberts, com seu sorriso de um milhão de dólares, voz rouca e vasta cabeleira ruiva, também faz lembrar as estrelas da era dos grandes estúdios de cinema. O roteirista e diretor Richard Curtis disse à revista Vanity Fair que baseou a personagem de Roberts em "Um Lugar Chamado Notting Hill" em Grace Kelly e Audrey Hepburn, "nenhuma das quais estava disponível para o papel". Que Roberts tenha sido capaz de ocupar um papel concebido para estrelas de tamanho brilho é uma prova do poder de seu charme, que parece vir de outra era.

Porque ambos têm esse brilho das estrelas de cinema do passado, pela maneira como suas colaborações periódicas complementam suas carreiras solo estelares, e pelo relacionamento afetuoso que existe entre os dois fora das telas, fica muito claro que Clooney e Roberts se tornaram, discretamente, o Spencer Tracy e Katharine Hepburn de nossa era. E a mistura distinta de atração sexual sufocada e exasperação passageira que Hepburn e Tracy exploraram em "A Mulher Absoluta" (1952) e "A Mulher do Dia" (1942), e que torna as cenas de Clooney e Roberts em "Onze Homens e um Segredo" tão elétricas, está de volta com força total em seu novo trabalho juntos, "Ingresso para o Paraíso".

Eles voltam a interpretar um casal divorciado, embora desta vez não tão recentemente quanto Danny e Tess. David (Clooney) e Georgia (Roberts) se separaram depois de cinco anos de casamento, mas mantiveram contato porque precisavam cuidar de sua filha, Lily (Kaitlyn Dever), agora adulta; isso lhes deu todo o tempo do mundo para afiar suas queixas e aperfeiçoar seu desempenho na agressão passiva dupla. Por exemplo: David, expressando dúvidas sobre os planos da filha de viajar depois da pós-graduação, apela a Georgia: "Só desta vez, você poderia tomar o meu partido". Ela nem hesita antes de responder: "É, poderia, mas se fizesse isso eu estaria errada também".

É claro que essa é uma comédia romântica de grande orçamento, e por isso o gelo entre eles vai começar a mostrar rachaduras, e por fim derreter. A alegria de "Ingresso para o Paraíso" não vem de seu enredo previsível ou roteiro quase invisível; vem de vê-los juntos, de observar como as faíscas ainda voam, e (quando os dois antigos amantes se embebedam e baixam a guarda, ou durante as cenas cortadas que acompanham os letreiros finais), testemunhar os momentos de improviso em que os dois se fazem rir. O prazer que eles sentem em companhia um do outro, tanto em seus papéis quanto fora deles, é contagiante.

Esse lado brincalhão também está presente em sua relação fora das telas. Embora não tão romântica quanto a de Hepburn e Tracy, ela também capturou a atenção do público e da imprensa de cinema. Os dois trocam elogios e insultos brincalhões, em entrevistas e em eventos públicos, uma tradição que remonta a antes mesmo do lançamento de seu primeiro filme. Em um jantar de homenagem a Roberts em março de 2001, Clooney definiu a amiga como "uma confidente —alguém a quem posso telefonar dia e noite, e saber que ela vai pedir que o assistente retorne a ligação". Em troca, Roberts esvazia facilmente a persona de Clooney como uma espécie de Clark Gable moderno, definindo-o como "um ótimo cara, maravilhoso, mas meio bobão. O fato de que consiga esconder isso quando a câmera está rodando é um de seus truques mais engraçados. Diante da câmera, ele se torna muito charmoso e suave, quando na realidade não é assim que ele é".

Eles voltaram a trabalhar juntos, e rapidamente —no ano seguinte a "Onze Homens e Um Segredo", Roberts estrelaria "Confissões de Uma Mente Perigosa", o primeiro filme de Clooney como diretor, embora os dois não tivessem cenas juntos. E ainda assim, ao escalar Roberts como uma "femme fatale" de coração gélido, um papel muito diferente do seu usual, o de namoradinha da América, Clooney a ajudou a interpretar uma de suas personagens mais complicadas e ardilosas.

Eles voltaram a se reunir na tela em "Doze Homens e Outro Segredo", dois mais anos mais tarde. Danny e Tess estão casados de novo e desfrutando da felicidade do lar em Connecticut (embora a primeira cena em que ele aparece o mostre avaliando uma joalheria e um banco locais como alvos, sempre em busca da emoção do crime), antes de ele viajar ao exterior com a velha gangue. Mas dessa vez ela participa da trama (o que explica o "Doze" no título), criando uma cena em um museu para distrair os seguranças, tirando vantagem, de sua semelhança com... Julia Roberts.

O tempo de tela que eles têm juntos de novo é limitado a algumas cenas curtas, mas quando ele coloca seus braços algemados ao redor do pescoço dela para beijá-la e pedir perdão, despertando o largo sorriso que é a marca registrada da atriz, os fogos de artifício são ensurdecedores.

A colaboração seguinte entre eles, no thriller dramático "Jogo do Dinheiro" (2016), foi mais uma amostra de coleguismo do que de romance. Clooney é um jornalista financeiro de TV, ao estilo de Jim Cramer, e Roberts é sua venerável diretora; o diálogo deles gira em torno do trabalho, e os dois compartilham do jargão, da taquigrafia e da troca bem humorada de insultos que caracterizam duas pessoas que trabalham (e só trabalham) juntas há muito tempo. Os diálogos convencionais entre eles são poucos; a maior parte do filme, no qual um homem armado toma Clooney como refém durante um programa ao vivo, mostra Roberts transmitindo instruções e recomendações a ele pelo fone de ouvido. Mas o filme termina com Clooney beijando Roberts no topo da cabeça, um gesto amistoso de respeito e afeição.

A ternura genuína que existe entre eles, e que sustenta até mesmo suas mais tensas interações, é, afinal de contas, aquilo que torna memorável seus trabalhos conjuntos. Quando chega o momento inevitável de cruzar o Rubicão do romance, em "Ingresso para o Paraíso", a maquinaria do roteiro e a natureza rebuscada do momento não importam –os dois são capazes de simplesmente trocar um olhar e expressar o sentimento que existe entre seus personagens. Não estamos só vendo duas pessoas de excelente aparência trocando olhares amorosos. Como espectadores de longa data, estamos trazendo nossas próprias recordações afetivas e conotações de cultura pop para aquela interação.

O que dá forma ao filme inteiro é a simples ideia de George Clooney e Julia Roberts juntos, e tudo que eles representam: glamour, beleza, malícia e o deleite imutável de que compartilhamos ao vê-los.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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