Cenas da primeira temporada da série 'A Idade Dourada', da HBO Max Divulgação/HBO

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The New York Times

Christine Baranski ainda se lembra da fatídica noite da cerimônia de entrega do Emmy em 2012, quando ela estava sentada perto de algumas das estrelas da série britânica "Downton Abbey", um drama de época sobre a vida em uma mansão na Inglaterra rural no começo do século 20.

Baranski, que estava disputando o prêmio de melhor atriz coadjuvante por "The Good Wife", saiu sem prêmio. A ganhadora foi uma de suas rivais no elenco de " Downton Abbey ". Ela recorda que "estava concorrendo contra a inimitável Maggie Smith, e minha impressão era de que tinha chance nenhuma de ganhar".

Mas em uma festa, naquela noite, Baranski foi apresentada a Julian Fellowes, o criador de " Downton Abbey ". A atriz tinha ouvido falar que ele estava trabalhando em uma nova sequência para a série, e aproveitou a oportunidade para elogiar o trabalho dele.

"Eu vivia verde de inveja, vendo todos aqueles atores fabulosos, com aquelas roupas fabulosas, fazendo uma série de época", ela disse. "E ficava pensando: por que será que os atores americanos não têm esse tipo de oportunidade?"

Uma década mais tarde, Baranski e um elenco de dezenas de atores receberam a oportunidade que procuravam, em "A Idade Dourada", um novo drama de época criado por Fellowes que está disponível na HBO Max.

Embora não seja uma continuação direta de "Downton Abbey", a nova série é outra história de época abrangente, produzida em estilo igualmente suntuoso e passada na Nova York da década de 1880, em meio aos conflitos entre as famílias endinheiradas tradicionais e os novos ricos.

No episódio de estreia, "A Idade Dourada" acompanha uma jovem, Marian Brook (Louisa Jacobson) e sua nova amiga Peggy Scott (Denée Benton) à casa das tias ricas de Brook em Manhattan, Agnes van Rhijn (Baranski) e Ada Brook (Cynthia Nixon).

Lá as duas amigas se veem arrastadas pelos modos glamorosos e costumes implacáveis da vida das classes altas nova-iorquinas, e pela rivalidade entre suas tias aristocráticas e um casal de arrivistas endinheirados, George e Bertha Russell (Morgan Spector e Carrie Coon), que acabam de construir uma mansão do outro lado da rua.

"A Idade Dourada" reproduz todo o luxo e os valores de produção que valeram fama a "Downton Abbey" –cenários suntuosos e figurinos extravagantes, além de um elenco estrelado. E também carrega o prestígio de Fellowes, que venceu dois Emmys por "Downton Abbey" e um Oscar como roteirista por "Assassinato em Gosford Park".

Mas "A Idade Dourada" chega depois de um processo de desenvolvimento complicado, durante o qual a série se transferiu da rede NBC para a HBO, e teve sua produção postergada por causa da pandemia. A série representará um teste sobre se os espectadores correrão para a HBO em busca de um drama de época ao estilo de "Downton Abbey", e determinará se a série original representou um sucesso isolado ou é um fenômeno passível de repetição.

Fellowes, que escreveu as seis temporadas de "Downton Abbey" (com a ajuda de outros roteiristas em um par de episódios) e as duas continuações da série para o cinema, sabe que há muita coisa em jogo, embora ele prefira ver a situação como um reflexo do sucesso descomunal de "Downton Abbey".

"As pessoas só não têm expectativas a seu respeito se você só tiver escrito fracassos", ele disse em entrevista. "Eu prefiro ter o grande sucesso e depois descobrir se sou capaz de sobreviver a ele".

Na sua pesquisa e no texto de "Downton Abbey", Fellowes explorou o fenômeno das chamadas "princesas do dólar" –herdeiras americanas endinheiradas com quem aristocratas europeus empobrecidos se casavam para escorar suas fortunas declinantes, nos séculos 18 e 19.

Isso levou Fellowes a ler mais sobre as grandes dinastias americanas como os Vanderbilt, Astor e Gould, e sobre o boom financeiro que surgiu nos Estados Unidos depois da guerra civil.

"As fortunas cresceram muito, os homens se tornaram mais poderosos e tudo estava fervilhando", explicou. Não mais satisfeitos com imitar a nobreza europeia, esses barões do capitalismo começaram a gastar seu dinheiro "ao modo americano", disse Fellowes. "Não se limitavam a comprar casas de campo em terrenos de 16 mil hectares –construíam imensos palácios quase encostados às mansões dos vizinhos".

Mas só os homens tinham direito a ter carreiras e a participar da política. Nas palavras de Fellowes, "as mulheres fortes, imaginativas e inventivas tinham de encontrar uma maneira de fazer com que as coisas acontecessem para elas" –ao inventar uma alta sociedade implicitamente hierárquica.

Essa história se tornou a base de "A Idade Dourada", que a NBC encomendou a Fellowes em 2012, um momento em que "Downton Abbey" já tinha se tornado sucesso mundial. Outros seis anos se passaram antes que a NBC anunciasse uma data para a estreia da série, em 2019. Mas quando o segundo trimestre de 2019 chegou, em lugar da estreia veio a notícia de que a HBO assumiria a responsabilidade pela produção.

Pearlena Igbokwe, presidente do Universal Studio Grou, disse que "A Idade Dourada" era um projeto cobiçado na NBC, onde ela foi diretora de desenvolvimento de séries dramáticas. Mas foram necessários alguns anos para que Fellowes terminasse de cumprir suas responsabilidades com relação a "Downton Abbey" e, quando os roteiros dele para "A Idade Dourada" começaram a chegar, disse Igbokwe, "o escopo e ambição do projeto eram verdadeiramente épicos".

"Era fantástico, mas também uma produção realmente grande", ela disse. "A rede decidiu que não queríamos restringir a visão de Julian de maneira alguma, mas não sabíamos se tínhamos apetite por aquele tipo de visão".

Outras redes expressaram interesse por "A Idade Dourada", entre as quais a HBO, na época comandada por Robert Greenblatt, depois vice-presidente de entretenimento da WarnerMedia, que tinha assinado o contrato original para a série na NBC quando comandava a divisão de entretenimento da rede. (Ele mais tarde deixou a WarnerMedia e criou uma produtora.)

Casey Bloys, vice-presidente de conteúdo da HBO e da HBO Max, disse que dramas de época suntuosos "podem ter um custo mais alto do que uma rede de TV aberta é capaz de bancar". Mas a HBO estava disposta a bancar "A Idade Dourada", em uma coprodução com a Universal Television. (Bloys se recusou a comentar sobre o orçamento da série, limitando-se a dizer que "sempre que você faz uma série de época, cobrir com perfeição os detalhes do período inevitavelmente sai caro".)

Bloys disse que a história tinha um tom atemporal que se enquadra à filosofia de programação da HBO. "Gostamos de séries que comentam sobre alguma coisa e, para o bem ou para o mal, estamos vivendo uma nova Idade Dourada", ele disse. "Voltamos a ter barões saqueadores. Assim, de alguma forma é inacreditável que tenhamos retornado a esse ponto, mas foi isso que acabou acontecendo".

Fellowes disse que estava satisfeito por "A Idade Dourada" ter ido parar na HBO, e se descreve como fã de séries de sucesso da rede, como "Succession" (ainda que, pelo menos até dezembro, ele só tivesse visto a primeira temporada, "porque não consegui fazer com que meu computador me deixasse assistir a segunda"). A transição da NBC para a HBO foi "toda muito amistosa e cooperativa", ele disse.

Quando a formação do elenco começou, Baranski e Nixon (de "And Just Like That...") assinaram para interpretar as tias rabugentas da série, que têm ideias conflitantes sobre a estrutura da sociedade. Da forma como Nixon descreve as personagens, "Agnes é alguém que acredita que a palavra da lei é absoluta. Ada acredita que o espírito da lei nem sempre está certo em todos os detalhes, e ela a contorna sempre que pode".

(Baranski disse, sobre sua personagem, que "ela é uma esnobe maravilhosa, mas quem não gostaria de interpretar uma esnobe escrita por Julian Fellowes?")

Os cenários para a série foram construídos em estúdios localizados em Long Island, e incluem os inúmeros aposentos da mansão dos Russell, decorados com tecidos e padrões de época, feitos por algumas das mesmas companhias europeias que produziram os originais no século 19.

Um cenário para externas construído no Museum of American Armor, que fica nas imediações, em Old Bethpage, Nova York, abriga as imponentes edificações e interiores opulentos que recriam, juntos, uma parte do East Side de Manhattan no século 19. (A série também usa locações em Troy, Nova York, e em Newport, Rhode Island.)

Bob Shaw, o designer de produção de "A Idade Dourada", disse que, comparada a séries anteriores da HBO nas quais ele trabalhou, entre as quais "Família Soprano" e "Boardwalk Empire", a nova produção "teve as maiores construções de cenários que já fiz".

"Nós desenhávamos sem parar, apresentávamos ilustrações e eles aprovavam tudo", disse Shaw. "Alguém desenha uma escadaria monumental e a expectativa é de que nos perguntem quantas vezes os personagens vão subir e descer aqueles degraus, durante a série. Mas isso não aconteceu".

Os membros do elenco foram instruídos a ler romances de Edith Wharton e Henry James, em preparação para as gravações, e receberam lições sobre a história, etiqueta, dicção e costumes sociais da Idade Dourada.

"A cultura dos cartões de visita era uma dança complicada e delicada", disse Jacobson. "Se você fosse à ópera e encontrasse uma dama de sociedade junto a quem desejasse manter sua estatura, era preciso deixar um cartão de visita em sua casa. Como se estivesse dizendo, ‘ei, quero conviver com você –quero que você goste de mim’".

"Era como o Instagram", disse ela. Mas quando a gravação estava para começar, em março de 2020, o início da pandemia forçou um adiamento por meses. "Era como se fôssemos lançar um transatlântico e de repente nos dissessem que, calma lá, precisamos voltar ao cais", disse Baranski. "Foi dolorido".

O atraso custou à série uma de suas estrelas, Amanda Peet, que teve de abandonar o projeto por conta de conflitos de agenda. Ela foi substituída por Coon ("The Leftovers"), que assumiu o papel de Bertha Russell, uma personagem semelhante a Alva Vanderbilt, que descobre que a riqueza que sua família adquiriu recentemente não lhe vale uma posição na hierarquia social nova-iorquina.

Coon disse que o esnobismo com que Bertha é tratada pelo menos dá uma dimensão simpática à sua combativa personagem. "A simpatia surge do senso de justiça de todos", ela disse. "Preferimos o mito da meritocracia à regra arbitrária da exclusão". Falando da perspectiva de sua personagem, ela acrescenta que "o mundo pode não ser justo, mas você deveria ter pelo menos o direito de comprar um lugar nele".

O longo hiato e a retomada gradual da produção também permitiram que membros do elenco como Benton (indicada ao Tony por "Natasha, Pierre & the Great Comet of 1812") buscassem refinamentos em seus papéis para refletir melhor sua compreensão da história.

Benton disse que insistiu com a equipe de criação de "A Idade Dourada" para que a série encontrasse outras maneiras de mostrar que existiam pessoas como sua personagem, Peggy, que vivia em uma comunidade afluente e de nível educacional elevado.

"O coração e a intenção quanto a Peggy continuaram os mesmos", disse Benton, cuja personagem é uma escritora iniciante. "Mas eu questionava se não existia uma oportunidade, ali. Por que Peggy precisa trabalhar para uma editora branca? Havia jornais negros maravilhosos naquela época. Alguém considerou isso?"

Benton disse que um processo colaborativo levou a mudanças nos personagens e nas histórias, "embora isso não tenha acontecido do dia para a noite". Ela acrescentou que "tenho certeza de que houve alguns resmungos e algumas mudanças realizadas a contragosto, mas chegamos lá".

Bloys, o executivo da HBO, disse que "sempre tentamos garantir que um trabalho de época pareça autêntico". Ele acrescentou que, no caso de Peggy, "nós queríamos garantir que ela fosse plenamente desenvolvida e historicamente acurada".

Essas mesmas aspirações de autenticidade tornavam necessários os rituais diários adotados pelos atores para vestir os complicados e restritivos figurinos de época.

Isso se tornou um fardo especial para Coon, que estava grávida de oito meses no final das gravações de "A Idade Dourada". "Chegou um momento em que eu não podia mais usar o espartilho", ela disse. "Se você reparar, perceberá que há cenas em que alguns cavalos passam pela frente da câmera e em que eu mexo meus braços para esconder a barriga".

Ela admitiu que, se você está tentando personificar a elite de Manhattan no século 19, estar envolto no luxo ajuda. Os vestidos, chapéus e laços extravagantes "fazem metade do trabalho para você", quando chega a hora de incorporar a personagem, e os cenários requintados como os da imensa mansão Russell tornam mais fácil expressar o senso de privilégio que a riqueza extrema pode trazer.

"Como tentar não ocupar espaço em uma sala como aquela, quando você tem essa oportunidade?", disse.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci. 

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