Alia Shawkat Josefina Santos - 8.dez.21/The New York Times

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The New York Times

Desde que Alia Shawkat, 32, começou a fazer o papel de Dory Sief, a protagonista sempre em perigo de "Search Party", a atriz vem sendo colocada em teste repetidamente. Nas primeiras quatro temporadas dessa série de humor sombrio, Dory perseguiu obsessivamente uma mulher que acreditava, erradamente, estar desaparecida; sofreu chantagem; cometeu um homicídio; foi colocada em julgamento; foi sequestrada, mas escapou e terminou voltando voluntariamente para o sequestrador.

Agora, com o início da quinta temporada de "Search Party", Shawkat está encarando um novo desafio: o de se despedir. "Search Party", cujos episódios finais saíram no início do mês, nos Estados Unidos, pela HBO Max, evoluiu de uma sátira escrachada ao narcisismo juvenil para uma série inesperadamente intrincada e barroca, que tem liberdade para seguir sua inspiração por alguns corredores bem escuros.

Ao longo do caminho, Shawkat também evoluiu: de uma atriz coadjuvante eficiente, em comédias inovadoras como "Arrested Development" e "Transparent", para alguém capaz de ocupar o papel central em uma série. Como ela disse recentemente, "participei de outros programas que eram ótimos, mas nos quais fazíamos a mesma coisa a cada ano. É raro poder fazer uma série que dá passos tão grandes a cada temporada".

Contemplando sua experiência na imprevisível "Search Party", Shawkat percebe que existe uma visão maior em jogo. Também reconhece algumas lições pessoais nos problemas que Dory enfrenta, e que ela descreve como uma narrativa sobre "o quanto você pode se desesperar e os extremos a que pode ir –todas as diferentes versões de você mesmo que você experimentará ser para determinar qual delas persiste".

E, pelo menos até o limite que uma série como "Search Party" permite, Shawkat está encarando com emoção sua despedida da série, de seu elenco de personagens absurdos, e do retrato daquilo que ela define como uma "dinâmica milênio" disfuncional: a de sentir lealdade para com "amigos de universidade que você odeia, mas mesmo assim encontra toda semana", e ao mesmo tempo se sentir aprisionada por "velhas amizades e velhas versões de você mesma. Será que alguém continuará a gostar de mim se eu lhes mostrar quem realmente sou?"

Falando da perspectiva de Dory, ao menos, Shawkat disse que era normal querer deixar para trás o velho grupo de amigos muito próximos, e igualmente normal se sentir conectada a eles. "Aquelas pessoas, elas talvez não sejam boas para mim, mas mesmo assim precisam ser minhas amigas", disse a atriz. "Existem traumas compartilhados. Eles mataram pessoas juntos. E isso os acompanhará por muito tempo".

Em uma visita a Nova York no mês passado, antes da disparada da variante ômicron, Shawkat chegou para o almoço em um café do bairro de NoHo usando um grande gorro de lã, para abrigar seus volumosos cachos, e trazendo um grande estoque de histórias afetuosas sobre as origens humildes de "Search Party".

Relembrando a gravação do episódio piloto, quase sete anos atrás, ela disse que "nós rodamos como se fosse um filme independente, gravando cenas no metrô sem autorização e usando nossas roupas como figurino. E eu achava que aquela história era muito boa, mas nunca seria produzida".

Os roteiristas e diretores Charles Rogers e Sarah-Violet Bliss ("Fort Tilden – Duas Amigas no Verão de Nova York"), que criaram "Search Party", com Michael Showalter ("Os Olhos de Tammy Faye"), disseram que quando estavam procurando a atriz para o papel de Dory, Shawkat se destacou como alguém que traria credibilidade e prestígio, com seu currículo televisivo, incluindo as temporadas em que trabalhou em "Arrested Development" e uma passagem de um episódio como cópia carbono de Ilana Glazer em "Broad City".

"Alia se saiu muito melhor do que esperávamos", disse Bliss. "O humor da série estava no texto, mas quando imaginei a personagem, ela não era tão segura de si. O que Alia trouxe foi inteligência e maturidade –o trabalho dela fez da personagem uma pessoa centrada, real".

Shawkat disse que chegou para uma reunião preliminar com os criadores da série e seus colegas de elenco (entre os quais John Early, Meredith Hagner e John Reynolds, que interpretam o trio de amigos leais mas egoístas de Dory) se sentindo muito séria, e trazendo um roteiro repleto de anotações.

Com o prosseguimento da produção, ela começou a sentir uma sensação de conexão cada vez mais profunda com seus colaboradores. "Eles criaram diálogos muito especificamente para as nossas vozes", ela disse. "Ficamos ligeiramente surpresos e muito felizes com o resultado da primeira temporada. Nossa esperança era a de termos encontrado um novo tom".

Quando a primeira temporada estreou, em 2016 na TBS, "Search Party" atraiu alguns elogios da crítica mas audiência modesta; Shawkat acha, além disso, que a série sofreu devido ao excesso de comédias que zombavam dos hábitos dos hipsters nova-iorquinos, depois de "Girls".

"Eu reclamava que ninguém tinha ouvido falar de ‘Search Party’", disse Shawkat. Desde a época em que trabalhou em "Arrested Development", ela disse que sempre teve dificuldade para deixar de lado a mentalidade de que suas séries não recebem o respeito merecido. "Minha sensação é a de só trabalhar em programas que só vêm a ser apreciados quando já saíram do ar. Isso sempre me incomodou".

Houve um intervalo de quase três anos entre a segunda e a terceira temporadas de "Search Party", quando a série se transferiu da TBS para a HBO Max. Mas o programa jamais vacilou em seus esforços para combinar comédia e horror noir –uma confiança que os criadores da série dizem derivar da fé que têm em sua estrela.

"Não teríamos levado Dory a todos os lugares a que a levamos se Alia não tivesse conseguido dar a ela tantas camadas e frequências distintas", disse Rogers.

Ele recorda um dia na temporada quatro em que Shawkat gravou uma cena na qual Dory tem a oportunidade de escapar do porta-malas de um carro na qual seu raptor (Cole Escola) a trancou, mas escolhe em lugar disso voltar para dentro dele.

"Era um dia congelante", disse Rogers. "Estávamos em um posto de gasolina, e em uma tomada ela sai do porta-malas –chorando, tremendo, crua, primal– e em seguida pula de volta para dentro. E nós, assistindo, pensamos: é isso. É como se aceitássemos sem nem pensar duas vezes que temos uma atriz insanamente dinâmica".

Shawkat disse que sua trajetória naquela temporada não lhe pareceu tão apavorante assim quando Bliss e Rogers a descreveram originalmente. "Mas é claro que eles começaram me contando que eu estava em casa, na ensolarada Los Angeles", ela disse. "E eu respondi, ‘que bom, parece ótimo’".

Depois de completar os episódios, porém, "meu corpo claramente estava passando por um estranho trauma", disse Shawkat. "Eu sei que aquilo tudo é falso –não sou uma atriz do método– mas, mesmo assim, aquele ano foi duro".

No entanto, Shawkat disse que sentia a obrigação de se dedicar totalmente à personagem e oferecer a "Search Party" uma base de realismo, para contrastar com as desventuras ainda mais absurdas, se bem que menos cataclísmicas, dos personagens coadjuvantes. "Dory tinha de ser a pessoa mais centrada –às vezes sinto que é isso que preciso deixar claro, para que a comédia possa voar".

Early, que interpreta Elliott, um amigo de Dory notável pelo humor ferino, disse que Shawkat era "a maior responsável pela coerência emocional que carrega o telespectador com ela na série". "Eu basicamente apareço na tela e grito", disse Early. "Alia precisa dar os saltos que a série arrisca, emocionalmente. E tem que usar seu rosto para garantir que eles façam sentido".

(A quinta temporada da série, garantiram os dois atores, não é tão brutal quanto anos anteriores. "É como uma viagem de ácido –as coisas são meio loucas", disse Shawkat. "Nunca a vi mais engraçada ou mais livre", disse Early, sobre o desempenho da colega.)

Shawkat está começando a encontrar outros papéis substantivos e de destaque, fora de "Search Party". Ela interpreta Madelyn Pugh, uma das roteiristas de "I Love Lucy", em "Being the Ricardos", cinebiografia da Amazon sobre Lucille Ball (Nicole Kidman) e Desi Arnaz (Javier Bardem).

O diálogo muito rápido do filme parece fazer de Shawkat uma escolha natural para o papel, mas ela diz que o trabalho foi intenso para ela de maneiras diferentes de suas interpretações na TV. "Javier Bardem entra no set e eu fico pensando comigo mesma que preciso manter a calma e não posso errar o diálogo", disse Shawkat. "Eu estava preocupada demais com não errar uma palavra que fosse. Foi divertido, não estou dizendo o contrário, mas uma experiência diferente".

Para seus colegas de elenco, Shawkat demonstrou uma aura de autoridade, Kidman disse que "ela é tão confiante, e tem um conhecimento intrínseco tão firme sobre comédia. Eu pensei comigo mesma que, ótimo, vou grudar nela porque ela sabe o que está fazendo".

Se você perguntar a Shawkat o que ela planeja depois de tudo isso, a resposta imediata da atriz é "nem sei se voltarei a trabalhar, honestamente".

Mas –oh, sim– ela está começando a planejar uma proposta para uma série em parte autobiográfica, "Desert People", centrada em uma jovem que, como Shawkat, cresce em uma família americana vinda do Oriente Médio, e que opera uma casa de strip-tease em Palm Springs.

"É sobre como uma filha lida com isso, sobre como ela chega a um entendimento sobre sua sexualidade", ela explicou. "Mas de uma maneira engraçada, acessível e excêntrica".

Shawkat, que trabalha como atriz desde a infância, disse que tende a vacilar quanto ao processo criativo. Às vezes se sente revigorada pela possibilidade de contar as histórias que sempre desejou ver contadas. "Eu e meus amigos nos entusiasmamos muito falando sobre isso", ela disse. "E eu sempre digo que a hora é agora, devemos fazer isso agora".

Em outros momentos, o número imenso de pessoas que participam de empreitadas como essas intimida um pouco. "É como uma sobrecarga de conteúdo, sabe?", ela disse. "Todo mundo agora diz que está fazendo uma série. E a pessoa para quem alguém diz isso responde que também está fazendo uma série. Às vezes penso que eu talvez devesse fazer uma peça de teatro no porão da minha casa".

O que quer que venha a acontecer em sua carreira a seguir, Shawkat tem memórias preciosas sobre o final de sua trajetória em "Search Party", que parecem muito emblemáticas com relação ao tempo que ela dedicou à série.

O último dia de gravações para o elenco aconteceu no terceiro trimestre, em Nova York, enquanto um temporal ameaçava cair sobre a cidade.

Naquele dia, disse Shawkat, "todos choramos e andamos pelo set juntos. Foi algo que pegou pesado para todos, aquele momento. Depois, pelo resto do dia, nós trabalhamos. Porque, afinal, tínhamos 12 horas de gravação por vir. E aí a tempestade caiu".

No tempo que lhes sobrou, Shawkat e seus colegas tomaram champanhe no trailer dela, o que pareceu um gesto suficiente. "Você sempre espera que as coisas terminem de alguma maneira poética, mas isso nunca acontece", ela disse. "E é até melhor que não aconteça".

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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