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A atriz Jillian Mercado Bethany Mollenkof/The New York Times

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Julia Carmel
The New York Times

Alerta: Contém spoiler da segunda temporada da série.

Em seus cinco anos de duração, “The L World” levou drama, romances lésbicos, e muitas, muitas, cenas de sexo às telas de televisão —um total de 111, para ser exato, mas quem está contando?

No entanto, Jillian Mercado, 34, a atriz e modelo que interpreta Maribel em “Generation Q”, versão repaginada da série original, jamais imaginou que participaria de uma dessas cenas de sexo. Ela tem distrofia muscular desde a infância, e era raro ver na TV qualquer ator com deficiências físicas.

Natural da região nova-iorquina do Bronx e descendente de dominicanos, Mercado estudou no Fashion Institute of Technology de Nova York e começou a ganhar fama como modelo em 2014, quando foi contratada para sua primeira campanha para a grife Diesel.

Depois disso, ela assinou com a agência de talentos Creative Artists Agency; criou a iniciativa Black Disabled Creatives, que beneficia criadores negros portadores de deficiências físicas; e entrou para o elenco de “Generation Q”, fazendo seu primeiro papel como atriz.

Embora a versão original de “L Word” não tivesse grandes personagens que não fossem lésbicas cisgênero (ou na verdade qualquer pessoa que escapasse aos estreitos padrões de beleza branca e heterossexual), a nova versão, que estreou no final de 2019, acolheu Mercado com um elenco muito mais diverso.

E nesta temporada, que ainda não chegou ao Brasil —a primeira pode ser vista no Amazon Prime—, com o surgimento de um romance entre Maribel e Micah (Leo Sheng), Mercado conseguiu se tornar o tipo de personagem que desejava ver na televisão quando era mais jovem.

“A intimidade e o sexo da comunidade dos deficientes nunca tinham sido coisas que eu tivesse visto literalmente na TV, até agora”, escreveu Mercado, que é cadeirante, em um post no Instagram, depois que sua primeira cena de sexo foi ao ar, no episódio cinco.

“Meu coração está repleto de gratidão por eu poder afirmar que sou uma das primeiras pessoas a lhes mostrar como isso funciona em rede nacional de TV, para que milhões de pessoas vejam”.

Na série, Mercado interpreta uma advogada de humor ácido que muitas vezes serve como a voz da razão, dando conselhos à sua irmã mais nova, Sophie, e às amigas das duas. Mas um lado mais vulnerável de sua personagem é revelado quando a amizade entre Maribel e Micah, um homem transgênero, se torna algo mais complicado.

Maribel e Micah terminam por dormir juntos e depois se apaixonam, o que oferece aos telespectadores uma oportunidade de celebrar a alegria dos dois personagens, em lugar de tratar como mais importantes os traumas que sofreram no passado. “Honestamente, a coisa que mais queremos é que as pessoas compreendam que somos humanos”, disse Mercado.

Em uma entrevista em vídeo, de Los Angeles, onde “Generation Q” está sendo gravada, Mercado discutiu encontros “queer” e a importância de contar histórias alegres sobre pessoas deficientes. Abaixo, trechos editados de nossa conversa.

Você era fã da série original?
Eu costumava assistir à série embaixo das cobertas, quando era mais nova, porque meus pais achavam que era ousada demais para mim, e isso só fez com que minha curiosidade aumentasse.

Havia alguma personagem com quem você se identificasse?
Não acho que houvesse uma pessoa específica com quem eu me identificasse. Eu escolhia certas porções de cada personagem. Quer dizer, Shane foi sempre muito agressiva, sempre gostou de criar confusão. As tramas que a envolviam eram sempre caóticas e interessantes.
Venho de uma família dominicana, e nós amamos drama. Amamos situações complicadas. Por isso, a personagem dela sempre foi a que mais me interessou. Mas acho que cada uma das pessoas da série mostrava um aspecto de como a vida funciona. Cada personagem destacava o melhor e o pior da experiência humana no mundo dos encontros, especificamente no mundo dos encontros “queer”.

Você acha que a série fez um bom trabalho ao aprofundar a representação de personagens que não são lésbicas brancas cisgênero?
Veja só, eu estou na série, e isso já diz muito! Não existe uma maneira específica de ser “queer”, e é por isso que “Generation Q” está garantindo que todos sejam ouvidos e que todos sejam vistos.

Como é que você incorporou as experiências que teve como pessoa “queer”, hispânica e portadora de distrofia muscular ao personagem Maribel, e ao mesmo tempo preservou seus limites e sua privacidade?
Minha personagem –meu trabalho em geral– sempre se basearam em minha vida real e em minha pessoa real. Mas o que aprendi, ao entrar no mundo adulto, é a realmente reservar tempo para mim mesma, e ter certeza de que aquilo que faço esteja alinhado àquilo em que acredito. Mas também amo ser uma defensora de minha comunidade, e tive o privilégio de falar, em meu trabalho, sobre diferentes coisas que faltam à minha comunidade.

Você mencionou anteriormente que ver Aimee Mullins abrindo o desfile de Alexander McQueen na primavera de 1999, usando pernas protéticas, ajudou em sua formação como aspirante a modelo; houve algum ator, na televisão ou no cinema, que lhe ofereceu um momento de inspiração semelhante?
Acho que a única representação que existia sobre qualquer pessoa com deficiência física era mostrar essa pessoa no hospital. Era sempre tudo muito médico, por exemplo, “salve essa pessoa de qualquer que seja a deficiência de que ela sofre”. Mas nossa vida não gira apenas em torno de aparelhos médicos ou situações hospitalares. Somos muito mais que isso. E na televisão, se havia representação, a pessoa que fazia o papel era sempre alguém que não era deficiente. E a narração deles sobre o que eu estava assistindo não era nem de longe parecida com as experiências que eu vivia e que a maioria das pessoas portadoras de deficiências vive.

A cena de sexo entre Maribel e Micah é uma das poucas cenas de sexo televisivas que envolvem uma pessoa deficiente física; o que era mais importante, em seu pensamento, quando a cena estava sendo desenvolvida?
Os roteiristas da série foram maravilhosos, e muito comunicativos sobre o que faria com que eu me sentisse confortável e o que era importante para mim. Mas sei que eu jamais tinha visto, nas telas, uma cena de sexo com uma pessoa que é realmente deficiente. E fiquei empolgada porque, minha sensação era a de que aquela era uma oportunidade de mostrar o que acontece, para milhões de pessoas que nunca viram. Mas também me magoou um pouco por ser essa a realidade.
Sim, com certeza é excitante, e estamos falando de “The L Word”, o que quer dizer que todo mundo é bonito e parece maravilhoso, mas para mim foi muito mais do que isso. Foi criar um diálogo sobre algo que é um grande tabu para as pessoas deficientes, porque os outros pensam que nós não saímos; não temos relações; não temos intimidade com pessoa alguma, porque acham que ninguém vai nos amar já que temos uma aparência diferente ou vivemos nossa vida de um jeito diferente. Todos nós temos maneiras diferentes de ser íntimos com outras pessoas, e só porque a nossa é visivelmente diferente, isso não a torna menos importante.

O relacionamento de Maribel não floresce sem complicações, mas a trama romântica dela é notavelmente positiva e saudável, nesta temporada. Por que você acha que os roteiristas decidiram seguir nessa direção, com relação a Maribel, em oposição aos relacionamentos complicados (e às vezes muito conturbados) que a série costuma criar?
É realmente especial participar de uma trama que não é conturbada e não é caótica —porque, pode acreditar, adoro um momento caótico, mas gosto ainda mais de histórias de amor. Sou completamente romântica. E também acho que, porque Leo é trans e eu sou deficiente, isso já cria uma trama por si. As pessoas podem sentir simplesmente que aquelas são pessoas que amam a si mesmas e que não precisam ser caóticas só porque a sociedade as vê dessa maneira.

O que você gostaria de ver a seguir para sua personagem?
Maribel é uma personagem tão forte, tão decidida, e por isso fico curiosa sobre a direção em que ela vai seguir, porque essa é a primeira vez que ela realmente baixa a guarda. Ela já foi magoada muitas vezes. Mas é uma pessoa tão teimosa e determinada que fico curiosa para descobrir se é ela que vai acabar destruindo sua felicidade. Sei que Micah é o personagem mais doce da série, e por isso não há maneira de ele fazer qualquer coisa que destrua o que os dois têm. Mas minha sensação é de que talvez Maribel faça.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci.

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