Aviso
Este conteúdo é para maiores de 18 anos. Se tem menos de 18 anos, é inapropriado para você. Clique aqui para continuar.

Max Harwood Justin J Wee/The New York Times

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Alexis Soloski
The New York Times

Dois anos atrás, Max Harwood, 23, fez um vídeo em seu quarto. Aluno de segundo ano em uma escola de teatro de Londres, ele começou o vídeo se apresentando e dizendo de onde era. Falou de como, quando era criança, colocava uma peruca bufante e cantava todas as canções de Rizzo em “Grease – Nos Tempos da Brilhantina”, o que fazia sua avó chorar de rir.

Aquele vídeo de um minuto de duração serviu como primeira audição de Harwood para a versão cinematográfica de “Everybody’s Talking About Jamie”, adaptada de um musical de muito sucesso no West End londrino sobre um adolescente do norte da Inglaterra que sonha ser drag queen. Em busca de talentos novos, os produtores do filme decidiram convidar os interessados a se inscrever para o papel, e receberam milhares de vídeos.

Jonathan Butterell, o diretor do filme, assistiu a quase todos, e o de Harwood se destacou imediatamente. “Ele tinha algo de mágico”, disse Butterell. “É fabuloso sem ser arrogante”. O diretor chamou Harwood para mais seis audições, testes de dança, sessões de gravação, leituras de cenas com possíveis colegas de elenco, concursos de drag. E a magia não desapareceu.

Por isso, agora Harwood –que não tem papel algum em seu currículo, não conseguiu vaga em qualquer escola de teatro de primeira linha e foi informado de que deveria pensar em uma carreira como figurante e ator de pontas– tem saltos muito altos a calçar. Seu cabelo loiro claro e cara de principezinho estão quase sempre no centro do quadro em “Everybody’s Talking About Jamie”, que estreou no último dia 17 na Amazon Prime Video.

“Nesse filme, passei por um processo no qual pude aproveitar meu lado ‘queer, e me sentir confortável”, disse Harwood, estirado no sofá, em uma conversa noturna recente no Crosby Street Hotel de Nova York. “Esse sou eu”.

Harwood tinha chegado à cidade um dia antes, vindo dos Hampton em uma viagem de divulgação do filme. A viagem o havia conduzido a muitos lugares nos Estados Unidos –o que, em meio à pandemia, quer dizer que ele conheceu muitos aeroportos e muitos hotéis.

Ele tem um rosto de traços largos e generosos, olhos imensos como os de um animal apanhado no meio da estrada pelos faróis de um carro, e é caloroso de maneira aparentemente muito espontânea. Estava usando uma camiseta estampada. E se os seus tênis Converse não exatamente demonstravam a audácia dos saltos cintilantes que Jamie cobiça, eles pelo menos tinham saltos plataforma. Harwood tem porte de dançarino –foi o que ele estudou para ser—, o que o faz parecer mais alto que o seu 1,78 metro.

Ele cresceu em Basingstoke, uma cidade na região centro-sul da Inglaterra na qual não existe uma companhia profissional de teatro. Mas sabia que queria atuar, mesmo que as escolas de teatro às quais se candidatou parecessem não concordar com ele. No entanto, a sociedade local de teatro em sua cidade lhe ofereceu uma bolsa de estudo para um curso de um ano na Guildford School of Acting. Os professores lá não foram exatamente encorajadores.

“Fui informado de que se eu quisesse trabalhar em teatro musical, eu seria basicamente escalado para o coro, por causa de minha aparência, e mesmo para isso precisava melhorar muito como dançarino”, disse Harwood. O que exatamente havia de errado em sua aparência? “Não sou exatamente um galã musculoso”.

Ele foi instruído a procurar a Urdang Academy, que treina atores para o teatro musical em Londres. Ainda que gostasse das aulas, Harwood enfrentou dificuldades, lá. Ele queria se destacar, e o trabalho de um membro do coro, que tem de dançar como todos os outros e usar um figurino igual ao deles, não o atraía. Ele supostamente não deveria procurar trabalhos durante o curso, mas tinha assistido a “Everybody’s Talking About Jamie” no teatro e adorado a história cujo foco é um jovem gay, mas que não gira em torno de qualquer forma de trauma. “Ele não morria no fim”, disse Harwood. “Não estava lá para servir como alívio cômico. Não aparecia durante duas cenas, como o melhor amigo gay do protagonista. E isso tudo me agradou”.

Por isso, quando um amigo lhe falou sobre as audições para o filme que seria baseado no espetáculo, ele gravou um vídeo. Nos meses de audições que se seguiram, ele continuou com seus estudos e manteve seu emprego de tempo parcial como supervisor de uma loja de tênis. Harwood jamais imaginou que Butterell e os produtores o escolheriam, mas, quando ele foi chamado para ainda outro teste, e o teste envolvia maquiagem completa como drag queen, ele se permitiu começar a sonhar.

Butterell teve a ideia do musical depois de assistir a um documentário da BBC, “Jamie: Drag Queen at 16”, que acompanha Jamie Campbell, um adolescente inglês que queria ir de vestido ao seu baile de formatura. “Everybody’s Talking About Jamie” estreou em Sheffield, no norte da Inglaterra, e não demorou a chegar ao West End de Londres. O crítico Ben Brantley, do The New York Times, definiu a produção como “um espetáculo decididamente inspirador”.

Ao adaptar o musical para a tela, Butterell e sua equipe de criadores –o roteirista Tom MacRae e o compositor Dan Gillespie Sells– não estavam à procura de um galã musculoso para o papel de Jamie. “Porque o que Jamie tem de radical é que temos um herói homem mas decididamente efeminado”, disse Gillespie Sells em uma entrevista por telefone. “Não é alguma coisa que você veja com frequência”.

E os criadores viam Harwood no papel. Quando Butterell lhe disse que ele era o escolhido, Harwood gritou, disse palavrões e perguntou se podia ligar para a mãe.

“Everybody’s Talking About Jamie” não é uma história sobre alguém que está assumindo ser gay. Jamie já assumiu. Em lugar disso, é uma história sobre adotar uma identidade com toda a confiança, e usando calçados apropriadamente glamorosos. A história de Jamie não é a de Harwood, na verdade. Embora Harwood sempre tenha gostado de usar fantasias, ele nunca tinha sentido vontade de se tornar drag queen. Mas, por outro lado, a história do protagonista talvez seja a história de todos nós: não é fato que todos desejamos ser vistos pelo que realmente somos?

A dança foi fácil para Harwood, assim como as canções, cujo estilo é pop com uma ponta de R&B. Gillespie Sells elogiou sua voz. “Era exatamente a coisa de que precisávamos, aquela voz pop masculina muito pura e muito perfeita, muito boa para Jamie porque Jamie é o pop personificado. Tudo nele é brilhante e repleto de esperança”.

Harwood nem sempre se sentiu tão esperançoso assim. Mas Butterell jamais duvidou dele. O mesmo vale para seus colegas de elenco, entre os quais Richard E. Grant, que oferece um desempenho comovente como a “drag mother” de Jamie. “Ele parece muito jovem, canta e dança como se tivesse nascido para isso, é emocionalmente aberto e generoso, é fácil gostar dele instantaneamente e, além disso, ele tem muito talento”, escreveu Grant sobre Harwood em um email.

Mas houve momentos –como a cena entre Jamie e sua melhor amiga, Pritt (Lauren Pattel)—, em que Harwood estava preocupado com seu desempenho. Estava assustado. Sentia-se vulnerável. Butterell o puxou para uma conversa reservada, e sugeriu que ele respirasse. O diretor acrescentou que, em momentos como aquele, Jamie talvez também se sentisse vulnerável.

No dia em que a apresentação de Jamie como drag queen foi filmada, a ansiedade era intensa, mas Jamie Campbell, a inspiração do musical, estava no set. “Eu disse a Jamie que estava assustado, muito assustado”, afirmou Harwood. “E ele respondeu que então eu estava exatamente no lugar certo. E que se não estivesse naquele lugar, eu não seria humano”.

Com isso, a ansiedade de Harwood se tornou a ansiedade de Jamie, o que confere uma autenticidade febril ao musical extravagante. Se o filme é sobre Jamie encontrando seu caminho, também é sobre Harwood encontrando o dele. “Max passou por uma jornada semelhante à de Jamie”, disse Butterell. “Max saiu em busca de quem ele era, nesse projeto. O lugar em que Max e Jamie convergem é uma dualidade de pura alegria e do medo que você precisa enfrentar para manter aquela alegria”.

Estrelar um musical de cinema como seu primeiro trabalho é uma alegria a mais. Mas mesmo uma década atrás, jovens atores “queer” teriam se preocupado por entrarem no ramo por meio de um papel como o de Jamie, porque isso poderia levá-los a serem escalados sempre para esse tipo de personagem. Isso não incomoda Harwood. Ele acredita na história de Jamie, a quem ele descreve como “um pequeno clarão de luz, esperança e alegria”.

Estendido no sofá do hotel em Nova York, ele contou que a história do filme, por mais universal que pareça, é só uma história, e que os jovens “queer” merecem mais. “Fico realmente feliz por ser uma voz para minha comunidade”, ele disse. “Mas existem muitas outras histórias a contar”.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem