Atriz do sucesso 'Ela é Demais' diz já ter 'feito filmes por motivos errados'
Rachael Leigh Cook faz ponta em remake de sucesso dos anos 1990
Rachael Leigh Cook faz ponta em remake de sucesso dos anos 1990
Para Rachael Leigh Cook, 41, a sensação é a de estar fechando um ciclo. Há 22 anos, ela desceu uma escadaria em um vestidinho vermelho sensual, ao som da banda Sixpence None the Richer, em uma cena crucial de “Ela é Demais”. E agora, volta a um filme sobre a transformação de um adolescente.
Mas, desta vez, seu papel é secundário, o da mãe de uma influenciadora (interpretada por Addison Rae) em “Ele é Demais”, uma refilmagem da Netflix em que a história do original lançado em 1999 e estrelado por Cook e Freddie Prinze Jr. tem a polaridade invertida. Agora, é um menino esquisitinho que pronuncia a linha clássica de diálogo de Cook: “Eu sou uma aposta?”
Cook, inicialmente se sentiu cética quanto a participar do novo filme e se preocupou com a possibilidade de que sua decisão de aceitar o papel fosse vista como “um sinal, para todos os fãs do filme original, de que aprovo o novo filme e ainda estou viva. Quem poderia imaginar?”
Mas Cook fez mais do que sobreviver. Ela vem prosperando. E seu pequeno papel em “Ele é Demais” representa apenas um marco em uma carreira que já dura décadas e que inclui trabalhos importantes em alguns dos filmes mais queridos pelas audiências da geração milênio e um lugar permanente no panteão da cultura pop das décadas de 1990 e 2000. Agora, ela está pronta para uma nova era.
Cook, como seria de esperar tendo em vista os papéis de menina simpática e acessível pelos quais se tornou famosa, tem o dom de fazer com que desconhecidos a imaginem como sua melhor amiga. Usando uma camiseta grandalhona e acomodada em uma cadeira de vime na casa de seu irmão em Los Angeles, ela pontuou nossa recente conversa por vídeo com uma série de perguntas, sobre todo tipo de assunto, do meu gato aos meus pais e minha vida amorosa.
As mesmas sobrancelhas expressivas que um diretor certa vez a instruiu a controlar com a ajuda de fita adesiva se erguiam para mostrar satisfação e se franziam para demonstrar preocupação diante das respostas.
“Tudo isso é completamente genuíno”, disse Marla Sokoloff, amiga de Cook e sua colega de elenco em “O Clube das Babás”, em uma conversa separada. “Ela é exatamente quem você gostaria que fosse. Em muitas ocasiões, Rachael me encaminhou dados sobre audições para papéis que na verdade foram propostos a ela, dizendo que achava que eu me sairia muito melhor na personagem. Quem faz isso? Rachael não tem uma gota de maldade no corpo”.
Rae, nascida um ano depois do lançamento de “Ela é Demais” e famosa por seus vídeos no TikTok, vive em um cenário diferente do que Cook encontrou em Hollywood como adolescente, em 1995, na era anterior à mídia social e ao #MeToo. A jovem atriz falou sobre Cook e sobre tendências da década de 1990 como os jeans de cintura baixa e presilhas de cabelo plásticas, em tom de quase reverência.
“Rachael é muito inspiradora. Dá para perceber que ela tem um coração muito puro”, disse Rae. “Ela sabe melhor do que muita gente o quanto essa indústria pode ser dura e deixou muito claro para mim que é preciso trabalhar bastante”. (Cook comentou que preferiu não dar muitos conselhos de carreira a Rae para evitar “parecer uma velha intrometida”.)
Filha de um assistente social e uma artesã, Cook começou a trabalhar como modelo posando para embalagens de biscoito e campanhas de mídia impressa da rede de supermercados Target quando morava em Minneapolis, antes de ser convidada para sua primeira audição em Los Angeles, aos 15 anos, e conquistar o papel: o de Mary-Anne na adaptação do romance “O Clube das Babás” para o cinema, em 1995. Meses mais tarde, ela interpretou outro papel vindo da literatura, o de Becky Thatcher, em “Tom e Huck – Em Busca do Grande Tesouro”, da Disney.
No set daquele filme, Rachael se viu trabalhando com dois atores que estavam no pico do estrelato infantil: Jonathan Taylor Thomas, que ela ouviu dizendo coisas como “é difícil votar nos democratas quando você paga os impostos que pago”, aos 13 anos de idade, e Brad Renfro, que em sua lembrança garantiu o papel ao apanhar um machado e perseguir o diretor de elenco pela sala de audição, brandindo a arma.
“Foi um exemplo muito vívido e muito imediato das diferentes maneiras pelas quais é possível existir em Hollywood”, disse Cook. “Acho que, pelo menos quando tinha 20 e poucos anos, consegui viver sem mudar muito quem eu era no meio de tudo aquilo”.
Dotada de um senso de humor seco e de um timing cômico nem sempre aproveitado por seus diretores, a esperança de Cook era a de uma carreira parecida com a de Parker Posey, com quem ela dividiu a tela em “The House of Yes” e “Josie e as Gatinhas”. Mas sem o TikTok ou o Instagram (plataformas nas quais Rae tem um total combinado de 120 milhões de seguidores), a persona pública de Cook ficou à mercê de revistas como Seventeen e dos sites de fãs no Angelfire, que determinavam como ela seria apresentada aos seus leitores.
Em suas primeiras entrevistas, ela costumava ser comparada a Winona Ryder, outra atriz de Minnesota: as duas tinham traços delicados e eram capazes de interpretar meninas cool. Matthew Lillard, que trabalhou com Cook em “Ela é Demais” e na refilmagem da história, a via como uma protagonista diferente.
“Lembro-me de pensar comigo mesmo que ela tinha tudo para ser a próxima Julia Roberts”, disse Lillard em uma entrevista por telefone. “Ela tinha o brilho no olhar, a personalidade cintilante. É absurdamente inteligente. Mas, ao mesmo tempo, não acredita nas lisonjas e exageros. É a exceção à regra de Hollywood”.
Outra forma de demonstrar que ela não estava disposta a se enquadrar aos moldes foi um dos papéis mais influentes que Cook interpretou –não em um filme, mas em um comercial de serviço público no qual ela quebrava ovos e destruía toda uma cozinha para demonstrar os efeitos do vício em heroína. Aquele comercial de 1997, para uma campanha que mostrava como o cérebro funciona quando a pessoa está drogada, “terminou me ajudando a conseguir papéis mais arriscados”, disse Cook.
Passados 20 anos, ela filmou uma versão atualizada do comercial, destacando a maneira pela qual a guerra contra as drogas atingia desproporcionalmente as pessoas não brancas. A nova versão, ela disse, “era necessária, levando em conta aquilo que sabemos agora”.
Embora o comercial de combate à heroína de Cook tenha se provado muito popular, na década de 1990, o estilo “heroine chic” ainda assim era o ideal de beleza e celebrava corpos magérrimos, popularizando um padrão nada saudável para as atrizes e modelos –e para as adolescentes comuns que eram constantemente bombardeadas por esse tipo de imagem nas telas e revistas.
Ao longo de sua carreira, diversos diretores pediram a Cook que sempre foi pequenina para perder peso nos dias anteriores ao início de filmagens. Um deles, ela disse, foi Peter Howitt, diretor de “Ameaça Virtual” (2001), que tentou amenizar a insinuação de que ela estava comendo demais ao afirmar que tinha pedido a mesma coisa a Ryan Phillippe, colega de elenco de Cook.
“Comecei a chorar, na hora. E ele se sentiu muito mal e retirou o pedido imediatamente”, ela disse. “Mas não quer dizer que eu não tenha me ofendido. Ou que eu tenha esquecido”.
Um representante de Howitt afirmou via email que o diretor foi instruído pelos produtores a conversar com os atores e apontou que Howitt “lamentava ter sido usado como mensageiro”, tinha pedido desculpas e “pessoalmente jamais teve qualquer problema com o lado físico de qualquer ator”.
“Ela é Demais” e “Ele é Demais” são produções da Miramax, embora Harvey Weinstein só tenha se envolvido no primeiro filme. Embora o produtor, que está servindo uma sentença de prisão de 23 anos por estupro e agressão sexual, não fosse presença constante no set de seu filme em 1999, Cook teve reuniões com ele ao longo dos anos. (Ela também estrelou em “All I Wanna Do”, “The House of Yes” e “De Cabelos em Pé”, todos da Miramax.)
A empresária de Cook costumava acompanhá-la a essas reuniões, o que a atriz, que na época era um tanto ingênua, atribuiu a uma tentativa de protegê-la. Mas a empresária também instruiu a cliente a enviar um cartão desejando melhoras a Weinstein quando ele foi internado no hospital.
“Acho que ouvi tanta gente me definindo como madura que comecei a acreditar nisso. Mas não era verdade”, disse Cook. “Em retrospecto, eu estava zero por cento equipada para navegar na indústria do cinema”.
Depois que “Josie e as Gatinhas”, uma adaptação com algo de caricatural e dirigida ao público feminino, fracassou nas bilheterias em 2001 (o filme mais tarde se tornaria sucesso cult), Cook decidiu que se concentraria em filmes independentes, tanto por precisar sair da “jaula do cinema” quanto por conta de seu desejo de participar daquele segmento florescente.
“Eu acreditava que as pessoas estavam certas ao me dizer que tínhamos de garantir que eu fosse levada a sério”, ela disse. “Com certeza escolhi fazer alguns filmes pelos motivos errados”.
Antes de “Josie e as Gatinhas”, ela tinha recusado o papel de Rogue em “X-Men”, a fim de trabalhar em diversos filmes menores e evitar a necessidade de interpretar diante de uma tela verde. O papel de super-heroína ficou com Anna Paquin, colega de Cook no elenco de “Ela é Demais”. Cook prefere não dar importância demais à sua “imensa mancada”, mas acrescenta: “Assim que vi os cartazes do filme, eu sabia que tinha cometido um erro”.
Cook se vê em transição, dando início a um novo capítulo. Seu casamento de 15 anos com o ator Daniel Gillies, com quem ela dividiu a tela em “The Vampire Diaries” e com quem tem dois filhos, Charlotte, 7, e Theo, 6, terminou em divórcio. A atriz Judy Greer, amiga de Cook, mais tarde a apresentou ao produtor Kevin Mann.
“Recomendo muito o divórcio”, disse Cook. “Mesmo que isso possa me fazer parecer uma pessoa sem persistência. Mas acredito nele de todo coração. A vida é curta demais para que você não seja fiel àquilo de que precisa”.
Nos últimos anos, ela vem interpretando papéis doces em uma série de filmes do canal Hallmark com temas associados a estações do ano e datas festivas, e estrelou e também produziu a comédia romântica “Love, Guaranteed”, em 2020 na Netflix.
Embora Cook seja fã desse gênero reconfortante de filmes, ainda existem muitas coisas que ela gostaria de explorar. Comédias sombrias. Filmes como os que Posey faz. “Coisas ao mesmo tempo sérias e um pouco estranhas, um pouco distorcidas”, ela explica.
Nas palavras de Lillard, “Rachael Leigh Cook merece muito respeito e fico muito empolgado por o mundo estar sendo lembrado disso”.
Ela vai estrelar e produzir “A Tourist’s Guide to Love”, uma comédia romântica da Netflix baseada em uma história que Cook escreveu. Produzir foi uma das maneiras que ela encontrou de tomar o controle que não exerceu no começo de sua carreira.
“Essa é minha profissão. Tenho muita experiência”, disse Cook. “Antes, não era muito aceitável que uma mulher envelhecesse. Agora, envelheci e de repente é ok. No passado, era impossível ter algum poder nesse ramo sem ser homem. Agora, mulheres que conheço comandam tudo”.
Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci
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