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Celebridades
Descrição de chapéu Todas LGBTQIA+

Primeira mulher trans do Big Brother Brasil, Ariadna lembra sua participação no programa

Ex-BBB virou um caso emblemático de transfobia no país ao ser linchada publicamente após revelar sua identidade de gênero ao longo do reality, do qual foi a 1ª eliminada, em 2011

A ex-BBB Ariadna Arantes - @ariadnaarantes no Instagram
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São Paulo

Primeira pessoa trans a participar do Big Brother Brasil, em 2011, Ariadna Arantes fez história na TV brasileira. Hoje, porém, ela se diz injustiçada dentro do movimento LGBTQIA+ e pouco reconhecida pela sua luta.

Ariadna vive na Austrália há pouco mais de dois anos e esteve no Brasil no final de 2024 para gravar o documentário do BBB. Não gostou do resultado final. Conta que sentiu-se desprestigiada por ter ido ao ar poucos minutos de uma longa entrevista em que esperava ter a chance de falar tudo o que não falou à época —nas imagens, ela apareceu se arrumando, com cabelo e maquiagem feitos pela metade.

Há 14, quando participou do BBB, ela optou por não se declarar uma mulher trans no início do programa e, quando já estava confinada, contou a dois participantes sua identidade de gênero. Foi eliminada logo em seguida, sendo a primeira a deixar a casa. Após sair do reality, ela sofreu na pele com represálias e ataques públicos, como uma irônica capa do jornal popular Meia Hora e um comentário desrespeitoso ao vivo de Marcelo Carvalho, dono da RedeTV!. Ariadna virou um caso emblemático de transfobia no país.

"Tivemos algum avanço, mas muita coisa ainda precisa mudar. O Brasil é pelo 16º ano consecutivo o país que mais mata pessoas trans no mundo", diz, em entrevista ao F5. Apesar de seu compromisso com a luta das pessoas trans, ela se diz renegada dentro do movimento. Leia abaixo a entrevista feita por telefone, direto da Austrália.

Você escondeu sua identidade de gênero quando entrou no reality. Foi uma orientação da Globo? Foi uma opção minha. Uma pessoa que sai da prisão e está tentando se ressocializar não sai por aí contando que estava preso. Ou alguém que teve uma doença, um câncer, não sai por aí contando detalhes de sua vida pessoal para quem não conhece. Então minha decisão foi essa, eu só queria contar se e para quem eu achasse que tivesse que contar. É minha identidade. Uns dois dias antes de ser eliminada, contei para quem eu confiava ali dentro.

E para o Brasil inteiro que te assistia. E para o Brasil inteiro. Na época, eu não tinha ideia dessa questão de luta, de levantar bandeira. Mas quando eu saí, vi que estava representando muitas pessoas e foi aí que tomei consciência disso. Comecei a ter a dimensão daquilo e passei a usar minha voz para ajudar outras pessoas trans. Mesmo assim, muita gente da comunidade afirma que não fiz nada.

Por que dizem isso? A comunidade trans e a comunidade LGBTQIA+ de forma geral me excluem. Quando me candidatei a deputada federal [pelo PSB, em 2022], várias pessoas me cobravam falando que nunca fiz nada, que sou uma falida e que só estava me aproveitando da pauta para ganhar dinheiro. Foi uma experiência horrível e pude perceber o quão lixosa é a política nesse país.

Hoje, quando pensamos em luta, temos que honrar o nome de quem veio antes de nós. Hoje eu entendo, por exemplo, o porquê de a Roberta Close não querer militar naquela época. Nem todo mundo está pronto para militar, para aguentar tudo isso, não.

Você sofreu ataques quando você saiu do BBB, e o jornal carioca Meia Hora chegou a fazer piada sobre o fato de ser uma mulher trans. [A chamada era: 'Aridna's Coiffeur: Corto cabelo e pinto. Entrada pela frente e pelos fundos] Sim. E eles me pediram desculpas muitos anos depois, mas o próprio jornal continua ridicularizando não só mulheres trans, mas tudo que é fora dos padrões da sociedade.

[Um post nas redes do jornal dizia o seguinte, em 2022: "Pedimos perdão não apenas a Ariadna como a todos e todas agredidos por essa capa de 11 anos atrás. Não tem graça, assim como outras piadas infelizes que, no passado, eram corriqueiras, embora causassem sofrimento. Além de nos envergonhar, não reflete a nossa atual linha editorial"].

Quem mais te atacou publicamente? Teve também o Marcelo de Carvalho [dono da RedeTV!], que fez um comentário ao vivo mais ou menos assim: "Se o Silvio Santos soubesse o que ela é, não a teria elogiado". Depois a Luciana Gimenez [mulher de Marcelo, na época], se desculpou comigo. Nunca fui atrás, às vezes se você reclamar, você que é processada. Muita coisa eu tive que engolir.

Sente que as coisas mudaram? As mudanças, hoje em dia, estão mais visivelmente na classe artística. Temos a Liniker, que ganhou o Grammy. Temos Majur se apresentando na Globo. Mas, infelizmente, a falta de cultura, a falta de educação e de alfabetização no nosso país ainda é o principal fator gerador de desigualdade com relação às pessoas trans.

Como é sua vida hoje na Austrália? Por que escolheu morar aí? Eu tinha um companheiro até pouco tempo atrás. Nunca trouxe a público esse relacionamento porque as pessoas ficam falando maldades. Mas claro que meu ex-namorado sabe que eu sou uma mulher operada, que eu passei pela transição, que eu sou famosa no Brasil. Nós fomos juntos para as Filipinas, conheci toda a família dele. A gente estava se programando para casar assim que eu me divorciasse na Itália. Ainda sou casada na Itália, no papel.

A relação terminou, mas continuo morando aqui. Vou para o Brasil daqui a duas semanas visitar minha família, que eu não tenho tanto apego assim, mas ainda é minha família. Vou também me reconectar com minha religião, sou do Candomblé. Apesar de todos os problemas do Brasil, minha terra é o lugar onde consigo me reenergizar.

As pessoas pensam que morar fora do pais é fácil, mas não é. Aqui é muito longe, tem que ter planejamento, a passagem para o Brasil é muito cara. E com a idade, a gente vai tendo cada vez menos amigos. Falta um ano para terminar meu curso e depois vou ver o que faço.

O que você estuda? Com o que trabalha? Faço inglês e trabalho com as plataformas digitais e conteúdo adulto. Também fiz curso de maquiagem. Vou viajar para o Brasil agora porque comprei duas casas no Rio de Janeiro para colocar no Airbnb. Vou contratar uma pessoa para ficar responsável.

Você tem uma vida pública aí na Austrália? Graças a Deus, ninguém sabe quem eu sou aqui. Consegui meu visto de estudante porque aqui eles abraçam muito a causa trans.

Como foi sua participação no documentário do BBB? Tinha tudo para ser muito mais bonito. Tive cinco minutos de participação. Eu estava quieta na minha, recebi um convite, fui para o Brasil sem eles arcarem com absolutamente nada. Gastei R$ 25 mil do meu bolso e não recebi o mínimo de consideração.

Não teve cachê, não teve nada. Além do dinheiro, gastei meu tempo, o tempo de todo mundo é sagrado. Faltei às aulas de inglês, o que pode prejudicar meu visto aqui na Austrália. Foi uma falta de consideração e de respeito. Ali era o momento que eu tinha de poder falar as coisas que não falei na época. Mas não me deram essa chance. A gravação acabou antes de eu ficar pronta. Cheguei do aeroporto e já vieram me filmando no trajeto até o hotel. Não pude descansar de um voo de 12 horas.

Você se sente injustiçada? As pessoas não se lembram de mim, e quando se lembram, fazem questão de desfazer de mim. Sou maquiadora formada, fiz estética, gosto de cuidar da pele, tenho 40 anos e uma pele maravilhosa, um cabelo lindo. As pessoas não veem meu potencial porque eu fui "do job". Por que eu tenho que levar essa carga sendo que muitas outras trans tiveram essa mesma trajetória? Não tive meu mérito, não tive meu reconhecimento. Hoje em dia, prefiro ficar calada.

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