Cassio Scapin diz que Santos Dumont ficaria triste ao ver 'presidente fugindo num avião'
Após viver personagem na TV, ator volta ao papel do Pai da Aviação no musical 'Além do Ar'
A semelhança física entre Cassio Scapin e Alberto Santos Dumont pode ser observada novamente, desta vez em "Além do Ar - Um Musical Inspirado em Santos Dumont", que estreou no último fim de semana no Teatro Frei Caneca, na região central de São Paulo.
O ator retorna ao papel 19 anos depois de interpretar o Pai da Aviação (1873-1932) na minissérie "Um Só Coração" (Globo, 2004). As coincidências entre eles não param por aí. Scapin, assim como Santos Dumont, mantém uma vida pessoal discreta.
Em entrevista ao F5, na plateia do teatro após a primeira sessão do último sábado (14), o ator contou que não é casado e não tem filhos, mas está em um relacionamento —ele namora o farmacêutico Diego Redondaro há anos— e também adotou Twiggy, uma cachorra que o acompanha há 19 anos. A justificativa é a mesma de Santos Dumont: o amor e a dedicação à profissão.
"Não pretendo ter filhos porque não conseguiria ser um bom pai, principalmente por causa do trabalho", diz. "Eu tenho como prioridade isso aqui [aponta para o palco], que é sugador. Na estreia, trabalhamos mais de 12 horas. Então é como casar com o meu ofício."
Ele afirma ainda que tem uma vida absolutamente normal. "Por isso o teatro é mais legal. Eu sempre prefiro estar aqui."
Quando a dramaturga Maria Adelaide Amaral e o diretor Ulisses Cruz identificaram a semelhança entre Scapin e aviador brasileiro, ele entrou na série da Globo e se apaixonou pelo personagem icônico ao estudá-lo mais profundamente.
"Ele foi um homem incrível, de uma elegância única. Ele fez parte da elite financeira brasileira, e seu pai se tornou um dos principais cafeicultores do país. A família era rica, burguesa. Mas ele é um grande exemplo de gente que usa o dinheiro para proporcionar benefício à humanidade", afirma.
Em "Além do Ar", Scapin divide seu personagem com outros três atores que interpretam Santos Dumont em fases distintas, desde a infância, quando aos 7 anos já guiava as locomotivas na fazenda do pai, ao auge nos ares com trinta e poucos anos.
Perto do fim da vida, em uma das fases vividas por Scapin, o aviador revisita sua história como a relação com sua irmã Virgínia, que o ensinou a ler, com o pai, seu grande mentor, e com Yolanda Penteado, sua melhor amiga.
O musical, com texto de Fernanda Maia, mostra os feitos e conquistas do brasileiro na França, como o aperfeiçoamento dos balões por meio do motor a petróleo e do dirigível, que o levaram ao reconhecimento mundial. O primeiro voo do "mais pesado que o ar" em seu 14 Bis e a criação do Demoiselle, primeiro ultraleve do mundo, não foram esquecidos. Mas a vida de Santos Dumont não foi feita só de glórias.
Os 90 minutos do espetáculo também retratam as tragédias que agravaram a depressão do aviador e o levaram ao suicídio em 1932, no Guarujá, litoral paulista. São questões familiares, como a morte do pai e seu maior apoiador após um acidente que o deixou sem movimentos, e da mãe.
A esclerose múltipla limitou os movimentos dos braços e das mãos, o que impediu Santos Dumont de voar. A queda de um hidroavião que sobrevoava o Rio de Janeiro em sua homenagem deixou 14 mortos, tragédia que o fez se isolar. A tristeza tomou conta dele ao saber que seu invento estava sendo usado na Primeira Guerra Mundial para matar pessoas.
A falta de reconhecimento como o pioneiro na invenção do avião também abalou o brasileiro, segundo o espetáculo. Em uma bela cena de sapateado, os atores mostram a guerra contra os Irmãos Wright, mundialmente considerados os primeiros a voar, em um julgamento parcial para determinar o real inventor, que aconteceu em Nova York, nos Estados Unidos, e onde os americanos não mostram provas consistentes de terem decolado antes, mas mesmo assim ganharam o título.
"Imagina o trabalho da sua vida ser esquecido, enquanto outros são enaltecidos. Os feitos da pessoa que mudou o mundo, desmerecidos. Santos Dumont foi injustiçado", afirma Mateus Ribeiro, que interpreta o aviador no auge, quando ele começou a usar o famoso chapéu Panamá com as abas tortas após ele tentar apagar um incêndio em um de seus inventos. O item virou moda na Europa da época.
O ator de 29 anos continua. "Ele fez tudo ao contrário dos Irmãos Wright [que buscavam lucrar com a patente da invenção, enquanto o brasileiro tornou todos os seus inventos públicos]. A gente está viajando o mundo por causa desse homem."
Scapin reage e imagina como Santos Dumont enxergaria a situação política atual do país. "O que ele pensaria ao ver o presidente do seu país fugindo, escapando num avião. A mesma coisa quando ele fala que ele fez uma máquina que destruía, que soltava a bombas", diz.
Santos Dumont, se vivo fosse hoje em dia, brigaria por um país melhor, segundo ele. "Ele estaria desenvolvendo inovações em benefício da população, usando o seu potencial, seu poder de acesso e de ação para fazer as coisas de uma maneira mais correta."
O ator que vive o personagem mais maduro lamenta que no Brasil pouco se conheça da história do brasileiro que teve tanto reconhecimento mundial no início do século 20.
"Ele é injustiçado duplamente, porque o brasileiro tem um problema de memória. A gente esquece daqueles que produziram coisas boas para o país. No máximo viram um nome de rua ou avenida, como a Santos Dumont aqui em São Paulo. A injustiça faz parte da nossa cultura de falta de memória por não cultivar a cultura que estamos construindo", afirma Scapin.
Ribeiro, que antes também conhecia o básico da história do aviador, incensa a sensibilidade do texto de Fernanda Maia para a peça em que ele é um dos protagonistas, como a cena que mostra a morte de Santos Dumont.
"A Fê Maia é uma gênia. Ela sempre toma cuidado nos textos, até porque estamos falando de uma figura que existe e tem familiares. Ele é admirado, mas pouco se conhece sobre da sua vida. Muitos só sabem que ele inventou o avião. A gente mostra na peça que, apesar de uma vida genial, ela também foi de muito sofrimento", diz Ribeiro.
A Fundação Lia Maria Aguiar, que realiza o espetáculo, incentiva crianças e adolescentes de baixa renda a descobrir seus talentos artísticos, tanto que o elenco mirim é composto por jovens desse programa. A peça estreia no ano em que Santos Dumont completaria 150 anos e fica em cartaz até 19 de fevereiro.
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