Aviso
Este conteúdo é para maiores de 18 anos. Se tem menos de 18 anos, é inapropriado para você. Clique aqui para continuar.

Ben McKenzie, conhecido por seu papel como Ryan Atwood na série

Ben McKenzie, conhecido por seu papel como Ryan Atwood na série "The O.C.", se torna crítico da criptomoeda Eli Durst - 14.mar.22/The New York Times

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

David Yaffe-Bellany
The New York Times

Ben McKenzie, 43, estava ao volante do Subaru prata de seu pai, dirigindo por uma região agrícola do Texas e conversando veementemente sobre dinheiro: quem o tem, quem precisa dele, o que o torna real ou falso. Ele detalhou os perigos das bolsas de criptomoedas, das corretoras online que vendem bitcoin e ether a especuladores e terminou com um tributo sincero a "Capital no Século 21", do economista francês Thomas Piketty, um tomo de 700 páginas sobre desigualdade de renda e o poder dos capitalistas ricos.

"Se eles puderem ganhar dinheiro com alguma coisa, ganharão", disse McKenzie, acelerando a caminho da Whinstone U.S., uma operação de mineração de criptomoedas a cerca de uma hora de distância de Austin; lá, fileiras e mais fileiras de máquinas devoradoras de energia geram novos bitcoins. Nos últimos seis meses, muitas celebridades de primeira linha divulgaram moedas digitais e NFTs, e McKenzie, ator de TV mais conhecido pelo seu sucesso na série "The O.C.", se tornou um cético declarado quanto a tudo isso.

Ele escreveu criticamente sobre a divulgação de moedas pouco conhecidas feita por Kim Kardashian em seu Instagram, e pediu que Reese Witherspoon parasse de promover o metaverso, admitindo, enquanto fazia tudo isso, que ele não é especialista em finanças.

"Sou só um antigo ídolo adolescente que está (sozinho?) aqui pedindo que as pessoas considerem os riscos desse investimentos e a possibilidade de fraude", ele tuitou em fevereiro.

McKenzie ganhou fama no começo da década de 2000 interpretando Ryan Atwood, um adolescente invocado e musculoso, vindo do lado pobre da cidade, que termina morando com uma família rica em Newport Beach, na Califórnia. Depois que "The O.C." acabou, ele estrelou em dois outros dramas televisivos, "Southland" e "Gotham" cada um dos quais durou cinco temporadas.

Mas os trabalhos como ator escassearam durante a pandemia e, como muita gente, McKenzie logo se viu atraído ao labirinto das criptomoedas. Depois que amigos o encorajaram a investir, ele fez um curso de 24 módulos sobre criptomoedas com Gary Gensler, presidente da Securities and Exchange Commission (SEC), agência federal que regulamenta os mercados de valores mobiliários dos Estados Unido. (A quem o ator chama carinhosamente de "Gary"; os dois nunca se encontraram em pessoa.)

O mercado de criptomoedas parece ter sido feito sob medida para fraudes, disse McKenzie. Ele estava convencido de que a disparada no valor das moedas mais populares era alimentada pela especulação irresponsável e não por qualquer aplicação prática da tecnologia. "Elas não fazem o que as moedas fazem", ele disse. "Não são uma forma confiável de armazenar valor, uma unidade de contagem ou um meio de troca".

Em agosto, ele enviou uma mensagem direta no Twitter a Jacob Silverman, jornalista de tecnologia da revista New Republic que tinha acabado de publicar um artigo intitulado "Até Donald Trump Sabe que o Bitcoin é Uma Trapaça". O ator escreveu que "eu adoraria conversar com você. Mas pode desconsiderar a mensagem se achar estranha demais".

Silverman, que assistia a "The O.C.", ficou intrigado. Ele e McKenzie vivem no distrito de Brooklyn, em Nova York, e se encontraram para uma cerveja e sanduíches no Henry Public. McKenzie propôs que eles colaborassem em um livro; Silverman aceitou na hora. "Também comecei a compreender o senso de indignação de Ben diante do que ele via, e diante da possibilidade de que pessoas tivessem suas economias roubadas", disse Silverman. A Abrams Press planeja publicar o livro deles, "Easy Money", em 2023.

McKenzie disse que sua paixão recentemente descoberta foi tratada com "apoio, mas alguma confusão" por seus amigos, enquanto sua mulher, a atriz Morena Baccarin, outra estrela de "Gotham", parece "estar cansada de me ouvir falando sobre isso". McKenzie se formou em economia pela Universidade da Virgínia e ao longo dos anos conversou muitas vezes sobre a interseção entre a lei e as finanças com seu pai, Pete Schenkkan, um advogado especializado em questões regulatórias, em Austin. Mas Schenkkan mesmo se declarou "espantado" diante da fixação do filho quanto a criptomoedas. "Foi um salto para um assunto distante do resto de sua vida".

O projeto também representa um desvio quando comparado à abordagem de outras celebridades com relação a criptomoedas. Matt Damon estrelou um comercial agora infame para a plataforma de transações Crypto.com; Paris Hilton vem divulgando NFTs. Em ensaio para revista "Slate" em outubro, Silverman e McKenzie escreveram que os endossos de celebridades expõem consumidores comuns a trapaças conhecidas, por exemplo esquemas de "puxadas de tapete", nos quais um desenvolvedor anônimo solicita fundos de investidores e em seguida desaparece com o dinheiro. Eles escreveram que "a adoção das criptomoedas por Hollywood é um desastre moral".

McKenzie se tornou parte do crescente grupo de céticos e críticos das criptomoedas conhecidos como "no-coiners". Em fevereiro, ele foi entrevistado em "Crypto Critics’ Corner", podcast apresentado por Bennett Tomlin e Cas Piancey, que fazem dois episódios por semana sobre os riscos das finanças descentralizadas e outros empreendimentos no ramo das criptomoedas.

Os "no-coiners" muitas vezes são alvo de abusos online, ainda que os ataques possam ocorrer nas duas direções. "Eu já comprei muitas brigas", disse Tomlin. "E muitas vezes era eu que estava tentando começar a briga, ao dizer a alguém que ‘você antes disse aquilo e agora está dizendo isso’".

Os "no-coiners" compartilham em alguma medida da mesma obsessão idiossincrática que move os "crypto bros"; e, como seus antagonistas se reúnem no Discord e Twitter para trocar dicas e memes, e são todos fluentes em um jargão repleto de siglas.

McKenzie reconhece que é um recruta incomum para essas fileiras, que consistem basicamente de jornalistas, engenheiros de software e acadêmicos. "Sou ator", ele disse. "Não sei o que estou fazendo".

A formação de McKenzie também lhe oferece algumas vantagens. Muitos dos "crypto bros" tentam silenciar seus oponentes com uma declaração taxativa: "Divirta-se sendo pobre". Mas McKenzie disse que "eles não usam muito esse argumento, comigo. Alguém quer comparar contas bancárias reais?"

Mas no ruidoso mundo das criptomoedas, fama televisiva não necessariamente se traduz em influência. Antes de partir em sua viagem à central de mineração de criptomoedas, McKenzie comandou uma mesa redonda chamada "Trust Me I’m Famous", na convenção South By Southwest. A sessão aconteceu em um auditório onde havia muitas fileiras de assentos desocupados. Um grupo de jovens fãs aplaudiu quando McKenzie se apresentou como o Ryan de "The O.C.", mas eles passaram o resto da noite colados aos seus smartphones enquanto ele falava sobre os perigos das transações não regulamentadas de criptomoedas. (A filha dele, Frances, 6, estava dormindo na cadeira no final do evento. "Sei que foi um tédio", ele disse. "Você está zangada comigo?")

E a celebridade de McKenzie não lhe abriu portas na Whinstone, onde ele e Silverman esperavam poder fazer pesquisas para seu livro. Quando McKenzie chegou ao estacionamento, um segurança de ar preocupado pediu que ele se identificasse. "Sou ator", disse McKenzie. O segurança já tinha assistido a "The O.C.?" Não. E "Gotham"? Não. "Pergunte à sua filha sobre ‘The O.C.’", respondeu McKenzie, sorrindo. Um segundo segurança disse que assistia à "The O.C.", mas não reconheceu McKenzie.

Depois de mais alguns minutos de confusão (um dos seguranças se referia ao visitante como "Sr. Bill McKlensley"), a equipe de segurança permitiu que McKenzie, Silverman e um câmera que estava documentando a viagem conversassem com Chad Harris, antigo vendedor de árvores de Natal que agora gerencia a operação da Whinstone, adquirida no ano passado pela Riot Blockchain, uma empresa de capital aberto que opera no mercado de mineração de bitcoins.

Harris parecia tão confortável diante da câmera quanto o ator transformado em crítico que tinha ido até lá para confrontá-lo; ele disse que já tinha conduzido visitantes em mil excursões guiadas à instalação. Quando fotógrafos chegam ao local, ele disse, "sei para que lado devo virar meu ombro".

Harris disse que estava confiante em sua capacidade de debater contra qualquer cético; ele se vangloriou de ter ensinado uma lição a alguns céticos quanto às criptomoedas da Vice News. "Ninguém deveria criticar uma coisa sem saber todos os fatos", ele disse. Em determinado momento, ele previu audaciosamente que faria McKenzie mudar de ideia quanto às criptomoedas com apenas uma sentença. E aí disparou a falar por diversos minutos ininterruptos sobre os benefícios econômicos da mineração de criptomoedas.

Harris mostrou a McKenzie e Silverman um vasto armazém lotado de máquinas, centenas delas, que funcionavam com um ruído ininterrupto. O câmera capturou imagens de McKenzie usando um capacete de proteção e meneando a cabeça diante das explicações de Harris sobre as complicações do sistema de resfriamento químico que impede que as máquinas se aqueçam demais. Em "The O.C.", Ryan é uma máquina de emoções reprimidas, e raramente deixa entrever o que ele está pensando. Já McKenzie adora tagarelar. Ele interrogou Harris por duas horas sobre os custos de energia da mineração de criptomoedas e sobre a utilidade prática das moedas digitais, tudo diante das câmeras.

McKenzie e Silverman aventaram a hipótese de transformar seu livro, ainda não escrito, em alguma forma de produção para Hollywood. A inspiração é "A Grande Aposta", baseado no livro de Michael Lewis sobre investidores antenados que previram o colapso do mercado da habitação em 2008. A adaptação cinematográfica mostra Margot Robbie bebendo champanhe em uma banheira e explicando a crise do "subprime".

"Eu e Jacob de tanga", disse McKenzie. "Um bom jeito de afastar o público". Silverman riu. "Eu prometo malhar na academia por um mês", disse.

Se isso não der certo, há sempre a TV. McKenzie disse ter proposto a Josh Schwartz, o criador de "The O.C.", uma versão repaginada da série, na qual um bilionário das criptomoedas, talvez o filho de Luke Ward, cuja trajetória na série o transforma de vilão em cobiçado símbolo sexual, volta a Newport Beach e toma o controle do mercado local de imóveis.

Schwartz "riu polidamente", disse McKenzie. (Em uma entrevista, Schwartz sugeriu uma sequência alternativa com as criptomoedas como tema, envolvendo complexas maquinações políticas comandadas pelos irmãos mais jovens de Luke. Ele acrescentou que Seth Cohen, o melhor amigo meio nerd de Ryan, interpretado por Adam Brody "com certeza estaria tentando vender NFTs". Brody, contatado por mensagem de texto, disse que concordava. "Ou estaria vendendo ‘bongs’ em um furgão. Não sei qual dos dois", ele acrescentou.

Depois da visita, Harris levou McKenzie e Silverman a uma construção que o pessoal da empresa chama de "Casa Branca" –o local dos gabinetes executivos da empresa. Parado à porta, McKenzie pressionou Harris quanto aos seus compromissos com relação à criptomoeda. Ela não era só mais uma forma de jogo de azar? Um jogo de pôquer, com muito dinheiro na mesa e sem qualquer valor social?

Harris deu de ombros. Disse que aceitava correr riscos financeiros. "Pense nisso em paralelo com a sua vida", ele disse. McKenzie fez uma pausa no trabalho como ator e apostou sua reputação na redação de um livro que argumenta que a elite tecnológica do país está promovendo um esquema de pirâmide mal disfarçado. "Tudo na vida é uma aposta", disse Harris

Por uma fração de segundo, McKenzie voltou a ser parecido com Ryan Atwood, uma vez mais pensativo e com cara de poucos amigos. "É verdade", ele disse. "Isso é verdade".

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem