Stanley Tucci lança livro de culinária após quase perder paladar ao câncer
Ator esteve em filmes como 'Jogos Vorazes' e 'O Diabo Veste Prada'
Ator esteve em filmes como 'Jogos Vorazes' e 'O Diabo Veste Prada'
Cerca de três anos atrás, o ator Stanley Tucci, 60, estava amarrado a uma maca em um hospital de Nova York, recebendo um tratamento de radioterapia para combater um tumor na base de sua língua.
Uma máscara cirúrgica feita especialmente para ele havia sido fixada sobre seu rosto, para evitar que ele se movesse, e um protetor plástico foi colocado em sua boca para evitar que ele mordesse a língua involuntariamente, deixando apenas um pequeno orifício para que ele pudesse respirar.
“Foi horrível”, disse Tucci em uma entrevista no mês passado. Depois de três sessões de radioterapia, ele começou a sofrer vertigens e a perder o apetite. Uma semana mais tarde, qualquer coisa que ele comesse tinha gosto de papelão molhado, “temperado com o excremento de alguém”.
Sua boca ficou cheia de úlceras. Durante toda essa experiência muito sofrida, disse Tucci, o que lhe causava mais medo não era a perspectiva de morrer. O que ele temia era perder o paladar. “Se você não puder comer e apreciar a comida, como é que vai poder apreciar qualquer outra coisa, não é?”, ele disse.
Tucci conta essa história em seu novo livro, “Taste: My Life Through Food” ("Sabor: Minha Vida Através da Comida", em português"), que a Gallery Books lançou na semana passada, nos Estados Unidos. É um livro de memórias nada convencional, sobre seu amor –e ódio ocasional– pela comida e pela bebida, e traz reminiscências sobre a culinária de sua mãe (“prova de que a criatividade culinária pode ser a forma de arte mais perfeita”) e recordações sobre a comida horrorosa que ele se viu forçado a consumir em sets de filmagem.
“A única coisa que torna suportável os serviços de catering nos sets de filmagem italianos é que eles sempre servem vinho”, escreve Tucci. “O que é trágico para um país que é um oráculo culinário”. Seu duelo contra o câncer é relatado, surpreendentemente, no final do livro.
A maior parte do restante do texto retrata o Stanley Tucci que se tornou um dos grandes sucessos da era da pandemia com sua série em seis episódios para a CNN americana, “Stanley Tucci: Searching for Italy”, um guia charmoso de viagem ao país de seus avós, em que ele aparece comendo o tempo todo.
“A coisa toda é quase obscena”, escreveu Helen Rosner em tom de aprovação na revista The New Yorker, depois de descrever o “êxtase sensorial” que Tucci atinge ao aspirar o perfume de um queijo parmigiano-reggiano. Mas quando Tucci fez a série, ainda estava se recuperando do tratamento contra o câncer, ele revela. “Foi difícil, porque eu conseguia saborear tudo mas não conseguia necessariamente engolir”.
Em determinado momento, comendo um filé à florentina, um prato tradicional de Toscana, “eu tive de mastigar por 10 minutos para conseguir levar a comida goela abaixo”, ele disse. Em outras ocasiões, “tive de me livrar da comida”, ele acrescenta, parecendo inconformado consigo mesmo por desperdiçar uma boa refeição.
Tucci, que vive em Londres com sua mulher, a agente literária Felicity Blunt, e os filhos do casal, entre os quais Emilia, nascida em meio ao tratamento, disse que nem pensou duas vezes antes de aceitar o convite para realizar a série. “Não havia hipótese de eu não aceitar o convite”, disse. “Queria há muito tempo contar a história da Itália e da culinária muito distinta de cada uma de suas regiões”. Isso também serviria para restaurar alguma normalidade à sua vida? “Sim, suponho que sim”, ele disse.
Tucci, que cresceu em Katonah, no estado de Nova York, já tinha publicado livros de receitas, e “Taste: My Life Through Food” contém diversas receitas, entre as quais uma simples para preparar o coquetel negroni, e uma mais complicada para fazer “tímpano”, um prato cozido que envolve farinha, massa, molho de tomate, almôndegas, ovos e outras delícias, e que é destaque em “A Grande Noite”, filme que ele dirigiu em 1996.
O livro contém tributos nostálgicos a restaurantes que combinavam a culinária chinesa e a cubana, e que já fecharam, e lembranças sobre a ocasião em que ele comeu carne de baleia na Islândia (“a culpa mal disfarçada jamais teve um sabor tão bom”).
Mas seu foco é o papel que a comida desempenhou na vida do ator, seja na ocasião, quando ele tinha 13 anos, em que encontrou sua avó na varanda traseira da casa, esfolando um esquilo (“olhei para ela como se ela tivesse enlouquecido”, escreve Tucci, “e ela me olhou de volta sem compreender, como se fosse eu o louco”), ou o dia em que ele e a mulher depenaram faisões.
“Para qualquer pessoa que não se interesse por comida, seria incrivelmente tedioso”, disse Blunt sobre as conversas gastronômicas entre eles. “Mas para mim sempre foi uma delícia”. Outra surpresa do livro é que o texto mal menciona as décadas de experiência de Tucci como ator, uma carreira que inclui papéis em “Julie & Julia”, “Jogos Vorazes” e “O Diabo Veste Prada”.
Não há tentativas de acerto de contas e nem mesmo fofocas sobre celebridades, a menos que você classifique assim a história dele sobre comer “andouillettes” com sua colega de elenco em “Julie & Julia”, Meryl Streep.
A “andouilette” é uma salsicha francesa feita em alguns casos com os intestinos de vacas. Tucci aponta que a iguaria tem cara de pênis de cavalo. Streep concorda, experimenta um pedaço e diz “é, tem alguma coisa de curral”. “Tudo aquilo é terrivelmente entediante”, Tucci responde, quando perguntado por que não fala de sua carreira.
O que é muito mais interessante, ele diz, “é que você está passando pela vida, com uma determinada trajetória e visão, e de repente aparece uma outra coisa igualmente boa e começa a acompanhá-lo como um sidecar, e você se vê arrastado a uma direção diferente”.
Tucci atribui seu amor pela comida à sua família. A mãe dele, uma cozinheira excelente, o mandava para a escola com sanduíches feitos da berinjela à parmesã preparada na noite anterior, e ele contemplava com inveja os sanduíches de manteiga de amendoim e geleia de seus colegas.
Mas a paixão só floresceu de verdade depois que ele começou a trabalhar em “A Grande Noite”, sobre dois imigrantes italianos que lutam para salvar um restaurante decadente em Nova Jersey. Ao pesquisar para o filme, ele trabalhou em uma cozinha comandada pelo chef italiano Gianni Scappin, e percebeu que não conseguia parar de fazer perguntas sobre como os pratos eram preparados e sobre os ingredientes que cada um deles levava.
Scappin disse, na época, que não fazia ideia de quem era Tucci, e que o admitiu em sua cozinha basicamente porque era como ter um empregado trabalhando de graça. Mas Tucci logo demonstrou que tinha talento verdadeiro, afirmou o cozinheiro.
“Ele tinha muita concentração”, acrescentou Scappin. “Observava absolutamente tudo: como eu cortava as cebolas, como eu preparava uma ‘fritatta’. Uma vez eu o vi olhando para o pano que eu levava pendurado no avental para limpar as mãos, e fiquei pensando por que aquele sujeito estava me encarando daquele jeito”.
O pano se tornou parte do figurino de Tucci em “A Grande Noite”. “Ele provavelmente vai abrir um restaurante um dia, para se envolver ainda mais com a comida”, disse Scappin.
Tucci tenta fazer com que seu amor pela comida e bebida seja parte de seu trabalho cotidiano. Leva duas cafeteiras Nespresso com ele para todos os sets em que trabalha: uma para seu trailer, uma para o caminhão da maquiagem. Carrega comida preparada em casa, em embalagens refrigeradas, para evitar de ter de recorrer ao catering. À noite, às vezes prepara coquetéis para os colegas, ou os convida para jantar.
A recuperação depois do tumor parece ter afetado alguns desses rituais. Ele preparou um risoto milanês para Colin Firth, seu colega de elenco no filme “Supernova”, que saiu alguns meses atrás. Em email, Firth descreveu que se tratava do melhor risoto que provou na vida, mas Tucci estava convencido de que o gosto estava horrível, e ficou chateado.
“Ele simplesmente não estava sentindo o mesmo sabor que nós”, disse Firth. “E só podemos imaginar o quanto aquilo deveria estar sendo horrível para ele, porque Stanley quase sempre fazia questão de se comportar como se tudo estivesse normal”.
Durante sua recuperação, Tucci assistia a programas de culinária, “o que era muito estranho, porque bastava sentir o cheiro de comida para eu ter vontade de vomitar”, ele disse. “Mas eu gostava de assistir, e queria aprender mais, e viver vicariamente por intermédio deles. Era uma maneira de eu poder voltar a ter aquilo”.
Estranhamente, o tratamento teve seus benefícios culinários, ele disse. Quando tinha 20 e poucos anos, o ator descobriu que não tolerava lactose e que não conseguia digerir açúcar muito bem, tampouco. Os dois problemas parecem ter desaparecido.
Mas ficou claro que ele ainda tem um bom caminho a percorrer. No começo da entrevista, em um cinema perto de sua casa, Tucci apanhou no bolso do paletó um saquinho de chá de rooibos, acrescentando que o chá normal tem excesso de tanino. “Deixa minha boca tão seca que é como se eu estivesse comendo giz”, ele disse.
Quando ele estiver se sentindo melhor, e quando fazê-lo deixar de parecer parte do trabalho, ele sonha em comer filé, “pad thai”, “dal”, sushi. Até lá, sua série para a CNN foi renovada para mais uma temporada, e ele tinha o jantar daquela noite para preparar. E já sabia o que estaria no cardápio.
“Um macarrão, com molho de tomate fresco e camarão, um pouco de caldo de camarão, uma pitada de manjericão e uma salada rápida”, disse Tucci, olhando para o teto como se contemplasse a refeição que estava por vir. Os olhos dele brilhavam.
Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci
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