Aviso
Este conteúdo é para maiores de 18 anos. Se tem menos de 18 anos, é inapropriado para você. Clique aqui para continuar.

Celebridades
Descrição de chapéu The New York Times

Juno Temple deixou papéis problemáticos para brilhar na série 'Ted Lasso'

Atriz de 32 anos pensou ser engano ao receber convite para a comédia

A atriz Juno Temple em Los Angeles Brian Guido - 5.jul.2021/NYT

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Alexis Soloski
The New York Times

Quando Jason Sudeikis entrou em contato com Juno Temple, 32, ela achou que ele tivesse enviado uma mensagem para a pessoa errada. Por uma década e meia, Temple interpretou uma porção de mulheres jovens e complicadas em filmes como “Desejo e Reparação”, “Killer Joe – O Matador de Aluguel” e “Desejos da Tarde”. Ela quase nunca tinha trabalhado em comédias.

E por isso, quando Sudeikis lhe mandou uma mensagem de texto oferecendo um papel em “Ted Lasso”, a comédia extravagantemente amistosa e nomeada para numerosos Emmy e cuja segunda temporada estreou recentemente na Apple TV+, ela desconfiou de que o criador da série a tivesse confundido com alguém mais.

“Eu pensei comigo mesma que a situação seria desconfortável”, disse Temple em uma entrevista por vídeo recente. Ela estava recostada em uma almofada felpuda na varanda de sua casa em Los Angeles.

Mas Sudeikis não estava enganado. “Ted Lasso”, uma série sobre um treinador americano de futebol contratado para dirigir um time perdedor da Premier League inglesa, é uma produção cujo elenco principal é quase todo masculino. Brendan Hunt, um dos criadores do programa, o define como “muito, muito manocêntrico”.

Mas há dois papéis espetaculares para mulheres: Rebecca Walton, a dona do clube, e Keeley Jones, a namorada de um dos astros do time. E os produtores tiveram dificuldades para encontrar uma atriz que servisse bem para o papel de Keeley.

Keeley é uma garota glamorosa, que trabalha ocasionalmente como modelo topless. “Eu sou meio famosa por ser quase famosa”, ela explica em um dos primeiros episódios. As atrizes que os produtores haviam testado até ali enfatizavam o lado físico e o glitter da personagem, mas não seu cérebro afiado e coração ainda maior. Temple, que se auto descreve como “esquisita e cheia de manias”, e que não se define como voluptuosa, não parecia um encaixe evidente.

Brett Goldstein, um dos atores e roteirista da série, que interpreta o par romântico de Keeley na temporada dois, se lembra de quando o nome de Temple apareceu. “Pensei que, uau, escolha esquisita. Por causa de seus personagens sombrios”, ele disse.

Mas Sudeikis havia visto o trabalho dela em “Vinyl”, uma série criada por Martin Scorsese e cancelada rapidamente, estrelada por sua então mulher Olivia Wilde. E ele teve a intuição de que Temple interpretaria Keeley de um jeito diferente.

E foi o que ela fez. Um rabo de cavalo no topo da cabeça e saltos altos ajudaram Temple –que mal chega a 1,58 metro– a ficar à altura de Keeley. Um sutiã com estrutura arquitetônica e dois pares de cílios postiços lhe deram o look de uma modelo provocante. Mas Temple empresta a Keeley algo de só seu: uma generosidade de espírito e um brilho incessante que a maquiagem de olhos não basta para explicar.

“Ela é maravilhosa”, disse Goldstein, que tende a ser desbocado, na tela e fora dela, sobre sua colega. “Ela é luz pura”. E agora Temple também foi indicada ao Emmy como melhor atriz coadjuvante de comédia por sua interpretação como Keeley –uma das 20 indicações que a primeira temporada da série recebeu.

Para Temple, filha do cineasta experimental Julien Temple e da produtora de cinema Amanda Pirie, atuar sempre pareceu inevitável. Ela se lembra vividamente de contrair catapora perto dos quatro anos de idade e de só encontrar consolo em uma cópia em laserdisc do filme “A Bela e a Fera”, de Jean Cocteau.

“É a primeira lembrança que tenho de ver um filme e achá-lo mágico”, ela disse. “Lembro-me de ter pensado que queria ser parte daquilo”. Aos 14 anos, ela comunicou aos pais que precisava ser atriz. “Posso aprender sobre mim mesma e sobre todas as outras áreas da vida, e todas as diferentes perspectivas e dores”, ela explicou a eles. “Os dois responderam: Mesmo? Você tem certeza? Meu Deus, não. Por favor”.

Mas a mãe a levou a uma seleção de elenco para um filme, “Notas Sobre um Escândalo”, e ela conquistou o papel. E logo em seguida foi escalada para “Desejo e Reparação”. Em 2013, Temple ganhou o prêmio Bafta como estrela em ascensão. Três anos mais tarde, o jornal Guardian a definiu como “uma rosa inglesa de rosto carmesim e com montes de sensualidade à espera de uma oportunidade de extravasar”.

Na tela, Temple tem uma presença manhosa e com algo de infantil e de selvagem, como se fosse uma menina criada por lobos muito acessíveis emocionalmente. O jeito dela evoca palavras antiquadas como “pirralha”, “patife”, “sirigaita”. (Hunt a descreve como “pivete”).

Ela também gosta de se parodiar. Na entrevista por vídeo, Temple apareceu adornada por um grande laço preto, anéis de ouro sobrepostos, uma corrente de ouro e brincos de argola Chanel, em uma espécie de celebração e sátira da feminilidade. Uma paródia de que ela está quase completamente ciente.

As personagens de Temple quase sempre estão em jornadas de descoberta pessoal, e a atriz faz com que essa descoberta pareça imperativa e arriscada. “Jamais tive medo de interpretar uma personagem que esteja passando por uma transição ou por alguma coisa complicada, algo para o que nem mesmo eu tenha respostas”, ela disse. Cada uma dessas garotas perdidas a ensina um pouco mais sobre si mesma, mesmo que ela tente mantê-las a alguma distância.

As pessoas às vezes perguntam a Temple se ela segue o método [Strasberg] de interpretação. Ela responde que não. “Se seguisse, já teria morrido 15 vezes”, ela disse. “Mas com certeza aprendi muita coisa com essas personagens extraordinárias”.

Stacie Passon, que dirigiu Temple em “Little Birds”, adaptação do serviço de streaming Starz para os contos eróticos da escritora Anaïs Nin, percebeu o interesse profundo da atriz pelo comportamento humano e sua clara inteligência cinematográfica. Ela já disse muitas vezes que Temple provavelmente seria uma boa diretora, mas a atriz nunca se interessou por isso. “Ela sempre dizia que tinha muito mais coisas a contar à câmera”, disse Passon.

Em seus primeiros filmes, Temple gravitava para papéis sexualizados. Ou talvez esses papéis gravitassem para ela. Em entrevistas, ela às vezes abraça esse lado de sua personalidade, dizendo ao repórter do Guardian que falou de seus “montes de sexualidade” que “enfim cheguei à puberdade diante das câmeras. Woo-hoo!”.

Ela confessou ao jornal Independent que compra lingerie para cada personagem que interpreta, e em 2016 fez uma campanha para a marca Agent Provocateur de lingerie de luxo. No ano passado, para promover “Little Birds”, ela falou em tom blasé a outro jornalista do Guardian: “Não fico nervosa fazendo cenas de sexo. Já fiz muitas, a esta altura”.

Nem todas as cenas de sexo pareceram inteiramente necessárias, mas ela sempre tratou a sexualidade como elemento essencial das personagens, e não como uma adição gratuita. “Ela quer explorar o desejo”, disse Passon.

Kathryn Hahn dividiu a tela com ela em “Desejos da Tarde” (2013). Temple interpretava McKenna, uma dançarina exótica, e Hahn a nada exótica dona de casa que a acolhe. Hahn percebeu que, no papel de McKenna, Temple era capaz de ao mesmo tempo mostrar uma mulher em pleno controle de sua sexualidade e a garota vulnerável por sob esse exterior. “Ela é notável em sua busca da verdade”, escreveu Hahn em um email.

Temple não se envergonha de qualquer cena de sexo nos filmes que fez. “Foram escolhas que eu não mudaria”, ela disse. “Não me arrependo. Parte de mim se incomoda menos por ser apanhada sem roupa como a personagem do que se incomodaria caso eu fosse filmada da maneira que sou em minha vida real”.

Diferentemente de muitos dos personagens anteriores de Temple, Keeley já se sente confortável com sua sexualidade. (A lingerie dela? Um conjunto rosa com estampa de corações reluzentes.) Ainda que tenha quase conquistado fama como modelo topless, ela agora em geral mantém os seios cobertos. “Ted Lasso” em lugar disso a leva a ver que tem um valor que vai além de seu corpo, e a história a recompensa por acreditar nisso. O que quer que seja o antônimo de problemática, é isso que Keeley é.

Porque Temple não fez muitas comédias, ela aprendeu como fazê-lo em “Ted Lasso” cena por cena, passo a passo. O elenco teve paciência com ela, disse a atriz. E se dispôs a responder a perguntas do tipo “mas por que isso é engraçado?”.

Graças aos seus instintos e experiência, Temple tende a “interpretar as cenas do jeito mais real que posso”, em lugar de correr atrás da risada. Hunt disse que essa abordagem funciona bem para Keeley e para a série. Quase sempre.

”Ela interpreta a verdade daquilo que seu personagem vive, e é hilariante”, ele disse. “Mas há momentos em que a gente precisa pedir: ‘Tudo bem, Juno, mas agora tente de novo, sem chorar’”.

Ela também mostrou talento inesperado para o humor físico, como em uma cena da segunda temporada em que ela ataca uma fonte de chocolate, com a língua em riste. “Ela está inteiramente presente, viva”, disse Goldstein. “Atuar com ela é sempre mágico”.

Temple jamais interpretou uma personagem gentil como Keeley, e tampouco alguém que tenha um relacionamento tão amoroso e descomplicado como o que a personagem desenvolve com Rebecca (Hannah Waddingham, também indicada ao Emmy). Keeley ajudou Temple a sobreviver ao lockdown da pandemia.

“Foi bom para o meu cérebro que eu não estivesse interpretando uma personagem que passasse por muitas transições complicadas, ou sentisse desdém por si mesma ou muitas das outras coisas complicadas que já tentei mostrar nas telas”, ela disse. “Eu precisava ser gentil comigo mesma”.

Essa gentileza tem algo de viciante. Temple quer interpretar mais personagens como Keeley, ela disse, mas não apenas personagens como ela. O objetivo, disse, é fazer com que as mulheres se sintam menos sozinhas, um papel por vez.

“É algo que o cinema fez por mim, e que espero poder fazer por outras mulheres”, ela disse. “Porque às vezes ser mulher é o máximo, a mais bela e a mais maravilhosa coisa no mundo. E às vezes é uma tragédia”.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem