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Celebridades
Descrição de chapéu The New York Times

Janet Mock fala sobre casamento em 'Pose' e diz que batalha pelo amo

Roteirista diz que seria mais confiante se tivesse série enquanto crescia

A escritora e roteirista Janet Mock Instagram/janetmock

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Alexis Soloski
The New York Times

Há um ano e meio, Janet Mock, 38, roteirista, diretora e produtora executiva de “Pose”, série do canal FX, estava começando a planejar um casamento. Um grande casamento. Em um salão de baile. Com música, flores e uma noiva tão incrivelmente linda que o noivo cairia em lágrimas ao vê-la entrando.

Ela propôs a ideia a Ryan Murphy, o criador de “Pose”. A resposta dele: “Mais um casamento em uma série de TV?”. Na maioria das séries, casamentos são clichês, um truque para atrair audiência, uma jogada a que um programa recorre em uma temporada na qual já tenha feito tudo mais. Mas Mock sabia que um casamento em “Pose” poderia representar muito mais.

“Era minha carta de amor a ‘Pose’”, ela disse, “e às mulheres que assistem à série e anseiam por aquela espécie de parceria muito, muito profunda com alguém que esteja lá para elas sem restrições, e as celebre e as ame em público”. Os argumentos dela persuadiram Murphy, e o casamento acontece, na terceira e última temporada de “Pose”, que estreou no dia 2 nos Estados Unidos. (Foi um casamento tão grande que ocupou dois episódios.)

Conviver com Mock, mesmo que por apenas alguns minutos –como fiz recentemente em uma conversa via vídeo– leva a compreender que ela é uma pessoa extremamente persuasiva. “Janet é muito carismática, é uma pessoa a quem você se disporia a seguir no campo de batalha”, disse Murphy. (Ele tem razão. E quem o fizesse pode ter certeza de que o uniforme de combate que ela escolheria seria uma graça.)

Na tela, usando uma blusa branca soltinha e múltiplos colares, ela parecia confiante, solidária, um exemplo de luminosa autoaceitação. “Ela é o espécime de ser humano mais gracioso que conheço”, disse o ator Billy Porter, colega de Mock em “Pose” e ganhador de um prêmio Emmy.

Filha de mãe havaiana e pai negro, ambos os quais enfrentaram problemas de vício, Mock teve uma infância difícil. Na adolescência, teve de ser garota de programa para ganhar dinheiro e pagar por sua cirurgia de confirmação de sexo.

A roteirista discute tudo isso em seu primeiro livro de memórias, com compaixão e sem mostrar vergonha. “Eu me encontrei”, disse Mock. “Fiz o trabalho necessário. Me curei. E agora posso ser quem sou”.

Ela permite que seus personagens –especialmente os marginalizados – também sejam eles mesmos, dotando-os de humanidade plena e complexidade genuína. Apenas dois anos depois de ela ter começado em “Pose” como roteirista inexperiente –Mock nunca havia usado o software de roteiro Final Draft — a Netflix fechou um contrato com ela para desenvolvimento de programas, o primeiro que a empresa assinou com uma pessoa transgênero.

“Janet é uma pioneira que sempre traçou o próprio caminho”, disse Brian Wright, que dirige o departamento de contratos da companhia, em um email. “Quem não gostaria de trabalhar com ela?”

​Mock sempre adorou histórias. Leitora ávida, ela foi repórter do jornal de sua escola, no segundo grau. Depois de concluir a universidade, se mudou para Nova York e fez mestrado em jornalismo. Trabalhou por três anos no site People.com, produzindo conteúdo otimizado para serviços de busca e galgando agilmente a hierarquia editorial.

Quando o trabalho começou a incomodar –“eu não tinha a sensação de estar fazendo o mal, mas sabia que era parte da máquina”, disse Mock— , ela começou a acordar mais cedo e escrever histórias sobre sua vida. “Eu sentia ter uma responsabilidade –não acreditava que, como mulher trans negra e havaiana, eu estivesse no mundo só para trabalhar”, ela disse. “Sentia que havia mais”.

Àquela altura, ela já havia revelado seu status a alguns amigos, um dos quais mencionou sua história a um mentor na revista Marie Claire. Convidada a colaborar para um artigo, Mock aceitou e deu seu depoimento para “I Was Born a Boy” [nasci menino], um título que ela não escolheu. O artigo foi publicado em 2011. Seu primeiro livro de memórias, “Redefining Reality”, surgiu três anos mais tarde.

Um segundo, “Surpassing Certainty”, apareceu três anos depois. Ela aceitava propostas ocasionais para mediar debates, e dava palestras “em toda maldita faculdade que você possa imaginar, toda faculdade em toda cidadezinha, viajando por toda parte em aviões minúsculos”.

Ao mesmo tempo, “Pose”, criada por Murphy, Brad Falchuk e Steven Canals e ambientada no Harlem da década de 1980, no ambiente dos clubes de dança frequentados por pessoas “queers” e não brancas, havia começado a contratar pessoal. Diversos dos personagens principais eram mulheres transgênero e não brancas, e Murphy sabia que elas precisavam de uma representação melhor na equipe de roteiristas.

“Eu queria escalar pessoas autênticas para a série; não só os atores mas todos os envolvidos precisavam ter autenticidade”, ele disse.

Murphy contratou Our Lady J, mulher transgênero e veterana de “Transparent”. E sentia que também precisava de uma mulher transgênero não branca, e que tivesse um histórico comprovado como roteirista –ou, nas palavras de Mock, ele estava à procura de “um unicórnio”.

Mock jamais havia trabalhado em uma série roteirizada. E nem tinha a intenção de fazê-lo. Mas Murphy a convidou para uma visita ao set de “The Assassination of Gianni Versace: American Crime Story”, e em poucos minutos lhe ofereceu emprego. (Murphy define o processo como “contratação drive thru”.) Mais tarde, Mock teve de procurar seu agente para ter certeza de que a proposta era legítima.

Quando ela começou a escrever para “Pose”, trouxe consigo todas as experiências que havia vivido – “minha sensação era a de ter passado por 10 vidas”, disse Mock. “Não gosto de ser sovina em termos de compartilhar minha experiência. Acredito em abundância”.

Os atores perceberam imediatamente. Dominique Jackson, que interpreta Elektra, “house mother” [líder] de uma comunidade “queer”, relaxou logo que viu Mock no estúdio. “Ela é uma pessoa que diz a verdade, e uma defensora da comunidade”, afirmou Jackson. “Uma verdadeira paladina –deveria usar uma capa todos os dias”. (Mock fica muito bem de capa.)

A nova roteirista ajudou a mudar o tom de “Pose”, que começou como uma série mais sombria e amadureceu para se tornar uma história mais cálida e afirmativa –um drama de família com algum glitter e espetáculo. “Ryan me viu com o elenco”, disse Mock. “Quando conversávamos, nosso assunto não era dizer que o mundo nos magoa. Nós comentávamos sobre unhas, sapatos”.

Em poucos meses, Murphy promoveu Mock a produtora. Depois a informou de que poderia dirigir episódios. Ela rebateu que não sabia dirigir, e ele respondeu que sim, sabia –por ser colaborativa, gentil e saber como contar uma história. Ele a instruiu a acompanhar o trabalho de Gwyneth Horder-Payton, diretora de alguns episódios de “Pose”, e ficou por perto nas cenas iniciais do primeiro episódio dirigido por Mock, “Love Is the Message”, na primeira temporada. (Ela também dirigiu episódios em outras séries criadas por Murphy, “Hollywood” e “The Politician”.)

Sua presença como diretora fez diferença para os atores de “Pose”, especialmente durante as cenas mais emotivas. “Ela compreendia que estávamos revivendo nossos traumas”, disse Jackson. “Janet era capaz de ver aquilo, e de colocar a coisa em perspectiva, para que não estivéssemos passando por um trauma no set sem necessidade”.

Na sala dos roteiristas, desempenhando suas outras funções, Mock sempre lutou ferozmente pela inclusão de certo tipo de histórias, especialmente histórias de amor. “Ela é romântica”, disse Canals. “É uma romântica incurável. Ama o amor, e se diverte muito com histórias suculentas que honram aquela bela conexão entre duas pessoas”.

Mock insistiu no casamento da temporada três por motivos relacionados à trama da série, mas também por razões pessoais. “Eu batalho pelas histórias de amor porque conheço a sensação de ser rejeitada repetidas vezes”, ela disse. Mock queria um episódio que demonstrasse que amor e aceitação são possíveis, disse, bem como “um parceiro que esteja presente para você, que apareça para te buscar, que cante uma serenata para você na frente de todas as pessoas que você ama”. O sentimento repercutiu entre o pessoal da série.

“Sempre fomos vistos como seres humanos que não conseguiam ser amados”, disse MJ Rodriguez, que interpreta Bianca, outra “house mother”. “Enfim, ter aquilo na tela da TV instila muita esperança”.

Quando Jackson viu o roteiro para os episódios do casamento, ela chorou. “Mesmo sendo mais velha, é algo com que ainda sonho”, disse. “Para muitas de nós, esse sonho não se realiza”.

Quanto a sonhos, há uma reviravolta interessante, com a vida imitando a arte. “Pose” deu a Mock sua própria história de amor. Em 2018, quando seu segundo casamento estava chegando ao fim, ela começou a sair com Angel Bismark Curiel, o ator que interpreta Lil Papi em “Pose”.

“Tenho sorte por estar apaixonada e ter como parceiro alguém com quem posso criar magia”, ela disse. “Pudemos nos despedir juntos de ‘Pose’, o que foi gostoso”.

A rodagem da temporada final da série começou em março do ano passado. O trabalho ficou suspenso por seis meses e depois foi retomado com protocolos severos de segurança por conta da Covid-19, e com quarentena para os extras. Poucos dias antes de nossa conversa, Mock havia filmado sua última cena, em uma praia, num dia nublado. “Mas o sol surgiu no último minuto, e enfim conseguimos todas as tomadas de que precisávamos”, ela disse.

Com o fim de “Pose”. Mock começará a trabalhar em seus projetos para a Netflix, primeiro um filme sobre o relacionamento entre Sammy Davis Jr. e Kim Novak e, em seguida, um projeto centrado em Janet Cooke, ex-jornalista que foi exposta por ter falsificado a reportagem pela qual ganhou um prêmio Pulitzer. Ela também planeja uma série sobre a vida na universidade, que descreve como uma homenagem a “Felicity” e “My So-Called Life”.

Ela quer fazer televisão que gere empatia e que permita que as pessoas que assistem saibam que não estão sozinhas. Mock às vezes imagina como teria sido se existisse uma série como “Pose” quando ela era adolescente e como a série poderia ter lhe ensinado lições que demorou muito tempo para aprender.

“Eu seria ainda mais confiante. Seria ainda mais ousada. Não me sentiria forçada a me desculpar pelo que sou”, ela disse. “E teria visto que minha vida importa”.

Tradução de Paulo Migliacci

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