Celebridades

Christiane Torloni diz que pandemia veio tirar a última máscara de um sistema quebrado

Para atriz, isolamento deixou as pessoas mais reflexiva e atentas

Christiane Torloni Marcelo Faustini/Divulgação

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A pandemia do novo coronavírus causou um baque na produção artística nacional. Teatros foram fechados, gravações de novelas suspensas. Ainda assim, a atriz Christiane Torloni, 63, aponta que esse período pode acabar com dúvidas ou desconfianças que algumas pessoas ainda poderiam ter em relação à classe artística.

"As pessoas só estão conseguindo sobreviver ao isolamento, porque todos os dias têm a oportunidade de descansar suas almas e alimentar seu espírito através da arte. Eu acredito que a partir desse episódio as pessoas vão ver com muito mais atenção e reconhecimento à classe artística, o que é essencial", afirma.

No ar atualmente na reprise de “Fina Estampa” (Globo, 2011-2012), Christiane Torloni contou ao F5, em entrevista por email, que já pretendia tirar uma espécie de período sabático neste primeiro semestre de 2020, só não imaginava que fosse acontecer como uma obrigação de quarentena e de isolamento social.

Em sua casa, no Rio de Janeiro, a atriz afirma que, além da possibilidade de maior valorização da arte, a pandemia também tem ajudado as pessoas a ficarem mais reflexivas, atentas à necessidade de reforçar as instituições e de defender a democracia. "É um momento muito dramático do Brasil", avalia ela.

"A pandemia veio para tirar a última máscara de um sistema que está totalmente quebrado pela corrupção e pela ineficiência da politicagem. Mas, infelizmente, nesse momento vem uma cortina de fumaça criando uma situação de instabilidade política, o que está tirando a nossa paz, a nossa fé."

Em entrevista ao F5, a atriz fala também sobre a importância das redes sociais neste momento e sobre sua luta em defesa do meio ambiente e contra o desmatamento da Amazônia. Ela também comenta a volta de "Fina Estampa", que continua a fazer sucesso quase dez anos após a primeira transmissão.

​F5 - Vive-se um momento bem assustador com a pandemia. Como tem sido esse período de isolamento?
Christiane Torloni - Em relação à pandemia, é um momento de muita angústia. São mais de 50 mil almas perdidas e um país de luto. Fico muito angustiada, porque, enquanto não houver vacina, nós não sabemos como isso vai se restabelecer, como será o que chamam de "novo normal". Isso independente das atividades que você pode e deve fazer em casa para se manter equilibrado.
Eu gosto de estudar, então, estudo canto, um pouco de teoria musical, faço ioga, tenho um coaching regular de inglês por causa de outras atividades que eu faço. Mantenho leituras regulares e exercícios físicos. Mas, do ponto de vista emocional, é claro que estamos todos muito abatidos. É muito apreensivo pensar em como vamos conseguir dar suporte para essa população que está sendo tão massacrada.

Você tem usado as redes sociais para se posicionar sobre assuntos como coronavírus e ambientais. Qual a importância delas?
As redes sociais podem ser um veículo muito positivo. É uma ferramenta que ajuda o país a estar refletindo. Na verdade, temos através das redes, principalmente as que são do bem, ótimos encontros de reflexão. As pessoas se unindo para identificar e radiografar o país e avaliar como que podem se posicionar para ajudar. Com certeza, eu creio que uma ação cidadã-responsável ajuda a buscar estabilidade. Acho que isso é uma obrigação nossa. As pessoas devem usar as redes com muita responsabilidade, caso contrário é melhor não usar.

Há um movimento para que artistas e influenciadores se posicionem mais publicamente. Como você vê essa cobrança?
Olha, já há alguns anos eu me dedico às questões do meio ambiente e, principalmente, agora na atual fase política que o Brasil está passando. Vemos que é como mexer em uma casa de marimbondos, porque foi declarado que se pretende passar uma boiada na Amazônia [segundo afirmação do ministro Ricardo Salles, em reunião ministerial], enquanto estamos vivendo uma pandemia. Claro que as ONGs e as instituições sérias repeliram isso. E, naturalmente, eu estou alinhada com esse posicionamento contra o que foi dito pelo Governo.
Nós temos que preservar a Amazônia e as populações tradicionais do Brasil. Porque sem isso não vamos saber quem fomos no passado. Nosso presente está estraçalhado. E o futuro dos próximos brasileiros e do próprio planeta está ameaçado. Então, controverso ou não, temos que estar muito alinhados e firmes para que as instituições sintam que estão amparadas pela sociedade civil. É nosso dever fazer com que as instituições se sintam apoiadas.

A classe artística já passava por dificuldades, com ataques e desconfianças, principalmente relacionadas a Lei Rouanet, e agora sofre o baque da pandemia. Como vê esse cenário?
Em relação à comunidade artística do Brasil, se alguém ainda tinha alguma dúvida e desconfiança do quanto a arte é essencial, acho que nesse momento não há mais. As pessoas só estão conseguindo sobreviver ao isolamento e à quarentena porque todos os dias em vários tipos de plataformas têm a oportunidade de descansar suas almas e alimentar o seu espírito através da arte.
Eu acredito que a partir desse episódio as pessoas vão ver com muito mais atenção e reconhecimento a classe, o que é essencial. Principalmente, se você for olhar aquilo que a indústrias do teatro, do entretenimento, do cinema movimentam e devolvem aos cofres públicos. Mesmo quem não é incentivado, é obrigado por lei a ter quase 80% da casa com meia entrada. É o único segmento que dá 50% do seu trabalho, mesmo que não tenha sido incentivado. Para cada R$ 1 que o cinema capta de recursos de imposto e das leis de incentivos fiscais, ele devolve três. Então, não tem negócio melhor do que incentivar à arte e à cultura. A cultura é um bem essencial para a significação daquilo que é a identidade de um país. Um país sem cultura, não sabe quem é. Então, nesse sentido, a arte é a nossa selfie, com certeza. É onde você agrega todas as diferenças, é onde a pluralidade se mostra como um grande tesouro.

Você tinha projetos em andamento que foram paralisados pela quarentena? Quais as expectativas?
Na verdade, nesses últimos anos, eu fiquei dedicada, além das gravações de novelas seguidas, à terminar de editar e lançar o documentário “Amazônia: O Despertar da Florestania”, e concluindo a terceira turnê do espetáculo "Master Class", que faço desde 2015. Foram três turnês pelo Brasil.
Neste primeiro semestre de 2020 eu estava planejando ter uma espécie de semestre sabático, só não imaginava que fosse acontecer como uma obrigação de quarentena e de isolamento. Os projetos estão para o segundo semestre, mas com essa questão da quarentena eu não sei se eles vão avançar. Então, prefiro não adiantar. Vamos ver o que vai acontecer.

Falando das produções, como é rever Tereza Cristina na reprise de "Fina Estampa"? Quão importante foi esse personagem?
Fiquei superfeliz com essa edição especial da novela. Fazer parte dessa trama foi uma ótima oportunidade. O núcleo da Tereza Cristina e do Crô tinha um requinte de direção especial do Wolf Maya, que é excelente em comédia. Os personagens tinham uma carga de vilania, mas com uma certa leveza. Durante a novela, as pessoas se divertiam muito com as diabruras da personagem e elogiavam toda sua composição. O fato de estar fazendo comédia também foi muito importante. Foi bacana porque o público foi surpreendido com outra faceta do meu trabalho. A Tereza Cristina era aquela vilã adorável que as pessoas amavam odiar. Foi uma personagem que me trouxe uma enorme alegria.

Você acha que a sociedade mudou muito desde a primeira transmissão da novela?
Com certeza a estratégia de reprisar sucessos foi um grande gol. Com as gravações suspensas das produções que estavam acontecendo foi uma saída honrosa e um presente para o público que, muitas vezes, não pode acompanhar as novelas. Vemos pelos índices de audiência que a novela está sendo recebida de uma maneira magnífica.
Acredito que sim, a sociedade brasileira avançou. Você vê que engraçado, na época, há oito anos, você ainda via as pessoas usando uma espécie de telefone que não usamos mais agora. É muito interessante você perceber como em tão pouco tempo a gente teve um progresso tecnológico impressionante.

Houve alguma preocupação em relação à aceitação do público?
Quanto aos costumes, os dois personagens, tanto a Tereza Cristina como o Crô, são personagens quase de quadrinhos. Não são completamente ligados à realidade. A gente vê que a própria composição, a dramaturgia, mostram que são personagens que têm uma pequena afetação. E isso faz com que a gente não os ache real. Teve uma condução do ponto de vista da interpretação e da condução que mostram que eles são um pouquinho acima da chamada interpretação naturalista. Então, essa quase farsa, coloca os personagens em um lugar de muita liberdade. Não é um trabalho absolutamente ligado à realidade e aí pode-se estar triscando questões, e mexendo com preconceitos, como forma de denúncia.

E esses personagens existem na vida real?
Mesmo na brincadeira o Aguinaldo vai fazendo críticas sociais. Mesmo na brincadeira, é preciso mostrar que essas pessoas existem também, e que esse posicionamento existe. Então, mostrá-lo de uma maneira até farsesca, é mostrar o quão ridículo pode ser alguém se posicionar de uma maneira tão fora do tempo. Quando você faz isso através de uma ferramenta como a comédia, você faz a crítica dentro de uma categoria de dramaturgia que, no caso, é a farsa. Eu acho importantíssimo, e os papéis são muito bons e muito bem escritos. É um presente que teve um efeito boomerang. Foi uma maravilha e agora voltou sem a carga do trabalho. À época era uma carga de trabalho muito pesada. Agora tenho a oportunidade de assistir à novela e aproveitar sem um olhar tão crítico assim e viajar com isso.

Falando ainda em mudanças na sociedade, como vê esses movimentos que têm aflorado nesse período de pandemia?
Com certeza, eu acho que o isolamento obrigou as pessoas a terem um posicionamento menos disperso em relação à vida. Sem a correria do dia a dia, houve uma concentração das pessoas em casa, lendo jornais, acompanhando todas essas plataformas de informação. E, mais do que nunca, a gente percebe como nossas instituições precisam ser reforçadas. A democracia é uma coisa pela qual você luta todos os dias. É uma batalha que nunca está vencida. Percebemos isso pelas provocações e turbulências que estão atingindo as instituições do Estado. Faz parte do próprio conceito da democracia que ela seja discutida, mas dentro de regras que são muito bem estabelecidas para que não vire um caos.

E as discussões sobre democracia e racismo?
Como estamos vendo nesse momento da pandemia, onde nós devíamos estar concentrados em consertar erros do passado, como a desestruturação da saúde pública, que é uma tragédia anunciada. A pandemia veio para tirar a última máscara de um sistema que está totalmente quebrado pela corrupção e pela ineficiência da politicagem. A máscara caiu e a gente vai ter que consertar esse grande dano que foi sendo feito nas últimas décadas. Mas, infelizmente, nesse momento vem uma cortina de fumaça criando uma situação de instabilidade política, o que está tirando a nossa paz, a nossa fé. ​Temos a necessidade de ajudar as pessoas que precisam. É um momento muito dramático do Brasil. Do ponto de vista de cidadã, eu estou muito perplexa com o que está acontecendo. Acho que o Brasil vai ter que se reeducar. Num país onde já passaram tantos visionários da educação, ver o que está acontecendo é lamentável.

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem