Renée Zellweger promete volta triunfal aos cinemas no papel de Judy Garland
Atriz fala sobre as semelhanças de sua vida com os últimos anos de Garland
“Vamos começar esta entrevista, em algum momento”, insisti, me dirigindo a Renée Zellweger. “Não, não”, ela respondeu. Estávamos na metade de agosto e eu havia ido ao Beverly Wilshire Hotel para conversar com Zellweger sobre “Judy”, filme no qual ela interpreta Judy Garland no último ano de sua vida, quando a atriz e cantora estava em seu momento de maior depressão.
É um papel transformador, interpretado com brio suficiente para que Zellweger, 50, seja difícil de alguém vencê-la no Oscar de melhor atriz deste ano, uma grande façanha se considerarmos que ela ficou seis anos longe das telas.
Mas demoramos bastante a chegar a esse ponto. Primeiro havia a questão de convencer Zellweger a fazer mesmo a entrevista; um de seus agentes de imprensa não parava de me enviar emails avisando que ela ela se atrasaria, e nosso encontro, marcado para um almoço, foi chegando mais e mais perto da happy hour. Imaginei se Zellweger, que teve maus momentos com a mídia, estava tentando ganhar tempo.
Passei quase duas horas no saguão do hotel, vendo mulheres bem vestidas e homens mal vestidos sair dos elevadores, até que Zellweger chegou, pequena e discreta em roupas de exercício, seus cabelos loiros presos sob um boné amarfanhado do Texas Longhorns.
“Obrigado por esperar”, ela disse, timidamente. “Todos os meus horários estouraram”. Zellweger me disse que estava se reacostumando aos horários das estrelas, com compromissos como sessões de fotos, provas constantes de roupas, aparições em festivais de cinema, e nossa entrevista.
Se “Judy” tiver o desempenho previsto na temporada de prêmios, ela terá de falar muito a seu próprio respeito -o que ela não vê como problema, mas não seria mais divertido conversar sobre qualquer outra coisa?
Acho que esse é o motivo para que ela aproveite um pretexto para conversa fiada enquanto nos encaminhamos para o restaurante. Meu namorado havia se mudado naquela manhã, e estávamos a ponto de começar um relacionamento a distância. De repente, era Zellweger que estava me interrogando: com que ele trabalha, há quanto tempo namoramos, e não foi Rilke que disse certa vez que amar é ser o guardião da solidão do outro?
“Vai dar tudo certo, tenho certeza”, ela disse, com sua voz aguda e sotaque texano expressando determinação. Ela me disse para não ceder ao medo. “As pessoas são cínicas e vão dizer que isso tipo de coisa não funciona, mas discordo totalmente. Veja só Kyra Sedgwick e Kevin Bacon, por exemplo”.
Ela disse que a distância nos ensinaria o valor de termos um ao outro e recomendou meditação e conversas frequentes no FaceTime. Foi tudo tão sincero que, depois de 20 minutos de conselhos bem intencionados tive de lembrar a Zellweger que era ela que supostamente deveria responder perguntas.
O rosto dela mostrou algum desânimo. ”Antes de tudo, você está não morrendo de fome?”, ela perguntou, abrindo o cardápio tranquilamente. “Com certeza está, querido”. O garçom se aproximou e Zellweger fez um pedido para mim: “Ele vai querer um martíni triplo”, ela disse, rindo.
Quando Zellweger se conformou com a ideia de ser entrevistada, ela começou a curtir o processo. Foi mais ou menos assim que “Judy” aconteceu. O diretor Rupert Goold conduziu Zellweger cuidadosamente ao longo do projeto, ciente de que lhe oferecer o papel diretamente poderia intimidá-la. “Alguém me perguntou quando exatamente eu soube que faria o papel”, disse Zellweger. “E não acho que passei por esse momento!”
Ela recebeu o roteiro em 2017. “No começo, não entendi por que pensaram em mim para aquele papel”, disse Zellweger. O filme requereria muito canto, ao vivo, porque acompanha Garland, que estava quase falida, em uma temporada de cinco semanas em uma casa noturna londrina e, a despeito de ter sido indicada ao Oscar pelo musical “Chicago”, Zellweger não se considera uma grande vocalista.
Mas Goold acreditava que a vulnerabilidade que a atriz mostrou em “Jerry Maguire” e a força que lhe valeu um Oscar por “Cold Mountain” a tornavam perfeita para o papel. “Garland tinha uma conexão emocional incrível com o público”, me disse Goold pelo telefone. “Você sente estar recebendo um espírito que tem uma inocência inata, uma esperança, e eu queria alguém capaz de expressar essa fragilidade”.
Ele também disse que as experiências de Zellweger em Hollywood, que geraram escrutínio sobre seus romances e especulação de jornais sensacionalistas sobre cirurgias cosméticas, poderiam ajudar a dar forma a uma personagem principal que enfrentava boatos o tempo todo.
Com isso, Zellweger começou a explorar as possibilidades. Porque Goold insistia em que não houvesse dublagem, ela reservou tempo em um estúdio e contratou um instrutor de canto para determinar se o estilo vocal de Garland estava ao seu alcance. Ela trabalhou com um coreógrafo e figurinista para reproduzir a postura encurvada, hesitante, da atriz. E pesquisou, lendo biografias e assistindo a velhos filmes, além de visitar fóruns de fãs de Garland em busca de detalhes úteis.
Mas sempre que Zellweger se apanhava me contando essas coisas por tempo demais, ela imediatamente ficava envergonhada. “Nem se pode chamar isso de trabalho! Pura diversão”, ela disse, muitas vezes.
As sequências mais dramáticas de “Judy” surgem sempre que Garland é forçada a cantar apesar de uma voz prejudicada pelo tempo e pelos vícios. Goold explorou bastante esse suspense. “Disse a Renée que iria estruturar o roteiro para que ele não só conduzisse ao momento de ‘será que Judy Garland vai conseguir fazer o que se espera dela?’ como para que gerasse momentos de ‘será que Renée Zellweger vai fazer o que se espera dela?’”
Zellweger cantou as canções em questão ao vivo, diante de uma plateia, e recorda as cenas agora com a empolgação de alguém que saltou de asa delta e não morreu. “Fiquei eufórica, fiquei muito alta. Imagine algo que você nunca tenha feito!”, ela disse. “Não me permiti pensar demais a respeito -havia aquele medo aterrorizante no fundo do meu pensamento, mas eu resisti, resisti, resisti. Por sorte, as coisas foram tão frenéticas que nem tive tempo de parar para pensar que preferiria não fazer aquela cena amanhã”.
Mas mesmo assim Zellweger encara com cautela projetos que pedem que ela assuma responsabilidades muito grandes sem tempo para metabolizar o pedido. Garland foi explorada por uma máquina de Hollywood que raramente lhe dava tempo de descansar, e Zellweger disse compreender o que significa “chegar a um certo lugar no qual você não sabe se sua pele é espessa o bastante para resistir ao atrito, mas ainda assim aquilo é um compromisso e você tem de cumpri-lo”.
Em 2010, depois de trabalhar quase sem pausa por quase toda sua carreira no cinema, Zellweger se afastou de Hollywood para uma parada que durou seis anos, até ressurgir em “O Bebê de Bridget Jones”. Ela disse que “estava mentindo para mim mesma e não sabia o motivo; não via a exaustão que sentia. Houve um momento em que deixei de reconhecer que precisava tomar conta de mim”.
Ela não se arrepende de ter aceito diversos grandes projetos a cada ano, mas o período de pausa a ajudou a reordenar suas prioridades. “Em lugar de simplesmente ter a esperança de ir à festa de aniversário de alguém especial, eu precisava decidir que iria à festa, e eu não sentia ter direito a essa decisão, porque o trabalho que eu tinha era uma benção”, disse Zellweger.
Livre desses deveres, Zellweger começou uma terapia, viajou, estudou na Universidade da Califórnia em Los Angeles e até escreveu um piloto para o canal Lifetime (o canal recusou o projeto). “Fiz uma pausa para não regurgitar as mesmas experiências emocionais a fim de contar histórias. Vivi experiências novas, e tudo isso foi informativo”.
E sem essa experiência ela não poderia ter interpretado Judy Garland. “Isso me fez apreciar minhas modestas experiências quanto a navegar em torno de uma personalidade pública, que tende a dominar nossa vida”, ela disse.
Semanas depois, fui a uma festa posterior à exibição de “Judy” no Festival Internacional de Cinema de Toronto. O filme havia estreado naquela noite, e foi aplaudido de pé e muito elogiado no Twitter; quando Zellweger subiu ao palco da sala de cinema, ela chorou.
Todo mundo que foi à festa, na mesma rua do local do festival, estava ansioso por parabenizá-la, mas, uma hora depois de começar, o movimentado evento ainda não havia visto sua estrela. “Onde está Renée?”, ouvi um agente de imprensa perguntar. “Alguém a viu?”
Por fim surgiu a confirmação de que ela estava chegando. Deparei-me com Zellweger subindo determinadamente as escadas, em um vestido azul claro e com sapatos brancos de salto altíssimo. Flanqueada por dois assistentes, ela estava muito concentrada, como se determinada a entrar do jeito certo na primeira de muitas festas da temporada em que seria o centro das atenções.
Mas ela me viu e soltou um gritinho: “Que delícia ver você de novo!”, disse Zellwegger, correndo escada acima para me encher de perguntas -se eu veria meu namorado em breve. Oh, na semana que vem? Que maravilha. “O momento é especial para ele”, ela disse a um assessor de imprensa.
O assessor tentou conduzi-la para a festa, enquanto eu perguntava sobre os aplausos. “Ouvi dizer que a estreia foi maravilhosa”, eu disse. “Não tão maravilhosa quanto você ver seu namorado na semana que vem”, ela respondeu, espetando um dedo em meu peito.
E as coisas continuaram nesse caminho por algum tempo, até que consegui fazer minha pergunta: Depois de todo o trabalho que ela colocou nesse papel, terminou sendo aplaudida de pé por três minutos. Qual foi a sensação? “Não sei como encarar isso”, ela terminou por dizer.
Como encarar o que, essa adoração? “Sim”, ela disse, franzindo a testa. “O que você responde a isso, a ser parabenizada por ter sorte?”
The New York Times, tradução de Paulo Migliacci
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