De sírios a venezuelanos, 'Órfãos da Terra' mostra história de amor e recomeço de refugiados
Novela escrita por Duca Rachid e Thelma Guedes estreia terça (2)
Foi entre 2011 e 2015 que o Brasil recebeu mais da metade dos refugiados que abriga hoje. A crise na Venezuela, guerra na Síria e outras graves violações de direitos humanos desencadearam uma onda de imigrações que se arrasta (e é alvo de polêmicas) por todo o mundo.
"Órfãos da Terra" busca retratar pelo menos parte dessa realidade pela visão daqueles que dão nome ao folhetim. A nova novela das seis da Globo, que estreia nesta terça-feira (2) substituindo "Espelho da Vida", conta uma história de amor tendo como pano de fundo a questão dos refugiados.
Laila (Julia Dalavia), filha de Elias (Marco Ricca) e Missade Faiek (Ana Cecília Costa), muito cedo teve que enfrentar o terror de uma guerra na Síria. Ela vai parar em um campo de refugiados no Líbano, onde será negociada em casamento, mas na noite de núpcias ela foge e embarca para o Brasil rumo a uma nova vida, ao lado de Jamil (Renato Góes), por quem está apaixonada.
“A novela começa com a saga dessa família fugindo da Síria. Isso se passa em 2015, quando foi o auge da guerra por lá. A trama começa com eles comemorando o aniversário do filho mais novo, e, de repente, a casa é bombardeada, o que é muito comum por lá. Parte da família morre no bombardeio e eles saem às pressas, deixando tudo para trás”, conta Ana Cecília. “Eles pegam um bote para chegar à Europa pela Grécia, onde é possível pegar um navio para o Brasil”.
Um dos momentos mais emocionantes da gravação é justamente o naufrágio do bote em que ela está. “É comum ver no noticiário que um bote com refugiados virou. Foi uma das cenas mais emocionantes, porque o elenco de apoio todo fala árabe, e é preciso improvisar nesses momentos. Um dos atores começou a rezar o Alcorão", conta.
Escrita por Duca Rachid e Thelma Guedes, a novela segue a partir desse ponto e se debruçará sobre a vida de refugiados que moram em São Paulo, vindos do Oriente Médio, da África ou do Haiti. O elenco contará ainda com Alice Wegmann, que viverá a vilã da trama, além de Leona Cavalli, Marco Ricca, Herson Capri e Letícia Sabatella.
“O propósito desta novela foi o que mais me aproximou daqui, mais ainda do que o fato de fazer uma vilã”, conta Alice Wegmann, que interpreta Dalila, uma moça apaixonada por Jamil (Renato Góes) desde a infância e que lutará para se casar com ele.
“A novela é muito humana, fala de relações, emoções e sentimentos que estão aí. De cara, pensei: será que tem a ver eu fazer uma muçulmana? Depois, fui entender o quanto o Líbano é um país diverso, o quanto a cultura árabe é gigante e depois de um certo estudo, tive certeza de que eu queria fazer”.
O elenco também conta com alguns figurantes que são realmente refugiados, e até com o ex-BBB Kaysar Dadour, que tem origem síria. A presença deles foi essencial não apenas para ajudar a criar a veracidade da novela, mas também para ensinar e emocionar os atores que estão nela.
"Kaysar e a maioria dos refugiados não colocam tanto peso em suas histórias. Eles têm mais uma sensação de superação", diz Julia Dalavia. "Existe uma esperança, uma felicidade, um brilho nos olhos. Mas quando eles contam o que viveram, passa um filme na sua frente."
"A realidade é dura, difícil", diz Renato Góes, o par de Julia (a Laila) na novela. "Mas ver a alegria dessas pessoas é o que eu achei mais forte, mais bonito. Por isso acho que tenho que trazer muita alegria para o personagem, essa alegria que o Kaysar tem, por exemplo."
Eli Ferreira, que interpreta a refugiada Marie, uma mulher que perdeu o marido e o filho e abre um salão de beleza no Brasil, comentou um pouco sobre a preparação para a novela. “Comecei a ver os documentários sobre a Guerra do Congo e a questão do estupro ter sido usado como uma arma de guerra no país. Essa minha personagem pode ter passado por isso ou não”, explica.
Segundo Ana Cecília, a trama pode ajudar a mudar essa realidade. Ela adianta que a novela tomará uma linha mais realista, quase documental. “No meio das cenas de ficção, terão vídeos com depoimentos de refugiados que vivem no Brasil”, diz.
“Tem muita gente que nunca foi ao teatro ou ao cinema e tem a novela como referência. As pessoas que já ouviram falar de refugiados, agora vão acompanhar a história de uma família e isso deve sensibilizar a população”, diz a atriz. “A premissa dessa novela é a solidariedade e a compaixão”.
Marco Ricca, casado com a personagem de Ana Cecília, lamenta apenas o fato de se tratar de uma novela da faixa das seis. “É um tema que daria para abranger muito mais coisas, aprofundar muito mais, mas que por ser uma novela se torna um romance.”
"Já vi gente na internet falando que não ia ver a novela porque falava sobre refugiados. Caramba. Eu tenho certeza de que a pessoa não sabe como é essa vida. Acima de tudo, o que eu quero mesmo é passar esses recados. Quem tiver coração que escute", conclui Góes.
FILHOS DE UMA TERRA SÓ
A trama de “Órfãos da Terra” retrata a chegada de refugiados de diversas partes do mundo para o Brasil, apesar de ter os seus primeiros capítulos dedicados aos Sírios, núcleo protagonista da trama. Dentre as outras nacionalidades abordadas, estão os venezuelanos que fogem da crise em seu país.
"Fomos incluindo temas novos e vamos tratar a questão venezuelana", afirma a autora Thelma Guedes, que escreve a novela com Duca Rachid. Ela afirma que novos atores vão surgir ao longo da trama, relatando a crise do vizinho brasileiro. "A trama central é de uma família Síria, mas abrimos para outros refugiados. Há os africanos, os haitianos e também dos venezuelanos".
Segundo a autora, o Brasil recebe apenas 130 mil pessoas refugiadas, enquanto há 4 milhões de brasileiros espalhados pelo mundo. "É bem desproporcional. Há uma ideia de existem milhões de estrangeiros no Brasil, e isso não é verdade", afirma a autora."Claro que o primeiro objetivo da novela é entreter, mas talvez a gente consiga quebrar algumas ideias erradas que as pessoas têm de que o Brasil recebe muitos refugiados, por exemplo".
A economia e a cultura do país também crescem com a presença dos estrangeiros, defende Thelma. "Eles respondem a um aumento do 2% do PIB porque eles são muito empreendedores. Imagine uma pessoa que vem para cá para salvar a própria vida. Eles são resilientes e com uma energia de trabalho muito grande. Muitos são pessoas bem preparadas, que falam diversas línguas. Eles vêm para somar em todos os sentidos".