Tony Goes

A Globo acertou ao lançar 'Todas as Flores' no streaming?

Na TV aberta, a novela poderia estar fazendo mais sucesso que 'Travessia'

Maíra (Sophie Charlote), Judite (Mariana Nunes), Zoé (Regina Casé) e Vanessa (Leticia Colin) - Estevam Avellar - out.2022/Globo

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São Paulo

Anunciada há quase três anos, "Olho por Olho" estava prevista para substituir "Pantanal" na faixa das 21h da Globo. A novela marcaria o retorno de João Emanuel Carneiro ao horário mais nobre da TV brasileira, com uma trama centrada na complicada relação entre uma mulher inescrupulosa e sua filha cega.

Em março de 2023, a emissora mudou de planos. A sucessora de "Pantanal" seria "Travessia", de Gloria Perez. "Olho por Olho", rebatizada como "Todas as Flores", seria encurtada, passando de 150 para 85 capítulos, e lançada na plataforma Globoplay antes de chegar à TV aberta.

Os dois folhetins estrearam com menos de 10 dias de diferença. "Travessia" vem alcançando números mais baixos de audiência do que "Pantanal", o que de certa forma já era esperado, e atraído muitas críticas para a atuação da inexperiente Jade Picon.

Já "Todas as Flores", que teve seus cinco primeiros capítulos disponibilizados na noite de quarta-feira (19), vem arrancando elogios. Surgiu até uma campanha nas redes sociais pedindo que a Globo tire "Travessia" do ar e a substitua pela obra de João Emanuel Carneiro.

A transferência de "Todas as Flores" para o streaming me levou a crer que a novela teria algo de experimental. Alguma ousadia na dramaturgia, que seria testada entre os assinantes do Globoplay antes de enfrentar o público muito mais amplo da TV aberta.

Mas a verdade é que se trata de um novelão em todos os sentidos, para o bem e para o mal. A julgar pelos primeiros episódios, é a trama mais convencional já escrita pelo autor, com ingredientes herdados diretamente dos dramalhões cubanos das décadas de 1950 e 1960.

"Avenida Brasil", o maior sucesso de João Emanuel Carneiro, tinha muito da história de "Branca de Neve": uma menina abandonada pela madrasta à própria sorte, mas que depois consegue dar a volta por cima.

Já "Todas as Flores", como o próprio autor admitiu durante evento em que apresentou a novela à imprensa, é uma variante de "A Gata Borralheira", em que a mocinha é atormentada pela madrasta (ou, no caso, a própria mãe) e pela irmã invejosa.

Maíra, vivida por Sophie Charlote, é a encarnação da doçura. Nascida cega, a personagem não tem nenhum defeito moral. É simpática, gentil, amorosa e com um enorme talento para criar perfumes. Por outro lado, sua irmã Vanessa, papel de Letícia Colin, não tem qualidades. Mentirosa, mau-caráter, trapaceira e por aí vai.

No meio delas está Zoé, a primeira vilã, primeira rica e primeira loura interpretada por Regina Casé. Zoé tem muitos crimes no currículo e comete mais um logo no primeiro capítulo, mas não é de todo má. Aos poucos vai se encantando por Maíra, a filha que abandonou ao nascer e a quem só procurou quando Vanessa precisou de uma doação de medula para vencer um câncer.

Zoé lembra muito Carminha, a inesquecível antagonista de "Avenida Brasil", feita por Adriana Esteves. As duas, inclusive, conseguiram que seus amantes se casassem com mulheres ricas, sem deixar de se relacionarem com eles.

A mais forte trama paralela de "Todas as Flores" parece ser a de Diego, o garçom humilde vivido por Nicolas Prattes. Depois de perder a casa onde vivia com a família, o rapaz aceita assumir a responsabilidade por um acidente fatal em troca de dinheiro, mas é enganado, roubado e jogado na prisão. Quando sair, buscará vingança: um roteiro previsível, mas que costuma funcionar.

Mais original é o enredo de Raulzito, o estilista bissexual feito por Nilton Bicudo. Desenganado pelos médicos, ele descobre que sua esposa e herdeira na verdade o despreza, e se envolve com outra mulher. Sua morte marcará uma virada nos rumos da novela.

Com apenas 85 capítulos, "Todas as Flores" não tem enrolação, o que lhe garante um ritmo mais ágil que o habitual. Mas esta é a única novidade formal. João Emanuel Carneiro ousou muito mais em "A Favorita", com suas protagonistas dúbias. Agora ele parece ter optado por uma abordagem tradicional, de sucesso mais garantido.

Isto levanta a questão: será que a Globo fez bem em relegar "Todas as Flores" ao streaming? Será que foi correta a estratégia de lançá-la simultaneamente com "Travessia", gerando inevitáveis comparações entre as duas?

Em breve saberemos as respostas. Enquanto isto, está sendo interessante acompanhar mais este capítulo da evolução da telenovela brasileira, que busca se reinventar para continuar sendo a mesma.