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Tony Goes

'Travessia' investe no dramalhão e desafia a lógica em seu primeiro capítulo

Novela de Gloria Perez estreou na Globo nesta segunda (10)

Lucy Alves interpreta sua primeira protagonista em 'Travessia'
Lucy Alves interpreta sua primeira protagonista em 'Travessia' - Fabio Rocha/Divulgação
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Pela primeira vez, a Globo anunciou a nova ocupante de sua faixa das 21 horas como um "novelão". O termo faz pensar numa história arrebatadora, mas também sem maiores novidades. Parece que a emissora desistiu mesmo de qualquer ousadia em seu horário mais nobre. O que interessa é manter a audiência nas alturas atingidas por "Pantanal", depois de anos em declínio.

De fato, o capítulo de estreia de "Travessia", exibido nesta segunda (10), foi mesmo digno de um novelão. Mas no pior sentido da palavra: à primeira vista, a nova trama de Gloria Prerez em personagens estereotipados, atuações exageradas e nenhum respeito pela lógica.

Quase toda a ação deste primeiro episódio se passa uns 20 anos atrás. Os protagonistas Brisa e Ari, vividos nesta fase por Mariah Yohana e João Bravo, são pré-adolescentes. Os dois, que se conhecem desde pequenos e moram numa cidade próxima aos Lençóis Maranhenses, se separam pela primeira vez, quando ele vai estudar na capital do estado. Todos os demais personagens já são encarnados pelos atores que os farão na segunda fase, e ninguém parece mais jovem. Que lugar incrível é esse, onde o tempo não passa para os adultos?

Além disso, no começo deste século ainda não havia a tecnologia necessária para construir o shopping center "automatizado" que os empresários Guerra (Humberto Martins) e Moretti (Rodrigo Lombardi) querem erguer no centro histórico de São Luís. Mas Gloria Perez nunca deu bola para esses detalhes.

Guerra e Moretti rompem a sociedade da pior maneira possível. O primeiro descobre que sua namorada Débora –Grazi Massafera, em rápida participação especial– o trai com o segundo. Resolve então matar ambos, e vai armado para o hotel onde estão os amantes.

Mesmo há 20 anos, ninguém subia num elevador de hotel sem ter sua presença anunciada ao hóspede que seria visitado. Guerra invade o quarto dos pombinhos, dispara seu revólver e erra todos os tiros, mas Moretti salta pela janela. Apesar do fuzuê todo, nem um único segurança aparece.

Novamente, a autora desprezou a verossimilhança em prol da emoção. Mais perturbador ainda foi ver Humberto Martins, bolsonarista confesso, empunhando uma arminha de verdade e disposto a cometer feminicídio.

Ele e Cássia Kis, que faz Cidália, a assistente de Guerra, resvalaram várias vezes no "overacting". O público precisa entender logo que ele é um homem de negócios impetuoso e sem escrúpulos, e que ela não mede esforços para ser fiel ao chefe. Danem-se as sutilezas, e viva o novelão.

"As pessoas mudam de ideia", diz Cidália em dado momento. "E às vezes, de uma vez só". Certamente não era esta a intenção de Gloria Perez, mas a fala parece se referir à mais recente mutação de Cássia Kis, convertida ao catolicismo reacionário.

Abandonada por Moretti, de quem está grávida, Débora entra numa espiral descendente. Não consegue emprego, é despejada e acaba sofrendo um terrível acidente de carro. Aqui, pelo menos, a direção conseguiu conseguiu inovar: a cena foi impactante e bem diferente de outras do gênero.

Também vale ressaltar que Grazi Massafera conseguiu passar o desespero de sua personagem sem apelar para o dramalhão, em seu primeiro trabalho na Globo depois de encerrar seu contrato de longo prazo com a emissora.

A passagem de tempo para a segunda fase se deu no último bloco. A tela horizontalizada da TV se transformou na tela vertical de um celular, num recurso visual simples e interessante, e através dela vimos crescer o bebê de Débora, adotado por Guerra depois da morte da mãe. Brisa e Ari também cresceram, e agora são interpretados por Lucy Alves e Chay Suede. Tiveram um filho juntos, mas não se casaram no papel.

Os últimos minutos da estreia ainda trouxeram de volta Helô e Stênio, personagens de "Salve Jorge", com seus intérpretes originais, Giovanna Antonelli e Alexandre Nero. Mas foi só uma palhinha: o gancho ficou por conta do vídeo "deep fake" criado por dois garotos portugueses, que irá virar a vida de Brisa de cabeça para baixo.

Dados preliminares do Ibope informam que "Travessia" alcançou 25 pontos na Grande São Paulo em seu primeiro capítulo. É uma queda considerável em relação à estreia de "Pantanal", que rendeu por volta de 29 pontos, mas não um prognóstico do desempenho futuro da novela. Gloria Perez tem um longo histórico de sucessos.

Em sua última investida no horário, "A Força do Querer" (2017), a autora conseguiu fazer um rodízio de protagonistas ao longo da trama. "Travessia" não promete invencionices; só pretende ser um novelão. Se tiver mesmo uma história arrebatadora, já está de bom tamanho.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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