Tony Goes

Regina Duarte radicaliza na web em busca dos aplausos que perdeu na arte

Sem papel importante há anos, atriz usa a política para se manter em evidência

Regina Duarte durante evento em Brasília - Isac Nóbrega-6.mai.2020/PR

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"O patriota de verdade não esquece jamais de fazer um toque carinhoso em seu coração com a mão sempre que o Hino Nacional da sua terra é entoado", escreveu Regina Duarte em seu perfil no Instagram na quarta-feira (17).

A frase era ilustrada por uma foto tirada durante a cerimônia de posse de Alexandre de Moraes na presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Entre ministros, juízes e outras autoridades, o presidente Jair Bolsonaro é o único que coloca a mão sobre o coração enquanto canta o hino nacional.

Regina prossegue em sua diatribe contra essa grave ameaça ao país. O avanço da fome, a devastação da Amazônia, o desmantelamento da cultura, a perseguição à ciência, nada lhe parece mais grave do que alguém que não toca o coração enquanto brada o hino.

Vale esclarecer que não há lei nem regra alguma que obrigue ninguém a tocar o peito na altura do coração durante o hino. Desnecessário dizer que os verdadeiros patriotas se revelam quando lutam pelos interesses da pátria, mesmo em detrimento de seus próprios.

Mas a ex-atriz não está nem aí e conclui, furibunda: "Eu sou do tempo em que não se deixava de tocar o peito na hora do hino". "Era uma geração assim: no meu país "ninguém tasca"! Quem mais aí…?!"

Esta última frase dá a deixa do que se passa na cabeça de Regina. Ela, que vem levando pauladas da direita e da esquerda nos últimos anos, pede apoio explícito a seus seguidores, que não poucos: cerca de 2,8 milhões.

Regina Duarte nunca escondeu suas convicções políticas. Na campanha presidencial de 2002, ela viralizou (um termo que ainda nem se usava na época) com um vídeo em que dizia ter medo de Lula chegar à presidência, e que por isto votaria em José Serra.

A repercussão negativa do comercial fez com que Regina se recolhesse por um tempo, até porque as razões para o seu medo não se concretizaram. Ao mesmo tempo, seus dias de glória na Globo pareciam chegar ao fim.

Seu último grande papel na emissora fora o de Helena na novela "Páginas da Vida", de Manoel Carlos, exibida em 2006. Desde então, encarnou personagens menores e rápidas participações em novelas e séries, com algum destaque para a milionária Clô Hayalla no remake de "O Astro", de 2011.

Na falta de papéis marcantes na TV, Regina se refugiou no teatro, onde brilhou como a rainha francesa Eleanor da Aquitânia na primeira montagem brasileira da peça "O Leão no Inverno", em 2018. Mas a temporada foi curta, como quase todas são hoje em dia, e a repercussão do espetáculo não foi grande.

Foi então que Regina Duarte descobriu uma nova maneira de voltar aos holofotes. Declarou apoio ao então candidato Jair Bolsonaro, e tirou foto ao lado dele. Disse que o futuro presidente da República lembrava seu pai e outros homens de sua infância, rudes e durões.

Assim que tomou posse, Bolsonaro passou a investir contra a classe artística, a quem percebia como inimiga figadal. Conseguiu colar no imaginário popular a figura do artista vagabundo, que recebe milhões do Estado em troca de apoio político. E tentou criar uma gestão altamente ideológica na área da cultura, instalando uma censura informal e minando os mecanismos de financiamento.

O plano quase foi abaixo quando o então secretário da cultura, Roberto Alvim, proferiu um discurso calcado numa fala de Josef Goebbels, ministro da propaganda de Adolf Hitler. Alvim foi defenestrado às pressas, e Bolsonaro achou que chamar Regina Duarte para a secretaria seria uma maneira de agradar a grego e troianos.

Não foi, infelizmente. Regina aceitou na hora o convite e correu para desfazer seu contrato de quatro décadas com a Globo (a emissora não permite que seus funcionários também exerçam cargos no governo, em qualquer governo). Fez um discurso bizarro no dia da posse, elevando o pum do palhaço à grande arte. E entrava e êxtase a cada clique de fotógrafo: era evidente seu prazer em se tornar novamente o centro das atenções.

A alegria durou pouco. Dois meses depois, Regina foi forçada a se demitir, muito mais por suas qualidades do que por seus defeitos. Ela quis dar um tom plural à secretaria, chamando assessores que não eram bolsominions e apoiando projetos que nada tinham de ufanistas. A linha dura não gostou, e pediu sua cabeça. Com medo de perder apoio entre os mais radicais, Bolsonaro cedeu. Como prêmio de consolação, prometeu a Regina o comando da Cinemateca Brasileira, o que nunca aconteceu.

Regina foi humilhada em público pelo presidente, que não cumpriu nenhuma promessa depois de arrancá-la da empresa onde ela faturava alto há quatro décadas. Mesmo assim, redobrou o apoio a seu algoz. Passou a postar mensagens onde sequer faltavam fake news. Espalhou que a falecida primeira-dama Marisa Letícia deixara R$ 256 milhões numa conta bancária, quando na verdade eram apenas R$ 26 mil. Foi processada pela família de Lula e perdeu.

Mas essas derrotas têm seu lado bom: Regina descobriu que, se é muito criticada por jornalistas e artistas, também é aplaudida por muitos fãs, tanto os que ela já tinha como os que Bolsonaro ainda mantém.

Foi por isso que investiu contra esse problema gravíssimo que assola a nação –pessoas que cantam o hino sem a mão no coração– já no dia seguinte a um post em que desancava ex-colegas de classe que assinaram a Carta em Defesa do Estado de Direito.

Segundo o portal Metrópoles, Regina estaria magoada por ter sido esnobada por nomes como Bárbara Paz, Leandra Leal, Silvio de Abreu e Paulo Betti durante uma sessão da peça "Virgínia", com Claudia Abreu, em São Paulo. A vingancinha funcionou: Regina subiu aos trending topics do Twitter, e quis repetir a dose o mais rápido possível.

Regina Duarte protagonizou novelas fundamentais para a história da TV brasileira, como "Selva de Pedra" (1972), "Roque Santeiro" (1985) e "Vale Tudo" (1988), todas na Globo. Também encarnou a icônica personagem-título da minissérie "Malu Mulher", que abalou estruturas entre 1979 e 1980.

Hoje vemos essa figura tão importante em plena decadência artística e moral. Apoiar um governo que ameaça dar um golpe de estado para se manter no poder e dar seguimento às suas políticas de enfraquecimento das instituições e destruição da cultura, da educação e do meio ambiente, é compactuar com um crime anunciado.

Só que o ego voraz de Regina Duarte precisa de aplausos, quaisquer aplausos. Venham eles de onde vierem.