Tony Goes

Vigaristas e impostores fazem sucesso na TV, menos em 'Um Lugar ao Sol'

Sombrio e inseguro, protagonista da novela não caiu no gosto do público

Cauã Reymond como Christian e Renato em 'Um Lugar ao Sol' - Fábio Rocha/Divulgação

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Na série "Inventando Anna", da Netflix, uma jovem russa sem eira nem beira se faz passar por uma rica herdeira alemã, e leva metade da elite de Nova York na conversa.

O filme "O Golpista do Tinder", também da Netflix, conta a história de um sujeito que se fingia de milionário para seduzir mulheres por toda a Europa. Depois, ele as convencia a passar enormes somas de dinheiro para sua conta.

Duas minisséries, "WeCrashed" (AppleTV+) e "The Dropout" (Star+), falam de empreendedores sem muito estofo. Mesmo assim, ambos levaram investidores a torrar milhões em suas ideias mirabolantes.

O que esses pilantras todos têm em comum? Uma autoestima à prova de bala. Um charme irresistível aos incautos. E um conhecimento razoável das regras do jogo, que os permite navegar sem sobressaltos. O espectador quase que torce por eles.

Christian/Renato não tem nada disso. O protagonista de "Um Lugar ao Sol", que terminou nesta sexta (25), carregou uma dor imensa do começo ao fim da novela. Dor, aliás, que só cresceu com o tempo, alimentada pela culpa e pelas saudades da vida que ele levava antes de tomar o lugar do irmão morto.

A primeira novela de Lícia Manzo na faixa das 21 horas da Globo foi inovadora em muitos sentidos. Abordou temas delicados, como homossexualidade, idadismo, alcoolismo, feminicídio, síndrome de Down e gordofobia. Trouxe personagens verossímeis, complexos, cheios de defeitos e qualidades. E amargou o título de atração menos vista de seu horário. Seus índices no Ibope foram menores até mesmo que os da malfadada "Babilônia", de 2015.

Uma das razões para esse relativo fracasso –é bom lembrar que "Um Lugar ao Sol" nunca deixou de ser líder de audiência– foi o fato de a novela estrear com todos os capítulos já gravados. A prática é comum no México, mas não na Globo. Com a história fechada, não havia como fazer pesquisas com o público e identificar o que deveria ser alterado.

Se esses "focus groups" tivessem sido realizados, aposto que um dos alvos seria Christian/Renato. Cauã Reymond enfrentou o maior desafio de sua carreira, e se saiu maravilhosamente bem. Nos primeiros capítulos, o contraste entre os dois irmãos era claríssimo. Nos seguintes, Cauã conseguiu transmitir todo o abandono, a insegurança e o desespero de seu dúbio protagonista.

Aí que mora o problema. Mesmo com algumas tramas paralelas mais leves, "Um Lugar ao Sol" foi se tornando uma novela pesadona, baixo-astral, difícil de assistir. Fez falta um núcleo de humor? Talvez. Mas Christian/Renato cometeu tantos crimes, mentiu para tanta gente, foi tantas vezes canalha, que não gerou identificação com o espectador. Ainda mais num momento em que estamos fartos de mentiras e empulhações.

Isto não quer dizer que "Um Lugar ao Sol" tenha sido uma novela ruim. Pelo contrário. Lícia Manzo brilhou com os diálogos esmerados, sua especialidade, mas também urdiu uma trama consistente e sem furos.

O último capítulo focou o destino de Christian, que finalmente revelou ao mundo não ser o verdadeiro Renato. Julgado e condenado a oito anos de reclusão, ele ainda arrastou o espectador para dentro da cadeia, numa sequência inusitadamente enfadonha para um final de novela.

Mas pelo menos deu para dar algumas risadas com o festival de perucas bizarras que quase todo elenco foi obrigado a usar, para mostrar a passagem de tempo.

Estou sendo implicante. "Um Lugar ao Sol" pode não ter dado o retorno que a Globo esperava, e muita coisa poderia ter sido melhorada. Mas foi uma novela que avançou a teledramaturgia brasileira. Isto não é pouco.