Tony Goes
Descrição de chapéu jornalismo

William Bonner cresce como âncora ao demonstrar irritação no Jornal Nacional

Apresentador quase perde a paciência, mas nunca a elegância

O jornalista William Bonner - Reprodução-29.abr.2020/Globo

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

"Bolsonaro disse que as mortes ocorreram mesmo com as medidas decretadas por governadores e prefeitos. É uma afirmação que contraria frontalmente tudo o que afirma a unanimidade das autoridades sanitárias, dos médicos, dos especialistas. Que, se não fosse o isolamento, o número de mortes seria muitas vezes mais alto do que ocorre hoje, muitas vezes. E que o aumento do número de mortes ocorre exatamente neste momento em que muitas pessoas começam a descumprir o isolamento social."

William Bonner pronunciou o parágrafo acima na edição desta quarta (29) do Jornal Nacional. O âncora do mais importante noticiário da TV brasileira parecia não estar lendo palavras em um teleprompter e, sim, improvisando, tamanhas eram as ênfases em alguns termos e as pausas dramáticas entre eles.

Após essa performance memorável, Renata Vasconcellos introduziu uma montagem com diversas falas do presidente Jair Bolsonaro minimizando os perigos do novo coronavírus. Com mais de cinco minutos de duração e uma linha do tempo no rodapé da imagem, o vídeo reuniu declarações desde o dia 9 de março, quando Bolsonaro se referiu ao vírus durante uma conferência nos Estados Unidos, até o dia 20 de abril, quando o presidente soltou a infame frase "eu não sou coveiro".

Ficou de fora o épico "E daí?", expelido por Bolsonaro em 28 de abril, que já havia sido fartamente discutido no começo do noticiário. Esta compilação de "greatest hits" de Bolsonaro imediatamente viralizou na internet. Também surgiram muitos comentários sobre o nítido mau humor de William Bonner, que respingou em outros políticos.

Um discurso confuso do novo ministro da Saúde, Nelson Teich, mereceu como comentário de Bonner uma significativa levantada da sobrancelha esquerda. Sobrou até para Rodrigo Maia: o presidente da Câmara dos Deputados levou uma bronca no ar, por deixar a máscara sobre o queixo enquanto dava uma declaração à imprensa, o que é totalmente errado.

Quem acredita que o jornalismo tem que ser 100% imparcial, 100% do tempo, teria razão para reclamar. Mas, na prática, quem se queixa da postura de Bonner e de outros jornalistas costuma ser 100% simpatizante do atual governo. Gostariam de uma cobertura não só acrítica, como também elogiosa.

O Brasil se acostumou a ter locutores empertigados no comando de seus principais telejornais. Cid Moreira e Sérgio Chapelin, duas figuras históricas da nossa televisão, nunca foram jornalistas. Eram o que os americanos chamam de “talking heads”: cabeças falantes. Ótima voz, ótima figura, nenhum senso crítico.

William Bonner é o primeiro apresentador do Jornal Nacional a também ser o editor-chefe do noticiário. Está no cargo desde 1996, e vem crescendo desde então. Seu traquejo na bancada, sua experiência no trato com políticos de todas as estirpes, sua vivência através de crises de todos os tamanhos, só lhe aumentaram o cacife e a credibilidade. ​

Aos poucos, Bonner vem adotando a postura do âncora clássico, tradicional no telejornalismo americano. Nomes como Walter Cronkite, Peter Jennings, Tom Brokaw e Dan Rather, que jamais se furtaram a emitir opiniões enquanto davam notícias da Guerra do Vietnã ou do caso Watergate.

Aqui no Brasil, um dos pioneiros desse estilo foi Boris Casoy, que chegou à TV depois de um longo período no jornalismo impresso. Casoy continua na ativa, mas na pouco vista RedeTV!. Com exceções pontuais nos outros canais abertos, apenas a Globo exibe diariamente alguma atitude crítica diante dos poderosos.

William Bonner às vezes parece que vai perder as estribeiras, mas nunca perde a elegância. O jornalista que há nele não se deixa dominar pelas emoções. Uma tarefa cada vez mais árdua no Brasil de hoje, governado por um presidente inepto, insensível e mentiroso.