Tá no Ar só foi o que foi porque a própria Globo mudou
Programa, que termina terça, foi beneficiado pela nova postura da emissora
O “Casseta & Planeta Urgente!” (Globo) ficou 18 anos no ar. Escrito e estrelado pelos responsáveis pela revista “Casseta Popular” e pelo jornal “O Planeta Diário”, que fizeram sucesso na década de 1980, o humorístico tinha uma linguagem diferente dos bordões populares de atrações como “A Praça É Nossa” (SBT) ou “A Escolinha do Professor Raimundo” (Globo). Mais sofisticada, mais iconoclasta e mais ligada à atualidade do que a daqueles clássicos da TV brasileira.
Mesmo assim, os “cassetas” (como os integrantes do grupo ficaram conhecidos) logo perceberam que havia limites claros para os assuntos que podiam abordar. Não podiam mexer com religião. Não podiam tirar sarro de nenhum anunciante da emissora –a saída foi criar as Organizações Tabajara, com seus produtos bizarros. As sátiras de programas de TV deviam se restringir a atrações da própria Globo, ignorando totalmente a concorrência.
Até na política eles precisavam pegar leve: o governo Lula costumava reclamar muito da maneira como era retratado. O resultado foi que, em seus últimos anos, o “Casseta e Planeta Urgente!” quase que só ironizava as novelas da casa. As restrições impostas pela Globo aceleraram o desgaste do formato.
Os tempos mudaram, e a Globo também. Ciente de que, apesar de manter a liderança, não domina mais a audiência como há 20 anos, a emissora vem procurando se modernizar. Investe pesado no streaming. Adota uma linha de jornalismo mais imparcial e transparente. E se mostra muito mais permeável ao mundo que a cerca, ao invés de fingir que é uma torre de cristal.
O humorismo se beneficiou dessa nova postura. O resultado mais vistoso foi o “Tá no Ar: a TV na TV”, cujo último episódio será exibido nesta terça (9).
Concebido para durar quatro temporadas, o programa capitaneado por Marcelo Adnet e Marcius Melhem acabou durando seis. Sua proposta não era exatamente original: sátiras à própria TV existem desde a década de 1960. Mas a liberdade com que o “Tá no Ar” pôde lidar com esse tema fez toda a diferença.
Pela primeira vez em um humorístico, a Globo reconheceu que não está sozinha no universo. Que o espectador assiste a outros canais, e que também gasta muito tempo na internet. Figuras da concorrência como Silvio Santos ou João Kleber mereceram imitações. Outras, como Amaury Jr. e Carlos Alberto da Nóbrega, chegaram a participar de esquetes.
Essa abertura valeu também para a propaganda. Marcas conhecidas serviram de mote para quadros contundentes, como “Branco no Brasil”. Mas o mais surpreendente foram as menções a diversas religiões. Católicos, evangélicos, candomblecistas e até muçulmanos foram alvo de piadas. Alguns grupos reclamaram: estão no direito. Mas a Globo não se dobrou, e isso foi ótimo.
“Tá no Ar” termina antes que sua fórmula escorra pelo ralo. Alguns quadros deram o que tinham que dar: “Jardim Urgente” ou o militante de esquerda que é contra a “rédi Globo” já não têm mais a graça que um dia tiveram.
Mas o legado do programa já começou a aparecer. “Isso a Globo Não Mostra”, o quadro de humor que hoje encerra o “Fantástico”, é feito por parte da mesma equipe, e leva o sarcasmo contra os famosos e os políticos ainda mais longe.
Melhem e Adnet estão preparando um novo humorístico, que só deve estrear em 2020. Tomara que a liberdade de que gozaram no “Tá no Ar” se amplie ainda mais. O Brasil nunca precisou tanto de um humor incisivo e impiedoso.